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É Desporto

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07 de Março, 2022

Vasiliy Pavlov. O último futebolista russo a jogar na Ucrânia

Rui Pedro Silva

Vasiliy Pavlov festeja um golo na Ucrânia

Aconteceu da forma mais natural do mundo. «Tinha acabado de deixar o Ventspils e estava de férias a pensar nas minhas opções. Recebi uma chamada de uma pessoa que tinha conhecido na Letónia e ele disse-me que havia uma proposta. Do Chornomorets. De Odessa.»

Estávamos em fevereiro de 2019 e Vasiliy Pavlov estava prestes a fazer história. O campeonato ucraniano não tinha um único jogador russo desde a temporada 2013/2014, que ficou marcada pela anexação da Crimeia em fevereiro de 2014, e as fronteiras até estavam fechadas para homens russos. Mas isso não o impediu de seguir viagem.

«Assinei contrato durante o estágio na Turquia. Por isso, mesmo antes de viajar, já tinha o comprovativo de que iria para trabalhar. Além disso também tive um advogado do clube à minha espera no aeroporto. Toda a gente percebeu que eu era um futebolista e a razão para ter viajado», recordou em entrevista ao Sport24 em fevereiro deste ano.

Pavlov recordou a história de forma natural mas reconhece que houve campainhas a tocar. Uma foi da própria mãe: «Estava muito preocupada, a chorar. Perguntou-me por que é que ia para a Ucrânia, se estava maluco da cabeça». Vasiliy ligou para amigos que viviam em Odessa, confirmou que não haveria problemas e manteve a decisão.

O caso era delicado, e não apenas para Vasiliy Pavlov. Do lado do clube, a contratação de um futebolista russo seria vista com desconfiança e polémica. Por isso mesmo, o diretor de comunicação do clube, Sergei Martynov, tinha o spin preparado.

«O Vasiliy vê-se como cidadão da Moldávia. A sua naturalização também foi registada no passaporte. Neste aspeto, não haverá nada de mal para comentar, por isso não vale a pena alimentar este tema», disse na altura.

Vasiliy Pavlov tinha jogado na Moldávia uma temporada, no Dacia Chisinau, mas tudo não passou de uma operação de cosmética. Era russo, tinha crescido em Samara, a mais de mil quilómetros tanto de Moscovo como da fronteira com a Ucrânia.

 O avançado não era um goleador nato, um jogador por quem valesse o risco de quebrar o obstáculo. E o Chornomorets não era conhecido por ser uma grande aldeia global. Naquela temporada havia apenas mais dois estrangeiros, ambos avançados: o neerlandês Robert Mutzers e o islandês Arni Vilhjalmsson.

Com 28 anos no momento da contratação, não havia um rasto de golos pelos clubes por onde passou, fosse na Moldávia, na Noruega (Brann em 2013), na Macedónia (Tetex) ou em clubes russos como o Khimki ou outros de menor dimensão.

Tanto assim foi que em 2017 decidiu candidatar-se a um reality show de futebol, com um conceito semelhante ao português Soccastars do início do milénio. Vasiliy foi uma das estrelas do programa da Match TV que começou com um casting em que, entre outras coisas, os concorrentes tinham de responder acertadamente a oito perguntas:

  • Quem foi o primeiro jogador estrangeiro do campeonato russo?
  • Que nome se dá a quem descobre talentos no futebol?
  • Em que ano é que a Taça das Confederações foi fundada?
  • Quem será o diretor desportivo da equipa neste projeto?
  • Que equipa tem mais títulos na Liga dos Campeões?
  • Quem é Ruslan Nigmatullin?
  • Quem foi o primeiro jogador nacional a atuar no estrangeiro?
  • Quem será o treinador da equipa neste projeto?

As respostas às perguntas 4 e 8 eram dois velhos conhecidos do futebol ibérico: Valeriy Karpin e Sergei Yuran. «Acho que este é um projeto muito interessante. Neste projeto grandioso, jovens jogadores de todas as regiões têm direito a uma segunda oportunidade. Vejo um pouco de mim neles: quando era novo não me deram espaço na equipa em Luhansk e depois acabei por conseguir uma grande carreira no futebol», disse o ex-jogador de Benfica e FC Porto.

Os participantes tinham de ter entre 18 e 25 anos e houve castings em Sochi, Rostov, Grozny, Vladikavkaz, Kalingrado, São Petersburgo, moscovo e… Simferopol, na Crimeia. De entre 1200 participantes, 18 foram selecionados e onze acabaram por formar uma equipa para convencer os olheiros de vários clubes nacionais e internacionais.

De acordo com os dados, Olenchenko terá chamado a atenção da B SAD de Portugal e do FC Riga da Letónia. Já Pavlov seduziu os turcos do Alanyaspor, que também ficaram interessados em mais dois jogadores: Burdykin e Demenshin. Foi sol de pouca dura, já que Pavlov nunca chegou a assinar contrato, seguindo depois para a Letónia.

Vasiliy Pavlov

A Ucrânia foi o passo seguinte. Se a presença de ucranianos no campeonato russo nunca se extinguiu, esta transferência chamou mesmo a atenção de todos, levando mesmo o presidente do Comité de Ética da Federação de Futebol Russa, Andrei Sozin, a afirmar a esperança de que este momento pudesse contribuir para a normalização das ligações entre os dois países.

«Espero que tudo corra bem com ele no Chornomorets e que venha a ter a oportunidade de mostrar o seu valor num clube do campeonato russo mais tarde. Nenhuma pessoa na Rússia dirá que se ele foi para a Ucrânia é um traidor ou que não deve voltar a jogar na Rússia».

Vasiliy Pavlov teve um sucesso limitado. «Odessa foi um dos períodos mais felizes da minha vida», garantiu, recordando uma temporada em que marcou seis golos em 25 jogos. Depois, nove meses após a chegada, disse adeus.

«Toda a gente na equipa falava em russo mas depois chegou um novo treinador e começou a falar-se em ucraniano. Ninguém me disse nada mas eu compreendi. Não posso dizer com certeza que fui dispensado por ser russo, até porque houve mais jogadores a sair, mas sei que houve essa alteração», lamentou.

O que se seguiu contrariou as esperanças de Andrei Sozin. Pavlov não só não voltou ao campeonato russo como decidiu terminar a carreira. «Digamos que quem eu queria não me ligou e que quem me ligou eu não estava interessado», explicou.

Com o futebol como parte do passado, Vasiliy entregou-se ao negócio de importação de fruta exótica da América do Sul e da Tailândia para a sua cidade-natal e a outro relacionado com o mercado cambial. «Provavelmente vou ser afetado pela guerra, mas só o tempo dirá. Resta-me esperar pelo melhor, é o melhor conselho que consigo dar.»

Abertamente contra a guerra e pela paz no mundo, Vasiliy Pavlov mantém-se como o último jogador russo a atuar no campeonato ucraniano. O ex-avançado garante que aconselharia quem lhe perguntasse que valeria a pena a aventura, mas reconhece que pode não ser fácil. «Talvez não queiram russos por lá. Ou talvez sejam os clubes a assumir essa posição. Nem toda a gente é leal aos russos. Acredito que em alguns clubes ucranianos seja mesmo impossível. Além disso, não é qualquer russo que se atreve a ir jogar para a Ucrânia», disse.

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