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É Desporto

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30 de Novembro, 2016

Quanto vale a vida de um jogador da Chapecoense?

Rui Pedro Silva

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A queda de um avião na Colômbia com a equipa brasileira matou 71 pessoas. Havia jogadores, membros da equipa técnica, da direção, jornalistas, pilotos, assistentes de bordo… Mas então por que é que na altura do luto e da informação se parece dar mais importância a uns do que a outros? 

 

O peso do desporto

 

Uma bancada vazia. Um rapaz descalço, de calções, com a camisola da Chapecoense e com a cabeça baixa, como se já não houvesse nada para ver à sua frente. Sem grande dificuldade, meios de comunicação social escolheram esta imagem para refletir o impacto da tragédia que matou 71 pessoas na queda de um avião que levava a equipa santacatarinense para a primeira mão da Taça Sul-Americana com o Atlético Nacional.

 

O acidente invadiu as redes sociais e as notícias em Portugal logo de manhã, mas a meio da tarde ainda havia gente surpreendida, dizendo que pensava que só os jogadores tinham morrido, criticando o aparente desdém para com a presença de jornalistas e outras pessoas no avião.

 

Tudo isto leva à pergunta: quanto vale a vida de um jogador da Chapecoense? Vale mais do que a de um jornalista? A de um piloto de aviões? A de um assistente de bordo? Não, não vale. Vale exatamente o mesmo. Independentemente da idade.

 

O que faz então com que o impacto mediático seja desde logo centrado na equipa que desapareceu? A criança sozinha na bancada explica. Os jogadores são figuras públicas, capazes de influenciar e tocar a vida de milhões de pessoas por culpa do que fazem nas quatro linhas (e às vezes fora delas).

 

O escritor brasileiro Nelson Rodrigues escreveu, com propriedade, que o futebol é o ópio do povo e o narcotráfico dos media. E quem diz futebol, pode dizer qualquer outra modalidade, dependendo do país de que se fala. Mas no Brasil, o desporto-rei é intocável.

 

Não há como fugir. São heróis que jogam todas as semanas a defender as cores de um clube. São o símbolo de que é possível nascer no meio da miséria e ter uma vida melhor. É o sonho americano associado ao Brasil. É a capacidade de projetar toda a ambição e descarregar a adrenalina e a frustração durante 90 minutos em bancadas cheias.

 

Hoje, à hora do jogo, o estádio bem podia apresentar uma placa com “encerrado por falta de pessoal”. Os atores desapareceram. Não foram para outros clubes, não foram vendidos ou saíram em conflito com a direção. Morreram. Perderam a vida a caminho do momento mais alto da história de um clube modesto, que vinha a subir ano após ano.

 

Não foi apenas a vida dos futebolistas que se perdeu. Foram todos os sonhos, alegrias e tristezas que infligiram nos adeptos durante tanto tempo. Num abrir e fechar de olhos, tudo se perdeu. Não foi um Pavão, não foi um Cherbakov, um Feher ou um Hugo Cunha. Foi uma equipa inteira. Um plantel que ficou devastado por um acidente que nenhum treinador consegue prever ou evitar.

 

As vidas têm todas a mesma importância. As famílias dos jornalistas e restantes membros não sofrem hoje menos do que as famílias dos jogadores. Todas perderam exatamente o mesmo: alguém próximo. Mas para o adepto comum, foi com a morte dos jogadores que morreu também uma parte deles. Morreram os momentos partilhados, a alegria das camisolas com o nome nas costas, os posters de jornais e revistas espalhados pelo quarto, os autógrafos...

 

Hoje, à hora do jogo, não haverá bola a rolar. O estádio em Chapecó dificilmente voltará a sentir a mesma alegria. Para sempre, haverá uma nuvem de tristeza a atormentar os espíritos dos que sobreviveram, dos que resistiram, dos que continuarão a ir ao estádio, sentindo que houve um capítulo encerrado abruptamente.

 

Podiam estar a caminho de ser dispensados, podiam ser até o saco de pancada semanal dos adeptos mais insatisfeitos, mas a 29 de novembro ganharam um estatuto imortal, não só na história da Chapecoense e do futebol brasileiro, como do futebol mundial.