Serafim Todorov. O último homem a derrotar Mayweather Jr.
Conor McGregor vai tentar o que ninguém conseguiu desde que Floyd Mayweather Jr. se tornou pugilista profissional. Mas antes, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, houve um búlgaro que aproveitou uma decisão polémica para derrotar o norte-americano. Foi o último grande momento da sua vida.
Cair no esquecimento na Bulgária
Adaptação da versão publicada na edição do jornal i de 28 de abril de 2015
«Sinto-me como um vencedor e fico orgulhoso por ser o único homem a ter batido o Floyd Mayweather Jr. Neste momento todo o mundo sabe quem eu sou. Tinha medo que já me tivessem esquecido.»
Serafim Todorov precisava de atenção. Aquele dia de agosto de 1996 está cada vez mais longe e a vida do pugilista ficou fora de controlo. Se o norte-americano está à beira de mais um combate milionário, o búlgaro vive de um subsídio do governo que ronda os 400 euros, num pequeno apartamento em Pazardzhik.
«O dinheiro que recebo não é suficiente. A minha família não tem emprego. É difícil porque vivo numa pequena cidade e não há muito trabalho. Do que recebo, ainda há um empréstimo para pagar ao banco e contas para saldar. Tinha uma casa maior na minha terra [Peshtera] mas tive de vender porque não tinha dinheiro para sobreviver.»
A vida de Serafim Todorov mudou muito desde os Jogos Olímpicos de Atlanta. Na altura sentia-se invencível. Sem uma grande ética de trabalho – confessa ter-se preparado apenas nas três semanas anteriores –, apareceu num estado mais do que suficiente para disputar o título olímpico.
«Ele tinha 19 anos», diz Serafim de Floyd. «A minha experiência era muito mais forte. Tinha vencido todos os russos, os cubanos, alguns americanos, alemães e campeões olímpicos. Gozava com eles lá dentro e vencia-os a todos. E era muito inteligente. Era um pugilista com um estilo muito bonito e atraente de se ver. No ringue é preciso ser um artista. E eu era-o.»
Arbitragem contestada
A decisão da meia-final foi polémica. O árbitro egípcio Hamad Hafaz Shouman levantou a mão de Floyd Mayweather Jr. pensando que o norte-americano tinha vencido, mas a contagem dava uma vantagem de 10-9 a Todorov. «Ele pensou que tinha sido eu a ganhar», queixou- se Mayweather Jr.
«Até que o canto do Todorov gritou a avisar que estava a levantar a mão do tipo errado», continuou. E para o norte-americano o lapso do egípcio nem provocou grande surpresa: «Quando o combate terminou, achei que estava na frente ou pelo menos empatado.»
Os norte-americanos protestaram. O árbitro Bill Waeckerle demitiu-se por se recusar a fazer parte de uma organização que continuava a liderar arbitragens desta maneira. O líder da comitiva, Gerald Smith, lamentou os golpes de Mayweather que não foram contados e os pontos de Todorov por socos que não foram dados.
Em ambos, o dedo era apontado ao presidente da comissão de arbitragem, o búlgaro Emil Jetchev. «Os juízes estavam envergonhados. Quando o Dave Lubs [director de equipa dos EUA] foi falar com eles, mantiveram a cabeça baixa. Nem conseguiam olhar para ele».
Caminhos opostos
A decisão estava tomada e não havia nada a fazer. Floyd Mayweather Jr. recebeu a medalha de bronze mas agiu como se fosse o vencedor. «Vocês sabem e eu sei que não iria ser atingido na final. Eles dizem que ele é o campeão do mundo mas agora todos vocês sabem quem é o verdadeiro campeão. Eu sei que ganhei. Estou orgulhoso com o que fiz. Representei o meu país. Quando voltar a casa, quero toda a gente tão contente como se tivesse ganho o ouro», afirmou.
O regresso de Todorov foi muito diferente. O búlgaro estava obcecado com o título olímpico, mas perdeu, também numa decisão muito polémica, para o tailandês Somluck Kamsing. «Tudo o que queria era o ouro nos Olímpicos. Depois tivemos de esperar dois dias por um avião e afoguei as minhas mágoas em álcool. Quando voltei à Bulgária queria desistir do boxe», contou à CNN, numa reportagem em 2015 antes do embate de Mayweather Jr. e Pacquiao.
O búlgaro tinha perdido uma oportunidade de luxo. Logo após o combate com o norte-americano foi abordado por dois promotores com uma proposta para se tornar profissional. Mas o “não” foi imediato, sentiu que não era ainda a altura, que haveria uma oportunidade melhor.
«Se fosse agora, dizia-me para aceitar a oferta. Se soubesse que a partir dali a minha vida seria sempre a descer... teria assinado o contrato e ficado na América a viver feliz. Estou muito arrependido, desde que voltei à Bulgária todos os dias são uma tortura para mim», diz o homem que teve seis combates como profissional entre 1998 e 2003 – cinco vitórias e uma derrota.
O presente é amargo. Já o é há muitos anos. «A minha vida é a minha família. Já não falo com pessoas. Sofri de depressões inúmeras vezes na minha vida e estou a atravessar uma agora», lamentava em 2015. Mas nem assim olha para Mayweather Jr. de outra forma. «Não o invejo porque ele fez sempre o que devia fazer. Trabalhou arduamente por tudo o que alcançou na carreira. Merece tudo o que tem», afirma o búlgaro, que naquele 2 de agosto de 1996 viu os dois promotores abordarem o norte-americano depois de terem ouvido a recusa de Todorov.
Apesar disso, não associa directamente as duas, acreditando que aquele norte-americano de 19 anos continuaria a tornar-se aquilo que é hoje. «Floyd, dou-te os parabéns por continuares imbatível e espero que continues assim depois do combate com o Pacquiao. Isso vai fazer-me sentir mesmo muito orgulhoso por ter sido o único homem que alguma vez conseguiu derrotar-te», afirmou, numa mensagem entregue através da CNN.
Antes, já Floyd Mayweather Jr. tinha recuado no tempo para analisar a forma como aquela derrota polémica influenciou a sua carreira: «Estou satisfeito com esse resultado. Estou muito feliz porque isso fez com que me tornasse ainda mais determinado e trabalhasse ainda mais para conseguir alcançar o que alcancei.» Que foi muito mais que 400 euros mensais.
RPS