Terezinha Guilhermina. A cega mais rápida do mundo
«Nunca aceitei o pouco que tinha. Sabia que se fosse a melhor, a minha realidade podia mudar.» A brasileira de 37 anos é a cega mais rápida do mundo e vem de uma família de doze irmãos em que cinco não veem. «Os meus pais são primos», justifica.
Infância muito difícil
«Sou a décima de doze irmãos e cinco são deficientes visuais porque os meus pais são primos.» Terezinha fala com um grande à-vontade sobre a doença congénita – retinose pigmentar – que lhe afetou a vida desde o início.
Numa família pobre e com graves limitações, a brasileira conseguiu superar as adversidades e terminar o curso superior. Faltou o mais importante: arranjar um emprego. Foi por isso que em 2000, com 22 anos, acabada de sair da faculdade, decidiu entrar no programa que o governo estadual tinha aberto para pessoas com deficiência.
Só havia um problema: Terezinha queria correr, mas não tinha ténis. Por isso foi para a natação. Um dia, a chegar a casa, desabafou com a irmã. «Imediatamente, ela disse-me que tinha um par de ténis e perguntou se eu o queria. É claro que eu aceitei», explica.
O tiro de partida estava dado. «Entendo que as pessoas que não têm nada podem alcançar muito mais. E eu nunca aceitei o pouco que tinha. Sabia que se eu fosse a melhor do mundo, a minha realidade podia mudar. Sempre fui uma pessoa que nunca se conformou com essa coisa de ‘mais ou menos’», garante.
De um iogurte a Bolt
O sucesso de Terezinha foi progressivo. Na primeira corrida que fez, de cinco quilómetros, terminou no segundo lugar e ganhou um prémio de 80 reais (cerca de 22 euros).
«Senti-me milionária. Nunca tinha visto tanto dinheiro, sou de uma família muito humilde. Com esse dinheiro, comprei um iogurte, que foi o que sempre tinha desejado comer. O meu pai era empregado de limpeza e a minha mãe empregada doméstica. Éramos muito humildes mesmo, não havia iogurtes nem comidas diferentes em casa. Carne, por exemplo, só comíamos uma vez por semana e era sempre um pedaço de frango», recorda.
Foi por isso que a escolha, talvez estranha, tenha sido o iogurte: «Criei essa fantasia quando era pequena. Ao comprá-lo, descobri que podia realizar todos os meus sonhos através do desporto. Comecei a acreditar cada vez mais em mim.»
A deficiência nunca serviu como desculpa e com o dinheiro ganho fundou o Instituto Terezinha Guilhermina para ajudar deficientes visuais. Ao longo do caminho, manteve sempre a boa disposição e o sentido de humor apurado.
«Posso não ver mas o meu mundo é colorido, e eu quero passar essa mensagem para as pessoas. O nosso mundo tem a cor que quisermos, por isso o meu é colorido», garante.
No ano passado, já na preparação para os Jogos do Rio de Janeiro, Terezinha teve a oportunidade de ter Usain Bolt como guia. «Foi uma honra para mim, um presente. Ele é grande atleta e alguém que realmente admiro. Para primeira vez, ele foi perfeito e muito tranquilo.»
Um ano depois, Usain Bolt venceu três títulos olímpicos no Rio de Janeiro (100, 200 e 4x100 metros). Terezinha vai tentar chegar aos quatro, com a participação nos 100, 200, 400 e na estafeta feminina dos 4x100.
História nos 100 metros
Terezinha é a cega mais rápida do mundo. Há quatro anos, em Londres, correu a final dos 100 metros com um tempo sensacional de 12,01 segundos e estabeleceu o novo recorde mundial na categoria de T11 (para cegos totais).
O tempo é impressionante. Olhando para os tempos das eliminatórias nos Jogos Olímpicos de Rio de Janeiro, Terezinha ficaria à frente de 29 atletas, terminando entre as 24 mais rápidas do mundo.
Os resultados alcançados em Jogos Paralímpicos desde 2004 não deixam dúvidas sobre a qualidade da velocista, que já conquistou medalhas nos 100, 200, 400 e 800 metros.
Estreia em Atenas-2004
«Foi uma emoção singular. Eu não tinha a noção da dimensão de uns Jogos Paralímpicos. Era completamente diferente de todas as competições em que já tinha participado. Ter ficado entre as três melhores do mundo ali foi um presente», recorda a medalha de bronze nos 800 metros.
Terezinha vai mais longe e diz que de Atenas não trouxe uma medalha mas sim uma chave: «Abriu muitas portas para mim. Na sequência, consegui ser patrocinada e comecei a entender um pouco de uma série de coisas.»
Quatro anos depois, estava ainda mais forte em Pequim: foi campeã nos 200 metros, segunda classificada nos 100 e bronze nos 400.
Momento mais alto
Os Jogos Paralímpicos de Londres surgiram quando estava na melhor fase da carreira e queria conseguir três títulos. O azar bateu-lhe à porta nos 400 metros mas o balanço final compensou.
«A medalha nos 100 metros em Londres foi o meu melhor momento, por dois motivos. Primeiro porque o Guilherme, o meu guia, tinha caído na noite anterior, na final dos 400 metros. Vivemos a dor na noite anterior e a alegria no dia seguinte», começa por dizer.
Depois, claro, porque se tornou a atleta cega mais rápida do mundo. «Foi um reconhecimento com bastante significado para mim, porque desde o início da minha carreira que sonhava em ser a melhor do mundo.»
RPS