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É Desporto

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16 de Novembro, 2016

Terry Francona. Michael Jordan, maldição do Bambino e os títulos

Rui Pedro Silva

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Treinador perdeu uma final da World Series pela primeira vez mas voltou a ser eleito como o melhor treinador da Liga Americana. Para trás, na carreira, destaca-se a era em que orientou Michael Jordan e que quebrou a maldição de 86 anos sem títulos dos Boston Red Sox. 

 

Carreira atribulada

 

É o treinador do ano para a Liga Americana. Terry Francona, 57 anos, bateu a concorrência de Jeff Bannister (Texas Rangers) e Buck Showalter (Baltimore Orioles) e recebeu a distinção pela segunda vez numa carreira rica em particularidades, que tem dois títulos da World Series que não valeram distinções de melhor treinador e duas distinções de melhor treinador que surgiram em anos em que não foi campeão.

 

Em Cleveland, ao serviço dos Indians, Francona pegou numa equipa que terminara a época anterior com 68 vitórias e melhorou o registo para 92-70 em 2013, garantindo a primeira presença da equipa do Ohio nos playoffs desde 2007. Logo em 2013, recebeu a distinção pela primeira vez, superando o seu antigo adjunto, John Farrell, que tinha acabado de se sagrar campeão com os Boston Red Sox.

 

«Foi uma das épocas mais divertidas que tive no basebol, com o contributo de todos, desde os diretores aos proprietários, mas especialmente dos jogadores», explicou o técnico na altura, apesar de lembrar que não conseguiram atingir o objetivo.

 

Este ano foi igual. Se em 2013 os Indians foram eliminados logo na primeira ronda dos playoffs pelos Tampa Bay Rays, esta época a equipa do Ohio esteve muito perto de fazer história e vencer a primeira World Series desde 1948.

 

A história dominou a imprensa norte-americana, graças à final com os Chicago Cubs. Com uma equipa dizimada por lesões, especialmente entre os lançadores iniciais, Francona conseguiu eliminar adversário atrás de adversário, partindo sempre da posição de underdog. Na World Series, esteve com uma vantagem de 3-1 mas deixou-a escapar. Apesar disso, os elogios à forma como utilizou as opções de lançadores, com Andrew Miller a assumir-se como a grande estrela dos playoffs, foram recorrentes.

 

Este é mais um momento especial na carreira de Terry Francona mas não será necessariamente o melhor. Ou o mais curioso. Ou um misto dos dois.

 

Nascido na norte-americana Aberdeen (Dakota do Sul), estreou-se na MLB como jogador dos Montreal Expos em 1981. Passou por Chicago Cubs, Cincinnati Reds, Cleveland Indians e Milwaukee Brewers até terminar a carreira em 1990.

 

Era um jogador modesto: limitou-se a 16 home runs e só conseguiu 143 pontos (RBI – runs batted in) para as suas equipas. Como treinador, tudo muda. E é aí que se torna numa figura especial do basebol.

 

Michael Jordan no plantel

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Primeira paragem? Chicago. Em 1991, os Bulls são campeões da NBA com o melhor jogador da história a comandá-los, enquanto Terry Francona começa a carreira numa equipa-satélite dos Chicago White Sox, os Sarasota White Sox. Em 1992, Francona passa para os South Bend White Sox e Jordan continua a ser campeão pelos Bulls. Em 1993, Jordan faz a tripleta na NBA e o treinador volta a mudar, agora para os Birmingham Barons.

 

E em 1994? Estão os dois no Alabama, nos Birmingham Barons. Exatamente, Terry Francona foi o treinador de Jordan quando este decidiu abandonar a NBA e tentar a sorte no basebol, homenageando o sonho que o pai – assassinado em julho de 1993 – sempre tinha tido para Michael.

 

Quando Michael Jordan fez 50 anos, em fevereiro de 2013, Terry não levantou qualquer obstáculo para comentar o jogador mais improvável que já tinha treinado. «Força, por onde é que queres que comece? Adorava-o», garantiu em declarações ao site da MLB.

 

O técnico recordou que uma das primeiras preocupações de Jordan foi saber se a equipa viajava de avião para os jogos. «Não, pá. Vamos de autocarro para todo o lado.» Jordan assentiu e quando Francona lhe perguntou se era bom, respondeu com um «não, é uma treta».

