Rui Vitória. Não ser Jorge Jesus deixou de ser trunfo
Onze anos depois, o Benfica voltou a mudar de treinador durante a época. A corda que ligava Rui Vitória aos encarnados estava cada vez mais esticada, ameaçou romper a 29 de novembro e cedeu finalmente após a derrota em Portimão, no primeiro jogo de 2019.
Não foi a primeira vez que Rui Vitória esteve com o lugar em risco mas nunca tanto, como agora, o trunfo de não ser Jorge Jesus estava tão gasto. A contextualização do ambiente que se vivia na Luz quando chegou ao clube não é dissociável da margem que teve para alcançar o sucesso.
O Benfica sentia-se traído com a saída de Jorge Jesus, sem aviso, para o Sporting e construiu uma narrativa – lógica e relevante – de mudança de paradigma. Rui Vitória foi o homem escolhido não para ser um anticristo mas sim para ser um antijesus.
Era um homem que já tinha passado pela Luz, um confesso benfiquista, alguém que não exigia completa independência na altura de atacar o mercado – pelo contrário – e que não tinha problemas em lutar com as armas que lhe davam, sem descurar o recurso à equipa B e aos jogadores da formação.
Foi esta a capa que Rui Vitória vestiu – que já lhe tinha assentado bem em Guimarães – e foi desta forma que a estrutura do Benfica o acarinhou e protegeu dos ataques. Na verdade, Rui Vitória começou por não ser mais do que um «rebound» da relação conflituosa e apaixonada entre clube e Jesus.
Se o ex-treinador tinha saído para o Sporting, era imprescindível garantir que tudo corria bem e dar um sinal para fora de que a nova relação era ainda melhor. Rui Vitória passou a ter todas as virtudes que antagonizavam os defeitos de Jesus. Falava melhor – nem sempre necessariamente bem -, apostava na formação e era apresentado como o treinador certo para recuperar a dimensão europeia do Benfica.
O problema é que o arranque de Rui Vitória foi desastroso. As três derrotas com o Sporting em quatro meses, que valeram um título perdido, uma eliminação da Taça de Portugal e um humilhante desaire na Luz, aliadas aos jogos perdidos em Aveiro com o Arouca e no Dragão com o FC Porto deixaram Rui Vitória numa posição delicada.
A 30 de novembro de 2015, precisamente três anos antes da célebre conferência de imprensa de reconciliação de Rui Vitória, o treinador encarnado tinha o futuro a escapar por entre os dedos. A contestação subia de tom após a eliminação da Taça em Alvalade, o empate em Astana não tinha ajudado e a deslocação a Braga podia ser vista como um tira-teimas. Com dois golos nos primeiros onze minutos, os encarnados garantiram o triunfo e mantiveram a distância de oito pontos para o líder Sporting, embora com menos um jogo disputado.
Durante este período, Rui Vitória defendeu-se como pôde. Se os resultados dentro de campo não ajudavam, era imprescindível mostrar aos sócios e adeptos que o treinador estava a fazer, de facto, um corte com o passado. Na primeira prova de fogo, na Supertaça, começou por apostar em Nelson Semedo. Depois, a partir daí, os jogos pós-desaires eram garantia de aposta em jovens.
Depois da derrota com os leões na Luz (0-3), a deslocação a Tondela ditou as estreias de Renato Sanches e Clésio. O agora médio do Bayern Munique só foi utilizado um minuto no mês seguinte… até os encarnados perderem em Alvalade para a Taça. Renato voltou a ser titular no jogo seguinte, no Cazaquistão com o Astana, pegou de estaca, marcou o golo fundamental em Guimarães no início de janeiro e assumiu-se como uma pedra basilar rumo ao tricampeonato.
Estes pequenos momentos ajudaram a segurar Rui Vitória no Benfica. Isso e a impossibilidade de dar a parte fraca numa época que se adivinhava conturbada. Luís Filipe Vieira nunca gostou de dispensar treinadores a meio da época e fazê-lo numa edição liderada pelo Sporting de Jorge Jesus seria a última coisa da sua lista. De repente, as vitórias começaram a aparecer consecutivamente, as águias chegaram aos quartos da Liga dos Campeões e somaram 20 vitórias nas últimas 21 jornadas do campeonato – perderam apenas com o FC Porto na Luz.
Rui Vitória saiu por cima. Com o recorde de 88 pontos, o tricampeonato e os quartos da Liga dos Campeões, o Benfica fez xeque-mate a Jorge Jesus, salvou-se de uma época que ameaçava ser desastrosa e validou a aposta no novo técnico.
O ambiente de lua-de-mel não foi eterno. O Benfica foi tetracampeão na temporada seguinte, num título alcançado com relativa facilidade, mas as críticas ao estilo de Rui Vitória começaram a subir de tom. Na Liga dos Campeões voltaram a passar da fase de grupos – algo que foi novamente um trunfo contra a ausência de dimensão europeia dada por Jesus, o treinador que levou o clube a duas finais consecutivas, - mas os sinais de descontentamento estavam lá.
Foi também nesta altura que não ser Jorge Jesus começou a deixar de ser um trunfo. Da mesma forma que a intensidade e obsessão do antigo treinador promoviam o desgaste perante exposição prolongada, também o regime laissez-faire de Rui Vitória acabaria por ser contraproducente.
Rui Vitória nunca travou o futebol do Benfica mas promoveu, lentamente, a sua desaceleração. E quando se tornou obrigatório acelerar já não havia argumentos. As individualidades, sobretudo num campeonato como o português, ajudaram a resolver jogos, mas a inércia e o desinvestimento tornaram tudo mais difícil dentro de portas e impossível na UEFA.
Hoje, o Benfica já tem outro líder. Rui Vitória garantiu em novembro que não era um treinador a prazo mas há muito que estava nessa situação. Curiosamente, no final da temporada passada, até foi salvo… por Jorge Jesus e pela incapacidade do Sporting em segurar o segundo lugar. Vieira arriscou, manteve-o para uma nova edição, mas o risco calculado não compensou.
O Benfica é quarto classificado depois da passagem do ano pela primeira vez desde 2008 e está a sete pontos do FC Porto. E o simples facto de não ser Jorge Jesus, sobretudo com o técnico nas arábias e desejoso de voltar a Portugal para qualquer clube que lhe estenda a mão, deixou de ser um trunfo. Até é uma desvantagem. Rui Vitória sai também como um de apenas quatro treinadores que perderam no primeiro e último jogo pelo clube (Zozaya, Autuori e Toni são os outros três).
Luís Filipe Vieira e o Benfica venceram o jogo do sério contra o Sporting de Bruno de Carvalho e Jorge Jesus. Perante a implosão em Alvalade durante o verão, os encarnados recuperaram tranquilidade e agora até podem promover o regresso de uma paixão antiga. Rui Vitória não resistiu e talvez faça agora o que tanto ameaçou na conferência de imprensa de novembro: «Seria muito fácil para mim apanhar um avião para outro lado qualquer».
O maior problema da carreira de Vitória é que o aeroporto é pequeno. Sim, venceu cinco títulos em três anos e meio, mas a imagem que fica é a de um treinador limitado. Em Portugal, é difícil imaginar que possa voltar a treinar um grande. Os milhões das arábias até podem ser um «agradecimento» do Benfica e de Vieira, mas o futuro não parece promissor. Não ser Jorge Jesus não lhe vai garantir nada daqui para a frente.