Simone Biles. A vida mudou com um telefonema
Tem 19 anos e vai estrear-se nos Jogos Olímpicos mas é a favorita incontestável na ginástica artística. Tudo começou quando a dependência de álcool e drogas da mãe fez com que fosse adotada pelo avô aos três anos. «Às vezes questiono como seria a minha vida se nada disto tivesse acontecido», diz.
Do Ohio para o Texas
Era um dia como qualquer outro no Verão de 1999 quando Ron, um controlador aéreo reformado, recebeu um telefonema dos serviços sociais do Ohio. Os quatro netos, dois rapazes e duas raparigas, tinham sido retirados da mãe, Shanon, alcoólica e toxicodependente.
Ron não tinha muito tempo para decidir mas não hesitou: «Nós ficamos com eles». A decisão era complicada: a mulher Nellie não era a mãe de Shanon e os dois estavam a preparar-se para verem os filhos adolescentes saírem para a universidade.
«Não queria que fossem educados por um estranho», explica Ron. Dessa forma, Simone, com três anos, e a irmã mais nova Adria foram para casa do avô, enquanto os dois irmãos foram viver com uma tia-avó, também no Texas.
Paixão pela ginástica
Simone era demasiado nova para perceber o que se estava a passar. Era uma criança hiperativa e estava sempre a rir-se. Um dia, com seis anos, foi numa visita de estudo a um centro de ginástica. Tinha encontrado o destino.
Ron e Nellie já tinham percebido que Simone tinha uma capacidade atlética invulgar. Uma vez, no quintal, a pequena irrequieta ficou enfeitiçada pelo trampolim em que o irmão Adam e os amigos saltavam constantemente. Ficou ali, a ver, hesitando entre a vontade imensa de ir saltar também e a falta de coragem e atrevimento para perguntar se podia.
Quando se decidiu, deixou de haver dúvidas. «Apaixonou-se por aquilo», diz Adam, acrescentando que «é quase um milagre que tenha encontrado uma paixão tão grande tão nova».
Para Nellie, essa paixão era também um alívio: «Achei que era um bom desporto para ela, especialmente por ser uma criança tão ativa. Sabia que ia ajudá-la a controlar alguma da energia que tinha.»
Treinadora para a vida
Simone cruzou-se com Aimee Boorman aos oito anos e nunca mais se separaram. Agora, onze anos depois, a treinadora até tem dificuldade em perceber a dimensão dos feitos que a ginasta já alcançou.
Não é fácil. Nos Jogos Olímpicos de 2012, Simone era demasiado jovem para competir, mas desde então não dá margem para grandes duelos. Tricampeã mundial e tetracampeã nacional no concurso completo, conta com 14 medalhas em Mundiais – um recorde absoluto no feminino.
No Rio de Janeiro, há quem compare o seu domínio ao do japonês Kohei Uchimura. São ambos robôs, dizem. Simone desvaloriza, diz que o nipónico é que é uma verdadeira máquina. Ela é apenas… «alguma coisa».
«Não sei, não faço ideia porque sou assim. Um dia acordei e fiquei assim. Talvez tenha sido uma poção mágica», brinca.
«Ela é apenas a Simone», diz Aimee. «Às vezes esqueço-me do incrível que é porque já a conheço há tantos anos e trabalho com ela diariamente. Por isso é apenas aquilo que ela faz. Isso não mudou com os anos, tem apenas mais medalhas», continua.
Simone diz que as coisas sempre foram fáceis para ela: «Há dias em que me apetece experimentar algo novo e perguntam-me se estou a falar a sério, achando que ninguém deve ser capaz de fazer isso. ‘Pois, mas eu vou tentar’, respondo.»
Os dois lados da adoção
Simone descobriu que tinha sido adotada com dez anos, quando jogava ao «Duas Verdades e Uma Mentira» com colegas no ginásio. Mas esse não foi um problema: «Não é muito importante para mim. Há gente que ainda nem sabe».
Para Nellie, a história foi diferente. «É difícil explicar. Não se pode acordar um dia e decidir que se vai ser mãe e que se vai adorar», explicou à Reuters. «Não foi uma transição fácil porque elas não tinham nenhuma ligação comigo, tal como eu não tinha com elas. Elas eram netas do Ron, não minhas.»
Nellie não sabe exatamente quando houve o clique mas agora não há volta a dar: «É difícil dizer em palavras o que a Simone nos faz sentir.»
A mãe biológica voltou à vida de Simone mas apenas esporadicamente. Está melhor, deixou o álcool e as drogas e tem mais duas crianças. O pai abandonou a família ainda antes de os quatro irmãos terem sido retirados a Shanon.
«Às vezes questiono como seria a minha vida se nada disto tivesse acontecido», admite a ginasta de 19 anos. «Posso querer saber por que fez o que fez, mas essas perguntas não são para mim, era um estilo de vida que já tinha antes de eu nascer. Tenho tudo o que preciso, não há nenhum vazio para preencher. Nunca senti que tinha de encontrar respostas ou que faltava uma parte de mim», afirmou à revista Time.
Dedicação completa
Simone Biles vive para a ginástica diariamente e sempre teve o apoio dos pais. Ron e Nellie deram-lhe tudo o que precisava e até venderam a cadeia de casas de repouso que detinham para construir um ginásio a dez minutos de casa.
No final, compensa. «Ela tem uma ligação emocional enorme a este desporto. Sabemos o que ela dá por ele. Requer muita dedicação e enormes sacrifícios», garante Nellie.
Como pais, também eles tiveram de abdicar de muito: «Cancelámos férias. As nossas férias eram as viagens com a Simone para as provas. Foi um sacrifício da nossa parte mas é algo que a nossa filha gosta e pelo qual é apaixonada. Estamos dispostos a continuar nesta viagem com ela.»
Simone Biles começa a sua participação nos Jogos Olímpicos neste domingo e é candidata a ganhar um total de cinco medalhas. Para depois do Rio de Janeiro, há uma promessa: a família vai de férias. Só não se sabe para onde.
RPS