 

O astro do basquetebol tinha um trunfo na manga e no dia seguinte apareceram quatro autocarros no parque de estacionamento para o treinador dar uma vista de olhos. «O primeiro parecia feito para uma banda de rock. Ele estava todo orgulhoso, mas havia um problema. Disse- lhe que o meu lugar seria bom, o dele também, mas então e os outros 25? Descartámos logo esse autocarro», recorda.

 

A escolha não trouxe custos: havia um acordo para os Barons o utilizarem nessa época, mas no final teriam de o devolver ao grupo que o tinha disponibilizado. Era simples, um acordo de cavalheiros.

 

Não havia nada que Michael Jordan não conseguisse fazer num campo de basquetebol mas nada disso interessava para singrar no basebol. Francona garante que Jordan era um jogador fácil de treinar e que tinha um desejo ardente de ganhar. Pior era quando perdia. «Vi-o partir raquetes de ténis, partir uma mesa de pingue-pongue. Não tinha bom perder.»

 

A passagem pelo basebol não teve grande sucesso mas por um ano Jordan e Francona estiveram juntos. Para o primeiro, foi apenas mais uma etapa, para o segundo foi o início de algo mais, algo ao qual não estava habituado: «Fui atirado para uma situação por sorte. Tive de aprender muito mais rápido e a correr, na comunicação com a imprensa, a ser organizado... Era uma correria. Gosto muito dele e ele fui muito bom para mim. Serei sempre um grande fã.»

 

Boston Red Sox

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Michael Jordan regressou aos Chicago Bulls para voltar a ser tricampeão (1996, 1997 e 1998) mas Terry Francona ainda teve de suar por uma oportunidade entre a elite. Em 1996 chegou à MLB para ser treinador de terceira base nos Detroit Tigers.

 

Um ano depois, teve a primeira aventura como líder, nos Philadelphia Phillies. Correu mal. Em quatro épocas, nunca conseguiu melhor do que 77 vitórias (menos de 50% dos jogos) e foi despedido sem grande surpresa em 2000.

 

Cleveland Indians, Texas Rangers e Oakland Athletics contrataram-no para cargos secundários nos anos seguintes, até que 2004 chegou para mudar a sua vida. Os Boston Red Sox precisavam tanto de Francona como o treinador precisava da equipa. O jejum sem vencer um título durava desde 1918 e acabara de sofrer mais um revés – derrota na final da Liga Americana sobre os Yankees no jogo sete. Era preciso recomeçar.

 

Ninguém pensou que pudesse acontecer o que aconteceu. A época regular terminou com um surpreendente registo de 98 vitórias e 64 derrotas e os Red Sox voltaram a marcar encontro com os New York Yankees na final da Liga Americana. A tradição parecia ser mais forte – a equipa de Nova Iorque venceu os primeiros três jogos – mas pela primeira vez na história do desporto profissional norte-americano, uma equipa conseguiu uma reviravolta de 0-3 para 4-3. E logo na rivalidade mais antiga dos Estados Unidos.

 

Na World Series, os Cardinals foram superados em quatro jogos. O treinador acabara de garantir um lugar eterno na história da equipa mas não estava satisfeito. Por isso, em 2007, repetiu o êxito e lançou as bases para aquilo que se pensava ser o início de uma nova era de força. Saiu pela culatra.

 

A irregularidade marcou as épocas seguintes até 2011. À primeira vista, tinha tudo para ser uma temporada de sonho – as contratações milionárias (Carl Crawford e Adrian González) prometiam – e a equipa correspondeu, pelo menos até em agosto. Depois, em setembro, deu-se início à pior crise que se podia esperar (apenas sete vitórias em 27 jogos), que terminou com os Red Sox a perderem um lugar nos playoffs no último encontro da temporada… para os Tampa Bay Rays de Joe Maddon, o treinador que agora derrotou Francona na World Series.

 

A tempestade abalou a organização e as queixas de que alguns jogadores bebiam álcool e comiam frango frito enquanto os colegas estavam em campo precipitou o adeus de Francona a Boston. Em Cleveland, após um ano como comentador televisivo, redescobriu o sucesso.

 

«Sou apenas um tipo normal do basebol que foi posto numa posição muito boa. E eu adoro os jogadores, adoro estar perto deles e não tenho interesse nenhum em esconder esse facto. Quando tenho alguma coisa para lhes dizer, digo. Não o faço através da imprensa. Digo-lhes o que sinto, acho que é assim que funciona melhor», disse um dia.

 

Parece que resulta.