Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

É Desporto

É Desporto

12 de Agosto, 2016

Valerie Adams. Definir o futuro enquanto a mãe morria

Rui Pedro Silva

Valerie Adams

«Na noite da cerimónia de abertura deram-lhe morfina, por isso estava a dormir. No dia seguinte, 16 de setembro, morreu às nove da manhã. Depois, continuei a ver os Jogos Olímpicos e decidi-me: ‘Quero estar ali!’» Hoje, vai tentar o terceiro título olímpico no lançamento do peso. 

 

Honrar a mãe

 

Tinha 15 anos. A televisão estava a passar os Jogos Olímpicos de Sydney mas a adolescente neozalendesa tinha outra preocupação: a mãe estava a morrer. Tinha cancro, em estado terminal. A morte seria uma questão de dias.

 

«Vi a cerimónia de abertura ao lado da cama da minha mãe na unidade de cuidados paliativos. Estive lá em julho, agosto e setembro. Na noite da cerimónia de abertura deram-lhe morfina, por isso estava a dormir. No dia seguinte, 16 de setembro, morreu às nove da manhã. Depois, continuei a ver os Jogos Olímpicos e decidi-me: ‘Quero estar ali!’»

 

Valerie Adams não passava ainda de uma adolescente mas cumpriu o desejo e quatro anos depois estava em Atenas, a representar a Nova Zelândia pela primeira vez: «Devia-o à minha mãe. Continuou a apoiar-me mesmo quando ficou doente. Sacrificou o dinheiro da família para que eu pudesse ir treinar. E nós não tínhamos muito. Éramos cinco e vivíamos com 14 dólares neozelandeses por semana (9,6 euros).»

 

«Éramos muito pobres e ela foi a minha maior inspiração. Quando morreu foi uma grande tristeza mas também um alívio: ela estava com tantas dores.»

 

A mãe tinha 39 anos quando morreu, Valerie Adams entra no Rio de Janeiro com 31. «O objetivo é inverter o ciclo e ter um estilo de vida mais saudável. Ela era do Tonga e a vida na ilha era diferente. Cresci inspirada por ela e pela forma como nos ajudou a sobreviver com tão pouco dinheiro. Amava-a muito mas quero garantir que quando tiver filhos, eles possam ter uma vida melhor», diz.

 

Lutar contra dopadas

Valerie Adams com a prata em Londres/GETTY IMAGES

O doping tem sido o maior adversário na carreira de Valerie Adams. Quando competiu em Atenas, ficou em nono e perdeu a possibilidade de fazer os três últimos lançamentos. Mais tarde, soube-se que a vencedora, Irina Korzhanenko, tinha acusado positivo num controlo antidoping.

 

«No ano seguinte, a bielorrussa Nadzeya Ostapchuk foi campeã mundial à minha frente. Oito anos depois, voltaram a testar as análises e acusou positivo», continua a neozelandesa que subiu da medalha de bronze para a de prata.

 

Mas não houve prova que lhe tenha custado tanto perder para uma dopada como a dos Jogos Olímpicos em 2012. Campeã olímpica em Pequim, Valerie Adams tentou a revalidação mas ficou a 66 centímetros de… Nadzeya Ostapchuk. A sensação de tristeza e derrota durou seis dias, até receber um telefonema do treinador.

 

«Achei que era uma piada, foi um bocado estranho. A minha primeira reação foi começar a chorar. Estava a conduzir e tive de encostar. Queria ter a certeza, duas e três vezes, que o título era mesmo meu.»

 

Valerie Adams recebeu a medalha de ouro em setembro na Nova Zelândia, num evento com 2500 pessoas e transmitido na televisão para centenas de milhares. Mas a sensação não foi a mesma.

 

«Queria mesmo ouvir o hino no estádio, isso é importante. Tenho muito orgulho na Nova Zelândia. Foi um momento que me roubaram, ela teve a glória perante 80 mil espetadores quando não devia ter sido assim. Foi sempre a minha grande rival desde 2005. O que fez custou-lhe a carreira e agora vai ter de viver com isso», afirmou.

 

É este passado de Valerie Adams que a faz ser radicalmente contra quem se dopa: «Não tenho qualquer empatia. É como quem trai no casamento: traidor uma vez, traidor para sempre. Devem ser expulsos. Tenho zero tolerância para quem se dopa. Há atletas que são mais compreensivos mas eu já fui afetada três vezes.»

