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É Desporto

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29 de Julho, 2021

Sunisa Lee. A nova rainha da ginástica

Rui Pedro Silva

Sunisa Lee

A prova feminina do all-around da ginástica artística nos Jogos Olímpicos parece um jogo de cartas viciado. É baralhar, voltar a dar e… sair uma atleta dos Estados Unidos. Pelo menos desde 2004, ano em que Carly Petterson derrotou a russa Svetlana Khorkina. Desde então, o ouro foi entregue a Nastia Liukin, Gabby Douglas, Simone Biles e, agora, Sunisa Lee.

Cada atleta tem a sua história especial. Simone Biles, por exemplo, antes de ser uma vedeta extraordinária da modalidade, teve uma infância muito delicada. A mãe era uma toxicodependente alcoólica e Simone foi adotada pelo avô aos três anos. E Gabby Douglas foi obrigada a superar inúmeros comentários racistas quando dava os primeiros passos: «Estava sempre a ouvir piadas racistas e não falavam comigo. Foi muito difícil. Às vezes perguntavam-me se não era a escrava delas. Chegava a casa e chorava compulsivamente».

Sunisa Lee, 18 anos, é a quinta norte-americana a ganhar a prova consecutivamente e também tem um passado complicado. Uma vida que a fez tremer, pensar em desistir, interromper tudo o que estava a fazer para simplesmente ter tempo para agarrar um pedaço de ar que pudesse respirar e ganhar outro conforto.

A possibilidade de o futuro ser melhor foi a única coisa que a fez avançar. Como acontece com todos nós, a cada momento em que se sente o soco no estômago. Continuar e esperar pelo melhor é o único caminho e foi esse rumo que Sunisa Lee seguiu, mesmo quando a vida parecia atirar-lhe bolas curvas de forma consecutiva.

Em Tóquio, chegou a recompensa. Numa semana que está a ser dominada pela atenção mediática dada a Simone Biles, Sunisa Lee mostrou ser uma herdeira digna. Depois de ter contribuído para a medalha de prata na prova por equipas, teve uma prestação brilhante no all-around e subiu ao lugar mais alto do pódio.

Ali, com a sensação de dever cumprido, pôde finalmente parar para pensar no pesadelo que foram os últimos meses e anos. Não pelos sacrifícios (normais mas ao mesmo tempo sobrehumanos) associados à ginástica artística, não pela polémica que tem rodeado a federação norte-americana nos últimos anos, mas pela sua vida pessoal.

Se 2021 está a ser um ano de medalhas olímpicas, 2019 e 2020 foram anos para nunca mais repetir. Tudo começou em agosto de 2019, quando o pai caiu de uma escada e ficou paralisado do peito para baixo. No mesmo mês, Sunisa competiu nos campeonatos norte-americanos e garantiu a medalha de ouro nas paralelas assimétricas. E isto com uma pequena fratura na tíbia. «Estive a pensar no meu pai o tempo inteiro. Queria ganhar esta prova por ele porque sabia que ficaria muito orgulhoso», disse na altura.

Se o pai não perdeu a capacidade de a ver brilhar nos mais altos palcos, o mesmo não se pode dizer dos tios. No ano passado, em plena pandemia, tanto um tio como uma tia morreram de Covid-19, contribuindo para uma maturação à força de Sunisa, apenas uma adolescente de 17 anos na altura.

«Foram acontecimentos que me deixaram mais forte mentalmente. Combati os pensamentos negativos e toda a tristeza e concentrei-me no que queria. Agora sinto que estou mais forte por causa disso. Sinto não, estou mesmo. Estou mais forte por causa disto», disse há um ano.

Quando subiu ao lugar mais alto do pódio para receber a medalha de ouro, Sunisa Lee não estava sozinha. Enquanto o hino soava, sabia que levava consigo os seus maus momentos, os momentos que a fizeram hesitar, os momentos que a atiraram contra uma parede e que a fizeram perder a companhia ativa do pai e as conversas com o tio e a tia. Sunisa Lee venceu. O «amanhã» chegou não para apagar ou compensar o passado, mas para demonstrar que é possível continuar, mesmo num caminho cheio de buracos, físicos e metafóricos.

Sunisa Lee não é uma nova princesa da Disney, com uma história de conto de fadas. É a princesa da ginástica artística, com sofrimento, tristeza, muitos sacrifícios e uma medalha de ouro. A recompensa possível.