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É Desporto

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08 de Março, 2022

Soren Lerby. Jogar pela Dinamarca e pelo Bayern no mesmo dia

Rui Pedro Silva

Soren Lerby ao serviço da Dinamarca

A Dinamarca tem 24 jogadores no hall of fame. Peter Schmeichel e os irmãos Laudrup são, provavelmente, os nomes mais famosos entre as últimas gerações mas também há espaço para vários elementos do elenco que formou o núcleo duro da Danish Dynamite dos anos 80 onde, além do irmão mais velho dos Laudrup, Michael, coexistem ainda jogadores como Morten Olsen, Preben Elkjaer, Frank Arnesen, Allan Simonsen e… Soren Lerby.

Soren Lerby pode não ter a magia de Michael Laudrup, a veia goleadora de Preben Elkjaer ou uma Bola de Ouro no currículo como Allan Simonsen, mas tem algo que nenhum dos seus colegas se pode gabar: o dom da ubiquidade. Ou perto disso.

Tudo aconteceu a 13 de novembro de 1985. A Dinamarca precisava de somar pelo menos um ponto em Dublin para garantir o inédito apuramento para a fase final de um Mundial e o Bayern Munique disputava um jogo da Taça da Alemanha Ocidental no terreno do Bochum.

«Hoje é inimaginável que jogos de clubes e seleções calhem no mesmo dia, mas na altura era assim. Eu queria muito ajudar as duas equipas e as duas equipas não queriam abdicar da minha presença», recordou Soren Lerby em 2016.

A ideia pioneira surgiu de Uli Hoeness. O diretor do Bayern Munique negociou a presença de Lerby com o selecionador da Dinamarca Sepp Piontek e ficou acordado que, se o resultado fosse vantajoso, o patrão do meio-campo seria imediatamente substituído para seguir viagem para a Alemanha. De Dublin, da Irlanda. Só para não haver confusões.

Soren Lerby não era um jogador qualquer. Tinha saído da Dinamarca para o Ajax com 17 anos numa altura em que o futebol nacional ainda nem sequer era profissional. Em 1978 estreou-se pela seleção e, com a chegada de Piontek, perante a profissionalização da estrutura e a entrada em campo da Carlsberg como forte patrocinador, assumiu-se como uma das figuras da geração de uma equipa que iria encantar o mundo.

O plano estava feito mas a Dinamarca precisava mesmo daquele ponto. Num grupo que também tinha União Soviética, Suíça e Noruega, as contas estavam bem encaminhadas mas a Irlanda seguia com uma longa série de imbatibilidade a jogar na sua capital. Ao intervalo, depois de um golo inaugural de Frank Stapleton, os dinamarqueses venciam por 2-1 (Elkjaer aos 7’ e Michael Laudrup aos 44’).

Fora das quatro linhas, Uli Hoeness desesperava. «Piontek disse-me ao intervalo que ainda era cedo para ser substituído. O Uli só olhava para o relógio, sabia que cada minuto contava. Quando o 3-1 chegou, no minuto 58, foi finalmente substituído».

O que se seguiu foi um sprint digno de filme. «Sprintei para a cabine tão depressa quando conseguiu e, provavelmente, nunca terei tomado um banho tão rápido. Saí com o cabelo molhado e fora do estádio o Uli Hoeness já tinha o carro ligado, pronto para me levar para o aeroporto», recordou Lerby.

O Bayern não poupou nos esforços para assegurar a presença de Soren Lerby no jogo com o Bochum. A polícia irlandesa escoltou o carro até ao aeroporto, onde havia um charter à espera. Se o jogo em Dublin tinha começado às 15h00, menos uma hora do que na RFA, a chegada a Düsseldorf aconteceu poucos minutos depois das 19h00.

A estafeta da aventura estava longe de terminar. Ao aterrar em Düsseldorf, havia um Porsche à espera para seguir a toda a velocidade para Bochum. «A viagem pareceu interminável e quando estávamos mesmo a chegar, ficámos bloqueados pelo trânsito à volta do estádio. Não conseguíamos andar para a frente nem para trás».

Soren Lerby, que já tinha feito o aquecimento em Dublin e cerca de 60 minutos de jogo, decidiu inovar. «Despedi-me do Uli e corri os últimos dois quilómetros até ao estádio. Queria mesmo poder jogar de início», desabafou.

A verdade é que quando chegou, uns minutos antes das oito, já a equipa estava no túnel e prestes a entrar. «O Udo Lattek veio ter comigo, disse-me que estava atrasado e que agora só iria entrar ao intervalo. Naquele momento, a adrenalina esvaiu-se pelo meu corpo. Não consegui esconder a desilusão depois de toda aquela correria», disse.

Soren Lerby entrou ao intervalo mas não conseguiu ajudar o Bayern a vencer a eliminatória naquele dia. Depois de um empate a um golo após prolongamento, o jogo teve de ser decidido num segundo encontro e aí sim, Soren Lerby foi decisivo com um dos golos na vitória por 2-0.

A história foi escrita. Soren Lerby fez dois jogos no mesmo dia, ajudou a Dinamarca a garantir o passaporte para um Mundial-1986 marcado pela Danish Dynamite e contribuiu para o título na Taça da Alemanha Ocidental com o Bayern Munique.

Apesar de tudo, não foi feito único. Cerca de dois anos depois, a 11 de novembro de 1987, Mark Hughes jogou em Praga contra a Checoslováquia pelo País de Gales e depois voou para a República Federal da Alemanha para defrontar o Borussia Mönchengladbach na Taça ao serviço do… Bayern Munique. Deve ser coisa de bávaros.

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