Sparwasser. O herói que virou as costas à RDA
É o autor do golo mais famoso na história da República Democrática da Alemanha e teve um período de quatro anos na carreira verdadeiramente memorável. Seria o derradeiro herói do Estado, não tivesse decidido fugir em 1988 durante um torneio de veteranos.
Não é fácil encontrar uma carreira no futebol mundial com um período de quatro anos tão bom como aquele que Jürgen Sparwasser teve entre 1971 e 1975. Médio de posição, sempre demonstrou ser um avançado para o seu tempo. Ao serviço do Magdeburgo, clube ao serviço do qual se estreou em janeiro de 1966, passou por todas as experiências possíveis e imagináveis: desceu de divisão, voltou a subir, foi campeão nacional e conquistou um troféu europeu. Mas não é por nenhuma dessas coisas que é recordado.
Hamburgo, 22 de junho de 1974. As duas Alemanhas defrontam-se no Mundial de futebol e o mundo pára para ver o duelo. A ansiedade entre os alemães orientais é enorme e as autoridades temem um resultado que ponha em causa a estabilidade do regime. Não têm razões para isso: Jürgen Sparwasser marca o único golo do jogo e ganha automaticamente o estatuto de herói em casa.
«O golo de Sparwasser» continua a ser um dos momentos mais importantes na história do futebol mundial. Por mais anos que passem, será difícil que o futebolista nascido em Halberstadt em 1948 – na altura ocupado pela União Soviética – consiga soltar-se dessas amarras.
Razões não faltam. Jürgen Sparwasser está entre os melhores jogadores da Oberliga, campeonato no qual disputou 271 jogos e marcou um total de 111 golos. Sempre pelo Magdeburgo, clube que representou até uma lesão na anca ditar o fim da sua carreira em 1979, conquistou três campeonatos (1972, 1974 e 1975), quatro Taças da RDA (1969, 1973, 1978 e 1979) e uma final da Taça das Taças (1974).
O troféu europeu – o único de uma equipa da RDA – tem o nome de Sparwasser por todo o lado. Começou por marcar um golo nos oitavos de final ao Banik Ostrava, mas foi na meia-final que mostrou o seu caráter fulcral nos momentos decisivos. Em Alvalade, inaugurou o marcador aos 62 minutos de um jogo que terminaria empatado 1-1. Duas semanas depois, voltou a fazer o gosto ao pé (2-0 aos 70’), marcando o golo que efetivamente decidiria o jogo (2-1) e a eliminatória (3-2).
Os feitos de Sparwasser estenderam-se à seleção nacional, mas não apenas pelo tal golo à RFA marcado no Mundial. Dois anos antes, também na Alemanha Ocidental, contribuiu com cinco golos em sete jogos na caminhada até à medalha de bronze no torneio olímpico.
Sparwasser era assim mesmo: talentoso, com uma qualidade inegável e uma propensão para marcar golos decisivos. Não foi por acaso que se tornou um símbolo de «bom camarada» e de herói do futebol da RDA.
Os rumores de que a fama o teria feito enriquecer, com um prémio monetário, uma casa e um carro, eram infundados. À semelhança de tantos outros, Sparwasser vivia com limitações e aproveitou uma oportunidade para escapar quando pôde, em 1988, durante um torneio de veteranos na RFA, em Saarbrücken.
Visto pela última vez numa loja de conveniência, deixou apenas duas coisas para trás no quarto de hotel: um fato de treino do Magdeburgo e um bilhete escrito para os colegas de equipa: «É difícil… separar-me de vocês, mas não havia outra possibilidade».
O herói de Hamburgo – e de tantas outras cidades ao longo da carreira – sentiu-se forçado a virar as costas ao país que nunca o esqueceria. Foi apenas mais um sinal de que a RDA tinha os dias contados.