Tiger Woods. A redenção de um homem cheio de falhas
É o momento desportivo do fim-de-semana, do mês e, muito provavelmente, do ano. O regresso aos triunfos num major do homem que em tempos dominou o golfe mundial e que aprendeu a jogar muito antes de saber ler é uma história desportiva de sonho. E são as imperfeições do homem que tornam o enredo desportivo tão bom.
O significado do triunfo no Masters de Augusta, o quinto da sua carreira, ultrapassa qualquer imagem que tenha sido vista no domingo, enquanto o norte-americano seguia a toda a velocidade rumo ao título, num misto de qualidade e azar dos adversários. Mas há uma que ficou na retina. Quando, depois de fazer o putt que garantiu o triunfo no 18.º buraco, Tiger abraçou o filho Charlie, de dez anos, estava também a libertar-se do período mais negro da sua vida.
Há um Tiger Woods antes e um Tiger Woods depois de 2009. O golfista não vencia em Augusta desde 2005 e não conquistava um major desde 2008, mas só em 2009 é que se percebeu que o homem tinha uma capa de super-herói com mais buracos de que um campo de golfe.
Charlie nasceu em fevereiro e ainda nem percebia o mundo como ele era quando a imagem de Tiger Woods foi arrastada pela lama nos últimos meses do ano. Começou por uma primeira notícia de infidelidade e acabou com um estudo a garantir que a imagem do golfista tinha piorado tanto que as perdas estimadas em patrocinadores superavam os cinco mil milhões de dólares, e podiam atingir os 12 mil milhões.
De especialista nos greens, Tiger transformou-se em especialista na arte de pedir desculpa. Dia após dia, o número de mulheres a confessar que tinham tido um caso com o atleta aumentava de forma descontrolada. Tiger pediu desculpa à mulher, pediu desculpa aos amigos, pediu desculpa aos fãs. E explicou que, depois de ter sacrificado tanta coisa para chegar ao nível que chegou, julgava (erradamente) que tinha direito a cometer todos as indiscrições que conseguisse… como se fosse merecedor de capitalizar uma alma corrompida.
O corpo vacilou e cedeu meses depois da destruição da alma. Mais do que nunca, Tiger Woods era visto como um homem vulgar, igual aos outros golfistas, que procurava vencer um major sem conseguir demonstrar o fator-x que sempre o tinha acompanhado desde tenra idade.
As queixas físicas subiram de tom. Resistiu enquanto pôde mas os sintomas nas costas tornaram-se impossíveis de ignorar. Durante alguns anos continuou a jogar – e em 2013 até teve uma época bastante satisfatória – mas, quando falhou três cuts consecutivos em majors em 2015, sentiu-se que o fim estava ao virar da esquina.
O mundo deixou de acreditar em Tiger Woods… e com razão. O seu swing tinha ficado irreconhecível. As vantagens de outrora transformaram-se em fraquezas. As lesões assumiam uma predominância sobre o bem-estar de Tiger Woods tão grande que o próprio sentiu que o final da carreira podia ser inevitável.
Durante dois anos, o golfista nem sequer pisou um green de um major. E, de cada vez que jogava, especialistas de todo o mundo juntavam-se para analisar a linguagem corporal de Tiger Woods. Acabado, diziam uns. Nunca mais voltará a ser o mesmo, retorquiam outros. Mas, a pouco e pouco, já após a intervenção cirúrgica que fundiu duas vértebras, Tiger começou a mostrar sinais promissores. Não para exercer o domínio de antigamente, mas para conseguir lutar por um major e, quem sabe, voltar a vencer.
O segundo lugar no PGA Championship em 2018 serviu de aperitivo ao Masters de Augusta deste fim-de-semana. Aos 43 anos, com um filho de dez anos que não tinha estado por dentro de nenhum dos seus grandes momentos, Tiger viajou para a Geórgia e fez o que muitos chegaram a pensar impensável.
Tiger ganhou. E, com ele, ganhou o golfe. E o desporto. Tiger Woods é uma das histórias desportivas do ano, mesmo que ainda não tenhamos chegado ao fim de abril. E será, claramente, uma das histórias mais importantes do desporto. Não podemos falar de um homem merecedor que resistiu a todas as adversidades para regressar ao topo da montanha. Não, a história de Tiger não se resume a isso. A história de Tiger é sobretudo a história de um homem vulgar, de um homem de excessos elevado a herói, que traiu a mulher de todas as formas que conseguiu, aproveitando a sua posição de destaque (foi o próprio a assumi-lo na altura).
É a história de um homem que foi encontrado a dormir ao volante na berma de uma estrada depois de juntar álcool a medicamentos. É a história de um homem que esteve perdido… e soube reencontrar o seu caminho. O triunfo de Tiger Woods é uma vitória das segundas oportunidades. É uma redenção de um corpo que chegou a parecer irremediavelmente irrecuperável e de uma alma que se chegou a dar por vencida perante os caprichos e tentações do mundo exterior.
Hoje, praticamente dez anos depois, do princípio do fim, Tiger Woods tem o mérito de ter conseguido construir um novo começo. Está a viver uma nova vida e, tal como na primeira, chegou ao topo da montanha e saboreou a glória. Tiger Woods tornou-se ainda mais especial. Não por ser um super-herói com um prazo de validade ilimitado mas por ser um homem vulgar… capaz de fazer coisas extraordinárias.
As hegemonias no desporto têm sempre os dias contados – e há quem não as suporte – mas são poucos os que conseguem resistir a este tipo de redenções. Uma espécie de regresso do rei que foi arrastado pela rua até merecer novamente o entusiasmo da plebe. O público pode nem sempre ter gostado do domínio que Tiger Woods exercia mas dificilmente resiste a um enredo que parece saído de um guião de Hollywood. Ver um homem destes voltar a ganhar um major onze anos depois, e dez anos depois de ter caído numa espiral negativa, é bom demais para conseguir tirar os olhos do ecrã.