Tony Martin. A derrota que despedaçou corações
A sexta etapa da Vuelta em 2013 tinha 175 quilómetros e o alemão atacou assim que começou. Esteve quase quatro horas sozinho na frente e só foi apanhado a vinte metros quando já conseguia saborear o triunfo. O arquirrival Fabian Cancellara foi o grande culpado mas a desforra não demorou muito a chegar.
Um dia diferente de todos os outros
O contrarrelógio é a grande especialidade de Tony Martin. O alemão que conseguiu escapar com a família da RDA quando era criança tem feito vida a pedalar contra o tempo e nas grandes voltas surge sempre como favorito nas etapas da especialidade.
A 29 de agosto de 2013, na Volta a Espanha em bicicleta, o ciclista sentiu que aquela podia ser uma boa oportunidade para testar a sua capacidade, em vésperas do Mundial, onde iria defender o bicampeonato.
Tony Martin deu espetáculo. Numa etapa desenhada a pensar nos sprinters, o ciclista da Omega Pharma-Quick Step atacou assim que os comissários da prova deram o arranque, às 13h13, hora de Espanha. A meta estava a quase quatro horas de distância e era difícil imaginar o que poderia acontecer mas, supersticioso ou não, o momento da fuga foi um mau prenúncio.
«Queria entrar numa fuga e tinha esperança que outros pudessem vir comigo mas ninguém conseguiu acompanhar-me por isso continuei a andar», explicou. A vantagem foi aumentando e chegou a ultrapassar os sete minutos, numa fase em que a meta, situada em Cáceres, estava muito longe ainda.
Foi a partir daí que as equipas dos sprinters, com destaque para a Orica, começaram a controlar Martin de forma mais efetiva. Num primeiro esforço, reduziram a distância para a casa dos cinco minutos e adiaram novo momento de ação para mais tarde. Entretanto, o alemão permanecia indestrutível na frente.
A história era igual a todas as outras e o direto na etapa do site oficial previa um desfecho como tantos outros. Afinal, é esse o procedimento habitual. «Começam a pesar os quilómetros nas pernas de Tony Martin», lia-se.
A distância ia diminuindo e diz a lógica que fugas deste tipo não chegam ao fim. Mas isso é apenas um lugar-comum que não fazia grande sentido na cabeça do alemão. E continuou sem fazer mesmo quando todos começaram a achar que o desgaste de Martin estava a ser desnecessário. A vinte quilómetros da meta, eram apenas 50 segundos de vantagem. A quinze, restavam 20. A dez, eram só 12.
Quando o impossível perdeu significado
Tony Martin está habituado a pedalar sozinho e manteve um ritmo impressionante para quem estava na fuga há mais de 165 quilómetros. A descoordenação entre as equipas dos sprinters funcionou a seu favor, tal como uma fuga irrelevante de um ciclista da Cofidis, que ajudou apenas para lançar o caos e desorganização na perseguição.
Ali, naquele momento, Tony Martin começou a ser visto como capaz de protagonizar um dos melhores de sempre: a fuga podia entrar na história e à medidas que as marcas dos últimos quilómetros iam sendo ultrapassadas, a expetativa subia de tom.
Foi impossível tirar o olhar no ecrã. Os comentários em inglês na Eurosport não davam margem para dúvida. «Será que ele vai conseguir? Será absolutamente deslumbrante se sim», dizia um comentador a 1800 metros da meta.
À passagem do último quilómetro, a diferença era de seis segundos e os comentários subiam de tom: «Será notável se este homem conseguir levar isto até ao fim. Se vencer, como o meu capacete. Esqueçam o chapéu, como o meu capacete. É inacreditável. Que exibição impressionante. Será que Tony Martin vai conseguir uma das prestações mais impressionantes de qualquer grande volta?», dizia.
A 150 metros, o comentador já não era um simples comentador. Era apenas a extensão do sofrimento de todos os que seguiam a etapa, que estava com Tony Martin, a acompanhar aquele momento que poderia despedaçar qualquer coração mais sensível ao enorme esforço do alemão. «Vamos lá, Tony, tens de te superar para conseguir esta vitória!», gritava.
Um vilão desmancha-prazeres
As equipas dos sprinters pareciam já ter desistido mas Fabian Cancellara, o grande rival de Tony Martin, não se conformou com essa aparente desistência e atacou para aproximar a distância.
Exausto, Tony Martin vacilou e foi ultrapassado a 20 metros do fim. O dinamarquês Michael Morkov venceu, Cancellara foi terceiro e o alemão, engolido pelo grupo, não foi além do sétimo lugar.
«Continuei sempre a lutar sem pensar em mais nada e até aos últimos quilómetros nem pensei que pudesse ganhar. E mesmo no fim pensei que ia conseguir. Se o final fosse mais plano, talvez ganhasse, mas assim foi mais emocionante para os adeptos», disse um Tony Martin conformado no final.
O relato dos últimos metros expressa na perfeição o quepassou na mente de todos: «Já conseguia ver a meta mas ouvia o pelotão a toda a velocidade atrás de mim. Estava a dar tudo o que tinha, não conseguia ir mais rápido do que fui nos últimos 200 metros».
O vencedor da etapa também fez a análise perfeita, garantindo que sem a perseguição de Cancellara, o pelotão não teria conseguido apanhar Tony Martin.
«Se pensar numa perspetiva positiva, foi um grande treino para o Mundial. A linha entre fazer algo grandioso e perder é muito ténue neste desporto. Acho que foi a primeira vez que tentei algo do género, especialmente numa distância tão longa. Mesmo sem ter vencido, terei este dia na minha memória por muito tempo», disse o alemão.
Semanas depois, não deve ter conseguido conter o sorriso quando se sagrou tricampeão mundial de contrarrelógio em Florença, com 48 segundos de vantagem sobre Cancellara (terceiro classificado).
RPS