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É Desporto

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30 de Maio, 2017

Totti acabou a carreira. Mas e de Tote, o que é feito?

Rui Pedro Silva

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Espanhol chegou à Luz seis dias depois de o italiano ter sido associado ao Benfica pela imprensa portuguesa. A semelhança fonética virou tema de piada e os adeptos nunca mais a esqueceram. Hoje, 18 anos depois, os dois já penduraram as botas.

 

O substituto de Rushfeldt

 

O verão de 1999 foi rico em novelas na Luz. João Vale e Azevedo tinha contratado Jupp Heynckes, alemão que vencera a Liga dos Campeões com o Real Madrid um ano antes, para assumir o comando da equipa e reforçar o ataque era a grande prioridade.

 

Durante um mês e meio, o nome de Sigurd Rushfeldt foi presença assídua nos jornais. O norueguês do Rosenborg era a prioridade mas o acordo financeiro foi complicado e, apesar de ter sido apresentado, o futebolista nunca chegou a ser verdadeiramente do Benfica.

 

Com o mês de agosto a meio, surgiu o nome de um italiano de 22 anos que se assumia como pedra basilar da Roma. Escrevia o Record a 15 de agosto: «Francesco Totti é o avançado eleito pelos responsáveis dos encarnados para substituir Sigurd Rushfeldt. Os dirigentes do Benfica pretendem contratar o jogador da AS Roma, o qual poderá ingressar nos encarnados por um preço relativamente acessível».

 

Mais à frente, a notícia revelava que o jogador tinha sido escolhido numa conferência telefónica entre João Vale e Azevedo, José Manuel Capristano e Jupp Heynckes, e acrescentava que um dos fatores que entusiasmava os dirigentes era o facto de se tratar de um avançado de renome internacional, que poderia constituir um investimento bastante rentável a curto ou médio prazo.

 

Quando Totti se fez Tote

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A metamorfose durou apenas seis dias. A 21 de agosto, a rádio espanhola Cadena Cope anunciava que o avançado espanhol Tote, com 20 anos e a jogar no Real Madrid, seria emprestado ao Benfica por uma época.

 

«Nem pensei duas vezes. Mal me disseram que o Benfica estava interessado em mim, não hesitei. O Benfica é um clube com história em Portugal e na Europa. Tentarei fazer o meu melhor e espero marcar muitos golos para dar títulos», dizia o futebolista conhecido por Tote mas com Jorge López Marco no cartão de identificação.

 

Praticamente desconhecido em Portugal e com apenas um jogo pela principal equipa do Real Madrid (vitória por 3-2 no País Basco frente à Real Sociedad), Tote teve o contexto a jogar contra si. Além da desconfiança natural, sobretudo numa era em que o Benfica vivia os seus piores anos, teve de enfrentar a rábula de ser um Totti de série B.

 

Época para esquecer

 

A temporada 1999/2000 só foi boa para um dos lados da Segunda Circular. Se o Sporting venceu o campeonato 18 anos depois, os encarnados não foram além do terceiro lugar. Na Taça de Portugal foram eliminados pelo Sporting em casa e na Taça UEFA, após superarem Dínamo Bucareste e PAOK, sofreram a goleada mais humilhante na Europa: 7-0 em Vigo. Tote estava no banco de suplentes.

 

Foi a 25 de novembro de 1999. O espanhol raramente era opção de Heynckes e aquela quinta-feira não foi diferente. Tirando os 90 minutos que tinha disputado contra o Torres Novas para a Taça de Portugal – no jogo em que se estreou a marcar com o único golo do jogo – não foi além de 66 minutos, divididos por quatro encontros.

 

Em Vigo, não chegou a entrar e entrou em rota de colisão com o treinador alemão. «O meu problema com esse jogo foi que um jornalista espanhol me ligou para perguntar o que tinha acontecido e eu respondi que tínhamos perdido porque os jogadores do ataque que estavam no banco não tinham entrado. Estávamos a perder 3-0 e só entraram defesas», relembrou, em 2013, em entrevista ao site JotDown.

 

Heynckes fez entrar Tahar ao intervalo por Kandaurov e Bruno Basto e Chano na segunda parte por Rojas e Calado. Do banco não saíram o guarda-redes Nuno Santos, o próprio Tote, o médio Luís Carlos e o lateral nigeriano Okunowo.

 

As declarações não caíram bem. «Saíram em todas as notícias e a partir daí afastou-me do grupo. Mas se não tivesse sido por isso, seria por outra coisa qualquer. E as pessoas cobardes não se atrevem a dar uma explicação. Esperam por um erro teu para aproveitar», disse.

 

Até ao final da época, Tote não jogou muito mais. Ou melhor, continuou a jogar muito pouco. Fez mais dois golos na Taça de Portugal, numa goleada 7-0 ao Amora, mas realizou os últimos minutos num jogo a titular contra o Rio Ave a 22 de janeiro – substituído aos 64 minutos.

 

O balanço foi fraco: um total de onze jogos (três vezes titular), 359 minutos disputados e três golos, todos na Taça de Portugal. O Tote da Luz ia regressar ao Santiago Bernabéu.

 

Amizades e reencontro com Portugal

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Jupp Heynckes não deixou saudades mas Tote criou boas relações com colegas de equipa e mesmo um adversário: Robaina, o espanhol do Sporting. Elogiando a forma como João Pinto, Cadete, Porfírio, Nuno Gomes e Chano o trataram, Tote não esquece Okunowo, o seu colega de casa em Portugal.

 

«Era encantador. Vivia cada segundo ao máximo. Tinha sempre os olhos muito abertos. Chegou com ganas mas, infelizmente, sem grande cultura, sem saber muito sobre o que era o futebol. Falava um pouco de castelhano, porque tinha estado no Barcelona, e contava-me como era constantemente enganado. Roubavam-lhe dinheiro, não sei se o representante ou se outra pessoa, mas os números nunca batiam certo», recordou.

 

No regresso ao Real Madrid, com sete jogos e um golo, quiseram os caprichos do sorteio que reencontrasse o Sporting na Liga dos Campeões. Apesar de ter jogado nos dois encontros contra o Spartak Moscovo, Tote não saiu do banco na receção ao Sporting (4-0).

 

Semelhanças com Raúl caíram por terra

 

Tote chegou a ser visto como um jogador muito semelhante a Raúl. Era avançado e tinha começado a carreira nos escalões de formação do Atlético Madrid, até ao momento em que as decisões de Gil y Gil provocaram um êxodo em massa. Tal como Raúl, também Tote, adepto colchonero, rumou ao Santiago Bernabéu.

 

As comparações ficaram por aí. Tote nunca singrou nos merengues e nem a boa época no Valladolid, com dez golos, o ajudou a ganhar mais espaço. A partir daí, tornou-se um globetrotter do futebol espanhol, com duas novas passagens pelo Valladolid, Betis e Málaga. Até encontrar um ponto de abrigo no Hércules, onde jogou de 2006 a 2012, ano em que terminou a carreira.

 

A despedida não teve glamour nem foi seguida pelos meios de comunicação social estrangeiros. Tote nada tinha a ver com Totti. A semelhança fonética perdeu-se com o tempo e já só resiste nas piadas partilhadas entre benfiquistas e adeptos rivais.

 

A 30 de junho de 2012, o contrato com o Hércules terminou e não foi renovado. Tote tinha 33 anos e pôs um ponto final na carreira. «Nunca poderei pagar tudo o que me deram [os adeptos], afirmou após o adeus.

RPS