 

Valerie Adams questiona também a imagem que a recorrência de casos de doping está a provocar no desporto: «Temos de conseguir educar os jovens e fazê-los saber que é possível ser campeão sem recorrer a substâncias ilegais. E isso é muito importante, porque estraga uma vida. Trabalha-se anos e anos para isto e depois és apanhado. E depois?»

 

Os loucos Jogos de Londres

Valerie Adams em Londres

Valerie Adams chorou com a desilusão de pensar que tinha sido segunda em Londres mas as emoções à flor da pele começaram no dia anterior, quando os responsáveis pela equipa se esqueceram de confirmar a participação da campeã olímpica no lançamento do peso.

 

«Descobri menos de 24 horas antes da minha prova. Depois da última sessão de treino fui à procura no site para saber qual era o meu grupo e o número. Repetia o botão de atualização mas não aparecia. Só pensava «Não! Não! Não! Atualiza outra vez! O meu nome não está aqui, onde raio está o meu nome?», recorda, em declarações ao Guardian em julho deste ano.

 

Habituada a lançar o peso, agora corria contra o tempo: «Saí lançada do meu quarto e percebi que não me tinham inscrito. Estava lixada porque nos Jogos Olímpicos é tudo muito rígido mas, felizmente, e sendo campeão olímpica, consegui entrar na lista. Só consegui dormir duas horas, não foi muito bom.»

 

«Causou um pouco de stresse. É o tipo de merdas com as quais não precisas de lidar. Mas o meu agente vai tratar disso», avisou na altura.

 

Fazer história no Rio de Janeiro

 

Valerie Adams pode aumentar ainda mais o peso do seu lugar na história da modalidade. Já é a única mulher a vencer a mesma prova mundial em quatro edições consecutivas e pode tornar-se a primeira neozelandesa a ser tricampeã olímpica. Mais, nunca um lançador do peso conseguiu defender com sucesso o título em duas edições.

 

«São os meus quartos Jogos Olímpicos e ter a experiência do meu lado é ótimo. É uma daquelas coisas em que tens de estar preparada para tudo e onde não podes controlar o que os outros fazem. Tens de ter a certeza que estás o mais bem preparada possível, tanto física como emocionalmente», analisa.

 

A atleta confessa que continua a sentir nervosismo, «mas isso é uma coisa boa, é sinal que ainda te preocupas». «É algo mágico que não se pode fingir e estou a usá-lo de forma positiva», acrescenta.

 

O principal fator a ter em conta é que Valerie Adams não tem exibido a mesma superioridade em prova que mostrou no passado, quando chegou a ter 56 vitórias consecutivas em competições internacionais disputadas entre agosto de 2010 e julho de 2015.

 

A culpa é das lesões: «Nos últimos três anos fui operada cinco vezes: aos dois joelhos, a um tornozelo, um ombro, um cotovelo…» E o azar estendeu-se ao treinador, Jean-Pierre Egger, que foi operado recentemente ao joelho e que não vai poder fazer a viagem para o Rio de Janeiro.

 

«Estou muito triste pela ausência dele. Mas estou em grande forma e ansiosa por participar», garante.

 

O outro lado da família

Com Steven Adams, jogador da NBA

Valerie Adams já não tem a mãe para assistir à história olímpica e mundial que tem vindo a escrever mas a família continua a ser numerosa.

 

O pai, Sid Adams, antigo membro da Marinha britânica, fixou-se na Nova Zelândia e tem 18 filhos de cinco mulheres diferentes. Entre os meio-irmãos de Valerie, está Steven Adams, poste que joga na NBA ao serviço dos Oklahoma City Thunder. Além dele, há ainda mais dois irmãos que chegaram a ser internacionais pela Nova Zelândia na mesma modalidade.

 

A lançadora do peso confessa que não assistiu a jogos de Steven Adams nos playoffs da NBA mas diz que viu quando o irmão foi pontapeado nos testículos por um adversário [Draymond Green, dos Golden State Warriors].

 

«Ele tem estado a ser excecional mas continuo a conseguir partir-lhe os dentes da frente se precisar. Sou a irmã mais velha!» 

RPS