Race Imboden. Um esgrimista sem medo de ter voz
Peru, agosto de 2019 de um mundo sem pandemia. Os Jogos Olímpicos estão a menos de um ano de distância e os Estados Unidos são campeões de florete por equipas (esgrima) nos Jogos Pan-Americanos disputados em Lima.
O último ano do ciclo olímpico pré-Tóquio tinha acabado de começar e Race Imboden fazia parte de um lote de atletas que estava a piscar o olho ao Japão. Mas, antes de ser um atleta de alta competição, sentia-se norte-americano. Faltava também pouco mais de um ano para as eleições presidenciais e a instabilidade nos Estados Unidos parecia insustentável.
Foi nesta altura que Race Imboden decidiu agir e ajoelhar-se durante a cerimónia protocolar de atribuição das medalhas. Numa era em que a iniciativa era vista com maus olhos, sobretudo nos Estados Unidos – bastando ver o que aconteceu a Colin Kaepernick na NFL -, Race Imboden sentiu que havia coisas mais importantes.
«A razão para me ter ajoelhado durante uma competição internacional foi por sentir que o país que eu represento já não me reflete. Nem reflete as pessoas que lá vivem. Eu, como uma pessoa não pertencente a uma minoria racial, que não é afetada pela violência provocada pelas armas ou por questões relacionadas com a imigração, senti que era importante ter uma voz e mostrar apoio por essas pessoas», disse.
Num contexto que estava cada vez mais politizado, a ação de Race Imboden teve consequências e o Comité Olímpico dos Estados Unidos suspendeu-o por doze meses. No limite, a situação poderia tê-lo afastado de Tóquio-2020, mas o adiamento dos Jogos deu-lhe outra margem. Tanto que, precisamente um ano depois de se ter ajoelhado no Peru, voltou a fazer parte de uma manifestação que juntou 44 atletas norte-americanos que exigiam alterações à forma como protestos e manifestações eram encaradas nos Jogos Olímpicos.
A forte voz que Race Imboden decidiu ter acabou por não o impedir de estar em Tóquio, em julho de 2021. Agora, o atleta de 28 anos está preparado para participar na sua terceira edição de Jogos Olímpicos, competindo por equipas na prova de florete em esgrima. Em Londres-2012 foi nono na prova individual e quarto na por equipas e há cinco anos, no Rio de Janeiro, subiu ao pódio na prova coletiva para receber o bronze.
A medalha olímpica foi o culminar de uma aventura que começou quando brincava num parque em criança, armado em cavaleiro e com uma espada em punho. Em Atlanta, na Geórgia, um desconhecido viu a brincadeira e sugeriu aos pais que o levassem para a esgrima. Foi o início de uma história de amor que levou a… outra história de amor.
Foi precisamente no Rio de Janeiro, no ano da primeira e única medalha olímpica, que Race Imboden conheceu a sua namorada, a francesa, também ela esgrimista, Ysaora Thibus. A cumplicidade entre os dois foi praticamente automática e em 2017 começaram a viver juntos nos Estados Unidos.
Hoje, os Estados Unidos continuam longe de ser um país que deixou a tensão para trás mas Race sente que há um pouco mais de representação, mas nem por isso deixa de encarar o futuro com outros olhos. O objetivo para quando terminar a carreira é muito claro: trabalhar com crianças desfavorecidas que queiram entrar no mundo da esgrima. «Uma das grandes coisas que quero fazer é começar uma fundação para ajudar a crianças que vêm de um meio com menos fundos».
Race Imboden pode nunca ter sido campeão olímpico. Pode até voltar a falhar o pódio nos Jogos de Tóquio, mas às vezes ter a cabeça no sítio certo também vale uma medalha. E isso é ouro.