Ron Atkinson. O último treinador em Old Trafford sem a sombra de Ferguson
Alex Ferguson fez um total de 1500 jogos pelo Manchester United. O clube de Old Trafford não começou – nem acabou – com o treinador escocês mas, na era do futebol moderno, os dois nomes confundem-se devido ao legado que deixou durante os praticamente 27 anos em que esteve à frente do clube.
Desde que decidiu pôr um ponto final na careira, os red devils têm somado apostas furadas. Entre David Moyes, Louis Van Gaal, José Mourinho e um interino Ryan Giggs, já houve 302 jogos. O clube conquistou cinco títulos – a Liga Europa em destaque – mas não voltou a ser campeão. A sombra de Ferguson não dá sinais de desaparecer perante um futuro com uma incógnita tão grande.
É uma boa altura para recuar até junho de 1981, mês em que foi anunciado o último treinador na história do Manchester United que não teve de lidar, por motivos óbvios, com a sombra de Alex Ferguson a pairar sob Old Trafford. Chamava-se Ron Atkinson, vinha de um excelente trabalho no West Bromwich Albion e chegava a um clube que tinha conquistado apenas três títulos desde o período áureo de Matt Busby, doze anos antes.
Matt Busby foi o Alex Ferguson da sua era. Também era escocês e esteve praticamente 24 anos ininterruptos ao serviço do clube, entre outubro de 1945 e junho de 1969, período no qual orientou o clube em 1120 jogos, formou os famosos «Busby Babes» e arrecadou 13 títulos, com a Taça dos Campeões Europeus conquistada contra o Benfica em maior destaque.
A sua saída gerou um efeito semelhante ao provocado por Ferguson. Entre 1969 e 1981, o Manchester United teve seis treinadores diferentes (um deles foi o próprio Busby, que voltou para fazer a segunda metade da época em 1970/1971) e não conseguiu reencontrar-se com a glória.
O objetivo com a contratação de Ron Atkinson foi claro: capitalizar os bons resultados que o inglês tinha conseguido ao serviço do WBA e concretizar a estratégia de aproximação ao topo que o Manchester United vinha a ameaçar nos anos mais recentes.
Depois de uma época no inferno do segundo escalão, o United tinha regressado em 1975 e em 1980 tinha terminado a temporada no segundo lugar, a apenas dois pontos do campeão Liverpool. Depois do oitavo lugar na temporada seguinte, Dave Sexton foi-se embora e deu lugar a Ron Atkinson.
A experiência do sucessor falava por si. Tinha 42 anos e três anos de experiência no primeiro escalão com resultados significativos. Na estreia, fora terceiro e chegara aos quartos de final da Taça UEFA. Na despedida, terminou no quarto lugar, garantindo nova presença europeia.
Um homem do banco
Ron Atkinson tinha crescido em Liverpool e nunca fora um jogador fora-de-série. Depois de ter feito os escalões de formação no Wolverhampton, teve uma passagem sem glória pelo Aston Villa antes de fazer toda a carreira efetiva ao serviço do Oxford United, longe dos grandes palcos.
Antes de chegar ao West Bromwich Albion, levava sete anos de experiência como técnico: três pelo Kettering Town e quatro pelo Cambridge United. O salto do WBA para o Manchester United foi o maior da carreira, mesmo que na altura a ambição em Old Trafford fosse muito maior do que a realidade conseguia oferecer.
O Manchester United não era o que é hoje. Tinha tido uma era gloriosa com Matt Busby mas não passava disso: uma era que tinha chegado e passado sem que houvesse grande sustentação. Em 1981, tinha sete títulos de campeão, tantos como o Aston Villa e o Everton, menos um do que o Arsenal e menos cinco do que o Liverpool, o verdadeiro “grande” inglês daquela época.
A pressão, por assim dizer, era diferente. «As pessoas diziam-me que eu devia estar muito nervoso. Mas não. Se não quisesse o trabalho, não o teria aceitado. É algo para onde vamos e aproveitamos. Nunca achei que fosse um crime desfrutar do que estava a fazer e acho que isso também se refletiu nos jogadores. Gostava de ir trabalhar todos os dias», disse.
Atkinson acabou por fazer 292 jogos à frente da equipa, até abrir caminho para Alex Ferguson em novembro de 1986. Durante aquele período, venceu duas Taças de Inglaterra, uma Supertaça inglesa e chegou longe na Europa em anos consecutivos: em 1984 caiu nas meias-finais da Taça das Taças frente à Juventus de Platini e em 1985 chegou aos quartos de final da Taça UEFA, perdendo contra os futuros finalistas do Videoton no desempate por penáltis.
Foi insuficiente para cumprir a ambição da direção mas não deixou de lançar algumas sementes para a reaproximação do clube ao estrelato que desejava. Trouxe Bryan Robson com ele do WBA, um jogador que viria a ser fundamental no início da era de Ferguson, e ameaçou o título várias vezes, apesar de nunca ter feito melhor do que o terceiro lugar.
Nas seis temporadas completas que cumpriu, nunca ficou abaixo do quarto lugar, algo que só tinha acontecido uma vez na história do clube… com Matt Busby. A falta do título, aliada à incapacidade de manter a consistência durante a temporada, vacilando perante a pressão imposta pelas recuperações do Liverpool, foi o ingrediente fatal na sua ligação ao Manchester United.
Ron Atkinson não deixou de ser especial. Foi o último treinador na história do clube a não ter de lidar com a sombra de Alex Ferguson a pairar sobre tudo o que fazia. A de Matt Busby já tinha desvanecido e a fasquia estava mais baixa. Com Moyes, Van Gaal e Mourinho, a comparação era inalcançável e o clube ameaça uma travessia semelhante à do período pós-Busby.