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É Desporto

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09 de Dezembro, 2016

Stan Cullis. O inglês que foi suplente por não respeitar a Alemanha de Hitler

Rui Pedro Silva

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Era o 216.º jogo da história da seleção de Inglaterra. Em Berlim, a 14 de maio de 1938, os responsáveis ingleses pediram, por diplomacia, que os jogadores fizessem a saudação nazi durante o hino alemão, em vésperas da II Guerra Mundial. Stan Cullis, uma estrela, recusou e foi para o banco. 

 

Futebol como propaganda

 

Adolf Hitler sempre olhou para o desporto como uma forma de afirmação nacionalista. Os Jogos Olímpicos de Berlim tinham sido a principal mostra para o resto do mundo mas não chegava. A tensão na Europa crescia a cada mês, os alemães tinham anexado a Áustria dois meses antes, e todas as oportunidades eram boas para demonstrar a alegada superioridade.

 

A década de 30 marcou o início dos Mundiais de futebol e, apesar de a Inglaterra só se ter estreado em 1950, afirmava-se como a seleção mais forte. A 14 de maio de 1938, a Alemanha nazi e a Inglaterra defrontaram-se em Berlim, num confronto que teve tanto de diplomacia como de teste de forças.

 

Nevile Henderson, embaixador britânico em Berlim, afirmava que os nazis estavam à procura de vitórias para dar força ao regime. Defrontar a Inglaterra era uma oportunidade perfeita para mostrar a sua capacidade. Do outro lado, os ingleses estavam pouco interessados em servir de fantoches.

 

Primeiro, porque percebiam a importância política que a imprensa alemã estava a dar ao encontro. Depois, porque além de receberem a habitual palestra para jogar bem e vencer, foram também aconselhados pela federação inglesa a fazer a saudação nazi durante o hino. Hitler não estava entre os 110 mil espetadores no Olímpico de Berim mas a estrutura política do regime apareceu em peso, com nomes como Goebbels, Göring, Hess e Ribbentrop.

 

Eddie Hapgood, capitão da seleção inglesa, recordou mais tarde que foi alvo de um bombardeamento em Bruxelas e Londres, esteve num naufrágio, num acidente de comboio e quase num acidente de aviação mas não houve momento pior na sua vida do que fazer a saudação nazi em Berlim.

 

Stanley Rous, da federação inglesa, garantiu que «todos acordaram que não havia objeções e entenderam o momento como algo divertido e sem qualquer relevância política». Todos menos Stan Cullis, que se recusou a fazer a saudação, foi despromovido para o banco de suplentes e não jogou na vitória (6-3) sobre a Alemanha. Stanley Matthews, primeiro Bola de Ouro da história, marcou um dos golos.

 

  

Estrela do Wolverhampton

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Cullis não era um jogador qualquer. Nascido em 1916, foi jogador dos Wolverhampton Wanderers entre 1934 e 1947. Depois disso, prosseguiu ao serviço da equipa, desempenhando o cargo de treinador até 1964.

 

Se como jogador nunca conseguiu alcançar o título (foi segundo duas vezes na década de 30) e viu a carreira ser interrompida pela II Guerra Mundial, como treinador a história foi outra. Estreando-se com apenas 31 anos, não precisou de muito tempo para alcançar o sucesso.

 

Com uma FA Cup logo a abrir (1949), ganhou motivação para conquistar o que lhe tinha faltado enquanto futebolista, sagrando-se campeão em 1954, 1958 e 1959, para além de ter terminado mais três vezes em segundo e reconquistar a FA Cup em 1960.

 

«Cada um só tem uma vida e eu dei a minha ao Wolves», disse um dia. E o clube agradeceu. Até hoje, mais de meio século depois, a equipa não voltou a terminar nos dois primeiros lugares nem a vencer a FA Cup.

 

Bill Shankly, o histórico treinador do Liverpool entre 1959 e 1974, confirmou a ligação muito forte entre os dois. «Ele teria dado todo o teu dinheiro por ti. Era 100% do Wolverhampton, teria morrido por ele. Acima de tudo, era um homem muito inteligente que poderia ter tido sucesso naquilo que quisesse».

 

Cullis saiu do Wolves, despedido, em setembro de 1964. «Ficou com o coração despedaçado e deve ter sentido que o mundo lhe caiu em cima», disse Shankly. Entre 1965 e 1970, treinou o Birmingham City mas nada voltou a ser o mesmo.

 

Morreu em fevereiro de 2001. Com o orgulho intacto.