Sp. Espinho. Uma romaria na capital do voleibol
Nem tudo tem sido um mar de rosas mas a paixão pela modalidade em Espinho é passada de geração em geração e os jogos na Nave parecem um ponto de paragem obrigatório ao fim de semana. Mesmo que a caminhada exija um esforço redobrado, especialmente para quem saiu de Lisboa de madrugada.
A pescadinha de rabo na boca
Depois de um Sporting-Benfica e de um Benfica-Sp. Espinho, a lógica mandava que tivéssemos de ir ver um Sp. Espinho-Sporting. Se os clubes de Lisboa terminaram a primeira fase nos dois primeiros lugares e têm todas as condições para lutar pelo título, há uma característica que deixa a equipa de Espinho num pedestal difícil de derrubar: a ligação privilegiada ao voleibol, sem intromissões de outras modalidades.
Sim, o futebol pode estar a lutar pelo acesso à Liga de Honra e até tem passado na Liga Portuguesa (última participação foi em 1996/97), mas Espinho é sinónimo de voleibol. O futebol é relegado para segundo plano. E esta é uma característica que é envergada com orgulho, fazendo de Espinho a capital portuguesa do voleibol.
A paixão passa de geração entre geração e os jogos da equipa são um ponto de paragem obrigatória no fim de semana, mesmo quando o pavilhão fica longe do centro, especialmente para quem vai a pé. Foi o nosso caso.
A programação estava agendada há mais de um mês. Ao contrário das experiências em Faro e em Tondela, tudo seria feito de transportes públicos. Apesar de o Intercidades que sai do Oriente (Lisboa) ainda antes das oito da manhã parar em Espinho, só saímos no Porto. Afinal, ia haver dose dupla de experiência e decidimos montar a base na Invicta, praticamente com vista para o terreno onde antes estava o Estádio das Antas.
Em direção a Espinho
Tivemos tempo de dormir um pouco (afinal as madrugadas têm sido povoadas pelos Jogos Olímpicos de Inverno), comer alguma coisa e voltar a apanhar o comboio. A Académica jogava praticamente ao lado da estação mas fomos demasiado tarde para conjugar as duas coisas, até porque o caminho a pé até à estação ia exigir tempo de sobra.
Passo a passo, somámos 3773. Ou melhor, a aplicação do telemóvel inteligente indicou que precisámos de 3773 passos (equivalente a mais de dois quilómetros e meio) para ir da estação até à entrada da Nave de Espinho, um imponente edifício enquadrado no meio das árvores e com um movimento digno de um grande jogo.
O percurso é feito quase sempre em frente – é impossível perdermo-nos -, mas o mapa deixa-nos uma possibilidade em aberto. Um atalho que não se consegue perceber muito bem qual é, uma vez que está enfiado por baixo de um conjunto denso de árvores. Quando lá chegamos, percebemos porque era tão díficil de compreender.
Chega para passar um carro no meio das ervas e nas bermas há espaço para tudo: um sofá gasto, pantufas e todo o tipo de acessórios que passaram o seu prazo de validade e estão agora destinados ao abandono, sem grande finalidade. Finalmente, depois de percorridos estes cerca de 200 metros, percebemos que estamos no sítio certo. Ali, naquele primeiro momento, encontramos as duas primeiras “cheerleaders”, raparigas nos primeiros anos de adolescência que vão animar os intervalos dos sets.
Bilheteira e os lugares entre jovens irrequietos
Durante a semana tínhamos perguntado nas redes sociais quanto custariam os bilhetes para o jogo e íamos preparados para a ausência da possibilidade de pagar com cartão (Faro e Tondela foi suficiente para aprendermos). A bilheteira, improvisada, era um homem com uma cadeira junto à porta de entrada no pavilhão.
