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É Desporto

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09 de Janeiro, 2017

Ranieri. A redenção total do homem dos “zero títulos”

Rui Pedro Silva

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Conquista da Premier League foi o suficiente para que o treinador italiano fosse distinguido com o prémio de treinador do ano para a FIFA. Para trás, fica uma carreira em que foi ofuscado (e criticado) demasiadas vezes por Mourinho.

 

Cereja no topo do bolo

 

Claudio Ranieri foi eleito o melhor treinador do ano para a FIFA. Superou a concorrência de Zinedine Zidane (vencedor da Liga dos Campeões com o Real Madrid) e de Fernando Santos (vencedor do Euro-2016 com Portugal) e entrou numa elite que conta apenas com outros seis nomes: Luis Enrique, Joachim Löw, Jupp Heynckes, Vicente del Bosque, Pep Guardiola e… José Mourinho.

 

O português nunca morreu de amores pelo italiano. Ranieri tem 30 anos de carreira como treinador – começou em 1986/1987 no Vigor Lamezia – mas os caprichos do destino têm feito com que se atravesse demasiadas vezes no caminho de José Mourinho.

 

Ranieri foi, por exemplo, o primeiro treinador de Roman Abramovich no Chelsea. O italiano foi herdado pelo magnata russo e ainda teve direito a uma época para mostrar o que valia. A paciência esgotou-se. Damien Duff, Hernán Crespo, Verón, Makelele e Mutu foram a primeira onda de transferências relevantes mas os resultados não foram além de um segundo lugar na Premier League e as meias-finais da Liga dos Campeões, numa edição ganha por… Mourinho.

 

No ano seguinte, Mourinho segurou as rédeas e fez história em Stamford Bridge, recompensando a aposta de Abramovich e validando a saída da Ranieri.

 

O italiano tinha 52 anos e aproximava-se dos 20 de carreira. Já tinha passado por clubes como Nápoles, Fiorentina, Valencia e Atlético Madrid e a lista de títulos continuava sem ser impressionante: tinha subido ao segundo escalão italiano com o Cagliari e ao primeiro com a Fiorentina, juntando-lhe ainda uma Taça da Itália e uma Taça de Espanha.

 

Regressado ao Valencia, em 2004, Ranieri conquistou o título mais relevante “à custa” de Mourinho. Na Supertaça Europeia, a equipa do Mestalla derrotou o FC Porto campeão europeu, agora já treinado por Victor Fernández.

 

Espiral negativa

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O início foi bom mas a carreira de Ranieri estava a entrar na pior fase. O título a abrir a primeira temporada no Valencia foi o único conquistado até 2013, na segunda divisão francesa ao serviço do Monaco.

 

O regresso a Itália não foi feliz. Tanto no Parma (2007), como na Juventus (2007-2009) e Roma (2009-2011). Não só porque não conseguiu ganhar títulos mas porque teve de defrontar, pela primeira vez, José Mourinho no mesmo campeonato.

 

O português estava a caminho de fazer história no Inter, foi bicampeão italiano, conquistou uma histórica Liga dos Campeões e, na guerra de palavras, não teve misericórdia, arrasando Claudio Ranieri numa conferência de imprensa.

 

Mourinho disse de tudo. Fez referência à incapacidade de falar inglês, nem que fosse para dizer “bom dia” quando esteve quatro anos no Chelsea, e, sobretudo, a falta de títulos. Foi nessa conferência que ficou famosa a expressão “zero titoli”, num ataque que também englobou Luciano Spaletti, então na Roma.

 

Ranieri ouviu e calou. Não tinha grande resposta para dar. Afinal, os números não mentiam e estavam contra si. E ficaram ainda piores quando foi contratado para orientar o Inter, uma época depois da saída de Mourinho, e quando os nerazzurri ainda sentiam os resquícios da era de glória.

 

Fracassou, uma vez mais. E voltou a fracassar quando saiu do Monaco para orientar uma seleção grega irreconhecível, que até com as Ilhas Faroé em casa perdeu.

 

E, de repente, a luz…

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Quando Claudio Ranieri foi anunciado como treinador do Leicester em 2015, houve poucos elogios e muitas críticas. A equipa queria assegurar a permanência, sempre difícil, e o passado de Ranieri não augurava muita coisa de bom.

 

O resto, como se costuma dizer, é história. Semana após semana, a equipa de Vardy, Mahrez e N’Golo Kanté foi surpreendendo os tubarões de Inglaterra. Semana após semana, acreditava-se cada vez mais de que poderia haver um campeão inédito em Inglaterra. Semana após semana, Ranieri era cada vez mais amado por todos, inclusive nas conferências de imprensa, proporcionando alguns dos momentos mais bem dispostos da temporada.

 

Enquanto isso, o Chelsea de José Mourinho afundava-se na classificação até ao momento em que o português foi despedido.

 

Karma? Ciclo natural? O que é certo é que Ranieri, tantas vezes vítima de bullying por parte de José Mourinho, conseguiu dar a volta por cima e entrou para a história do futebol inglês – talvez mais até do que Mourinho – com o título mais inesperado da Premier League.

 

Oito meses depois, a ordem natural das coisas parece ter regressado. Ranieri tem o Leicester numa situação difícil, de meio da tabela, mas dá cartas na Liga dos Campeões; Mourinho luta com o Manchester United por um lugar no topo.

 

Mas esta tarde, na Suíça, o título de melhor treinador do ano da FIFA foi para Claudio Ranieri. Deixou de ser o zero títulos. Deixou de ser uma nota de rodapé por onde passa. Passou a ser o melhor. O melhor treinador do mundo em 2016.