Trischa Zorn. A mulher que ganhou quase o dobro de Phelps
As figuras da natação parecem ter existido para não ficarem durante muito tempo com os recordes à sombra da bananeira. Do pai do surf, Duke Kahanamoku, ao Tarzan Johnny Weissmuller, passando por Mark Spitz e terminando com o incontornável Michael Phelps, a natação teve quase sempre heróis – masculinos, «claro está», que parecem fadados para acrescentar um ingrediente ao que já tinha sido feito e elevar a fasquia para o nível «agora sim, é impossível».
Ninguém esquece as madrugadas de Pequim a seguir Michael Phelps rumo às oito medalhas de ouro. Ou como atingiu as 28 medalhas no total no Rio de Janeiro, oito anos depois. Michael Phelps é um verdadeiro fenómeno que terminou a carreira olímpica 23 medalhas de outro, três de prata e duas de bronze. Por outras palavras, terminou sensivelmente com metade dos feitos de Trischa Zorn.
Nunca ouviram falar em Trischa Zorn? Não há mal algum nisso. Aliás, há sempre uma primeira vez para tudo. Esta mulher, cega desde a nascença na Califórnia em 1964, teve a estreia nos Jogos Paralímpicos nos Países Baixos, em Arnhem, em 1980. Balanço? Sete medalhas de ouro, cinco delas individuais. Não está mau, pois não? Fazer melhor poderia parecer difícil e quatro anos depois em Nova Iorque terminou com seis medalhas de ouro (cinco individuais) e uma de prata.
A diferença é que Trischa Zorn estava apenas no começo. Quando competiu nos Jogos Paralímpicos de Seul, em 1988, Zorn tinha 24 anos [Pausa para fazer contas e perceber que a estreia em Arnhem foi com 16] e parecia na plenitude das suas capacidades. Vamos testar o nosso fôlego e fazer a contabilidade às medalhas de ouro que Zorn venceu na Coreia do Sul?
Vamos a isso: 50 metros bruços, 50 metros livres, 100 metros costas, 100 metros bruços, 100 metros mariposa, 100 metros livres, 200 metros bruços, 200 metros estilos, 400 metros livres, 400 metros estilos, estafeta dos 4x100 metros livres e estafeta dos 4x100 metros estilos. Resumindo, foram dez medalhas de ouro individuais e duas coletivas. Foi doze vezes ao pódio e sempre, sempre, sempre ao lugar mais alto.
As edições seguintes não seriam muito diferentes. Em Barcelona venceu mais 12 medalhas (10 de ouro e duas de prata) e em Atlanta, com 32 anos, começou finalmente a ceder e venceu «apenas» duas medalhas de ouro, três de prata e três de bronze.
O aparecimento de Phelps como adolescente em Jogos Olímpicos, em Sydney, assinalou também o claro declínio de Trischa Zorn em Paralímpicos. Mesmo assim, ainda foi mais seis vezes medalhada: quatro de prata e uma de bronze na Austrália e uma de bronze em Atenas, em 2004.
Aconteceu nos 100 metros costas, a disciplina que lhe valeu um título paralímpico em 1980, 1984, 1988, 1992 e 1996 que lhe valeu também a última das 55 medalhas paralímpicas: 37 de ouro, 10 de prata e cinco de bronze. Se falarmos apenas de medalhas individuais, foram 30 de ouro, oito de prata e quatro de bronze.
O domínio de Trischa Zorn e o seu lugar na história é inquestionável. As suas 55 medalhas são tantas como as que a União Soviética venceu durante o seu período em Paralímpicos. E está à frente de países como a Jamaica, Marrocos, Turquia, Croácia, Sérvia, Bulgária e muitos, muitos, muitos outros. Se as contas forem olímpicas, o caso torna-se ainda mais impressionante.
Só 31 países conquistaram mais de 37 títulos olímpicos. O Brasil tem exatamente 37, enquanto Grécia, Quénia e Ucrânia, por exemplo, ainda estão a dois dessa marca. Pode haver muitas lendas, olímpicas e paralímpicas, mas não pode haver uma parede que não tenha espaço para Trischa Zorn.