Pedimos dois bilhetes e a nossa forma de falar denunciou-nos. O homem olhou-nos de alto a baixo e disparou: «Vocês são do Sporting?». A única resposta que nos interessava dar foi a que demos: «Estamos aqui só para ver o jogo». «Ah, ok, é que se fossem do Sporting tinham de ir para o outro lado», respondeu-nos, apesar de manter um ligeiro olhar desconfiado, possivelmente provocado por um de nós estar com uma camisola verde berrante da Irlanda, que comprámos durante o Mundial de râguebi em 2015.
Com os bilhetes na mão, analisámos as bancadas disponíveis e decidimos qual seria o melhor sítio para acompanhar o jogo: uma bancada de lado, um pouco mais acima e numa ligeira diagonal. A parte boa: não havia praticamente ninguém aí. A parte má: ainda faltava uma meia hora para o jogo e ia encher.
No campo, os jogadores das duas equipas aqueciam; na bancada, os lugares vazios eram cada vez mais uma raridade. Aquele era um ponto de encontro: jogadores da formação que tinham acabado de disputar um jogo no lado oposto da nave, uma rapariga que abraçava uma antiga professora que já não via há muito tempo e estava «cheia de saudades». Era como se o mundo à volta tivesse parado e alguém só existisse se estivesse ali a ver o jogo. De uma modalidade. De voleibol. Para eles, seria apenas mais um fim de semana, mas para nós foi uma curiosa lufada de ar fresco.
Traição não foi esquecida
O Sp. Espinho-Sporting foi a penúltima jornada da fase regular. Em ano de regresso, os leões venceram todos os jogos do campeonato, tirando um: o jogo da primeira volta com o Espinho. Na altura, foi uma pequena desforra, tendo em conta que o Sporting formou a base da sua equipa com recurso a Miguel Maia.
Agora, vários meses depois, a saída do veterano distribuidor ainda não foi esquecida e os fortes assobios que ouviu enquanto era apresentado foram grande prova disso. Aliás, Miguel Maia foi o alvo da bancada durante todo o jogo, sempre que servia. A bancada reservada ao Sporting, que teria umas cem pessoas, apoiava na medida do possível, com uma grande bandeira e cânticos tímidos aqui e ai, mas seria difícil contrariar a organização espinhense.
Numa primeira linha, havia cerca de 20 a 25 adeptos que passaram o jogo de pé a entoar os inúmeros cânticos da equipa, desde o orgulho vareiro à versão adaptada do Despacito. Do outro lado, junto aos altifalantes, o speaker vai dando o mote, saltando entre versos para garantir que está tudo sincronizado e, sobretudo, que não há períodos de silêncio que possam ser aproveitados pelos adeptos do Sporting.
Euforia em sentido decrescente
A conquista do primeiro set foi o momento alto para o Sp. Espinho. Foi a altura em que a Nave esteve mais barulhenta, os adeptos mais confiantes e… as cheerleaders mais nervosas, depois de minutos e minutos a ensaiarem atrás dos cartazes publicitários.
A partir daí, tudo mudou. O Sporting reequilibrou a partida e seguiu para um triunfo relativamente confortável por 3-1, assegurando desde logo o primeiro lugar na fase regular do campeonato de voleibol.
Nas bancadas, as atenções foram-se desviando. Os adolescentes – que seriam infantis ou iniciados e estavam todos equipados a rigor com hoodies da equipa e nomes inscritos no capuz – falavam entre si e mantinham brincadeiras próprias da idade, enquanto outros começavam já a pensar no que reservaria o resto do fim de semana.
O regresso a casa seria diferente para cada um deles. A saída em massa do pavilhão, já com o jogo terminado, provocou o engarrafamento do trânsito, e nós não nos atrevemos a repetir o percurso do atalho, especialmente sem luz a iluminar o caminho.
A duração do jogo tinha sido perfeita para que o caminho de regresso à estação demorasse o tempo necessário para chegarmos a tempo de comer qualquer coisa no café da estação e apanhar o comboio de regresso ao Porto. A aventura tinha chegado ao fim, cinco quilómetros, mais de sete mil passos e quatro sets depois. E, claro, um pouco mais contagiados pela paixão do voleibol.
RPS/SSM