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É Desporto

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05 de Fevereiro, 2017

Zâmbia-1993. Uma geração de ouro mergulhada na dor

Rui Pedro Silva

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O sonho de chegar ao primeiro Mundial da sua história estava vivo e a geração era a melhor de sempre. Mas um avião defeituoso e um erro do piloto fez com que 18 jogadores perdessem a vida a caminho de Dakar. 

 

O aperitivo olímpico

 

Para compreender melhor o efeito da tragédia de 27 de abril de 1993 é preciso recuar até 19 de setembro de 1988, aos Jogos Olímpicos de Seul. A Zâmbia parecia ser apenas mais um convidado africano, incapaz de fazer frente às melhores equipas do mundo, mas as aparências iludem.

 

Depois de um empate a dois golos com o Iraque, a seleção africana ia defrontar a Itália, que na primeira jornada havia goleado a Guatemala por 5-2. Como em qualquer outro momento da história, uma seleção italiana é sempre favorita quando do outro lado está a Zâmbia.

 

Mas ali, naquele dia, escreveu-se um capítulo único. A equipa de Ciro Ferrara e Mauro Tassotti foi esmagada pela magia africana (4-0) com um Kalusha Bwalya a dar nas vistas com um hat-trick marcado. Na altura com 25 anos, o avançado jogava na Europa desde 1985 e estava prestes a dar o salto para o PSV.

 

A goleada chocou mas não teve seguimento. Os zambianos venceram o grupo mas sofreram ementa idêntica nos quartos-de-final, goleados 4-0 pela RFA de Klinsmann (autor de três golos), Haessler e Riedle.

 

Mesmo assim, o mote estava dado. A geração tinha qualidade e podia alcançar algo que nunca outra conseguira: o apuramento para um Mundial de futebol.

 

A eterna desilusão de 1993

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Senegal e Marrocos eram os derradeiros obstáculos da Zâmbia rumo ao Mundial nos Estados Unidos em 1994. Depois de uma fase preliminar em que Madagáscar, Namíbia, Tanzânia e Burkina Faso tinham ficado para trás, os zambianos iam abrir a fase final da qualificação em Dakar contra o Senegal.

 

O destino tinha outra ideia. A falta de financiamento da federação zambiana de futebol tornava cada viagem numa aventura. Meses antes, para jogar em Madagáscar, a comitiva foi forçada a uma paragem de cinco horas para reabastecimento que só terminou depois de se chegar a acordo relativamente ao pagamento.

 

Na maior parte das vezes, os voos eram feitos em aviões da Força Aérea zambiana, com poucas condições. Kalusha Bwalya confessou que os jogadores brincavam e diziam que aquele avião ainda os iria matar a todos.

 

A profecia concretizou-se… praticamente na totalidade. A caminho do Senegal, e após uma paragem em Libreville, o avião mergulhou no mar depois de um incêndio num motor, que provocou um erro do piloto – desligou o motor errado e fez com que o aparelho perdesse a potência.

 

Trinta pessoas morreram, 18 eram jogadores. Da espinha dorsal da seleção, apenas três não estavam no voo, com destaque para Kalusha Bwalya que, jogando no PSV, iria viajar diretamente da Europa para Dakar.

 

Uma segunda vida

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Mesmo sem jogadores, o ressurgimento da Zâmbia foi rápido. Kalusha Bwalya tornou-se ainda mais o líder da seleção e a Zâmbia venceu o primeiro jogo após a tragédia, recuperando de uma desvantagem para vencer Marrocos por 2-1 em Lusaka. «A seleção da Zâmbia desapareceu, mas uma nova apareceu. Espero que possamos ir até ao fim», disse Kalusha.

 

Depois de um empate em Dakar e uma goleada caseira com o Senegal (4-0), tudo se iria resolver na última jornada, em Marrocos. A vantagem estava com os zambianos: bastava apenas um empate para a equipa marcar viagem para os EUA, deixando para trás o grupo de Tahar e Hassan.

 

Os caprichos do destino fizeram com que o jogo fosse arbitrado por um gabonês. Na altura, pairava ainda a incerteza sobre o que tinha acontecido ao largo de Libreville e as relações diplomáticas entre os dois países estavam tremidas. A presença de um árbitro gabonês não facilitou, sobretudo depois de Marrocos ter vencido 1-0, com um golo de Laghrissi aos 62 minutos. Não houve necessariamente um momento criticável, apenas o simbolismo de a desilusão e tragédia zambiana estarem novamente associadas ao Gabão.

 

Meses depois, surgiu uma nova hipótese para a geração aos pedaços fazer história. Tal como em 1974, atingiram a final da Taça Africana das Nações, na Tunísia. Do outro lado, estavam as Super Águias com Yekini, Okocha, Amunike, Finidi, Oliseh… uma equipa de luxo.

 

Os zambianos marcaram primeiro mas foram incapazes de manter a vantagem. «As pessoas não deixam de pensar no que poderia ter sido. Éramos uma equipa com confiança», relembra Kalusha Bwalya.

 

O destino… outra vez

 

A Zâmbia continua sem conseguir marcar presença num Mundial de futebol. Nem voltou a estar tão perto desde 1993. Mas na Taça das Nações Africanas fez história em 2012, derrotando na final, após desempate por penáltis, a Costa do Marfim.

 

A final disputou-se… no Gabão, em Libreville, muito próximo do local onde o avião caiu. Antes da final, a comitiva zambiana foi à praia e celebrou uma cerimónia de homenagem aos seus antecessores.

 

«O sonho deles era trazer a glória para o nosso país. É o mesmo que nos traz aqui hoje. A diferença é que nós estamos vivos e eles já não», explicou Kalusha Bwalya, já na condição de presidente da federação zambiana de futebol.