Wladyslaw Kozakiewicz. Um manguito para os soviéticos
Especial Jogos Olímpicos (Moscovo-1980)
Público da União Soviética compareceu em peso para celebrar o triunfo de Konstantin Volkov na final do salto com vara mas saiu desiludido depois de uma prova a roçar a perfeição do atleta polaco. Farto de ser hostilizado pelos adeptos da casa, Kozakiewicz assinalou a vitória, com novo recorde mundial, com um gesto provocador para as bancadas.
«O público russo estava a assobiar todos os atletas que não eram da União Soviética. Assobiavam para nos distrair: 70 mil pessoas no estádio e apenas um sétimo delas deviam ser turistas. Passou-me pela cabeça que eu devia ser o único atleta na história do desporto a ser assobiado por ter batido um recorde do mundo», contou Kozakiewicz numa entrevista em 2018.
A história passou-se nos Jogos Olímpicos de Moscovo, em 1980. A edição foi estranha: muitos países do bloco ocidental, com destaque para os Estados Unidos, boicotaram o evento, abrindo caminho para um domínio esmagador das comitivas da União Soviética e da República Democrática da Alemanha.
A cada prova que passava, o público fazia questão de demonstrar o seu apoio pelos soviéticos. E o desdém por todos os outros. Os Jogos podiam ser um evento global, mas estavam a disputar-se no quintal comunista e o bom senso do desportivismo estava a ser arrasado.
Na final do salto com vara, a coqueluche dos adeptos era Konstantin Volkov. Mas a concorrência era de luxo: Kozakiewicz tinha batido o recorde mundial no início do ano, tal como os franceses Thierry Vigneron e Philippe Houvion, e Tadeusz Slusarski era o campeão olímpico em título.
A disputa pelo primeiro lugar adivinhava-se tão acesa que o público decidiu incendiar os ânimos. No meio da competição, houve um homem que não se deixou levar pela pressão externa. E até a usou para aumentar a motivação.
Wladyslaw Kozakiewicz tinha um historial de fracassos nos momentos decisivos. Em Montreal-1976, uma lesão tinha-o impedido de lutar pelas medalhas durante a prova e, desde então, parecia haver sempre alguma coisa a travá-lo. Nascido na Lituânia, de uma família que sofreu na pele a ocupação soviética, havia muito orgulho em jogo. E o resultado foi fascinante.
O polaco passou todos os saltos que fez até aos 5,75 metros na primeira tentativa. Por esta altura, já era campeão olímpico e estava a apenas dois centímetros do recorde mundial. Volkov tinha vacilado a partir dos 5,65 metros, tal como Slusarki e Houvion. Mas Kozakiewicz, que já tinha começado a responder aos adeptos soviéticos com o famoso gesto do Zé Povinho, sentia que podia ir ainda mais longe.
Para bater novamente o recorde mundial em 1980, aos 5,78 metros, começou por derrubar a fasquia na primeira tentativa. Estava apenas a aquecer: no segundo salto, passou com mestria, bateu o recorde mundial e, por uma última vez, mostrou que valia mais do que os milhares de soviéticos que o assobiavam.
O gesto foi polémico. Os soviéticos não gostaram e o embaixador na Polónia exigiu que a medalha lhe fosse retirada, mas a resposta não se fez esperar: não tinha havido qualquer insulto, fora apenas um espasmo provocado pela exaustão.