Quando o Cruzeiro perdeu um jogo do Mundial-1950
Equipa do Rio Grande do Sul entrou para a história por… ter a sua sede próxima do Estádio dos Eucaliptos, onde Suíça e México iam fazer o último jogo do grupo 1 do Mundial. As duas equipavam de vermelho e não tinham alternativa. A solução foi recorrer às listas azuis do Cruzeiro.
Outros tempos, outros hábitos
Foi o primeiro Mundial depois da guerra e a profissionalização do futebol, como é hoje vista, não passava de um sonho distante. As prioridades eram outras e não havia as mesmas regulamentações ao nível dos equipamentos. Cada equipa defendia as suas cores e não estava preparada para eventuais impasses que pudessem surgir.
Não havia obrigação de haver equipamentos com tons diferentes. Não havia obrigação de as costas terem uma só cor para facilitar a visualização do número. Não havia nada, basicamente. Apenas a vontade de entrar em campo, jogar onze contra onze e fazer o melhor possível pelo escudo e país que se representava.
Suíça e México tiveram pouco sucesso na fase final do Brasil-1950. Integrados no grupo 1 com Brasil e Jugoslávia, partiam como outsiders e os resultados das duas primeiras jornadas comprovaram isso mesmo: duas derrotas para o México, uma derrota e um surpreendente empate (com o Brasil) para a Suíça.
A 2 de julho, quando se defrontaram no Estádio dos Eucaliptos em Porto Alegre, o destino estava traçado. O Brasil vencera a Jugoslávia na véspera e tinha garantido o apuramento para o quadrangular final. Era o típico jogo para cumprir calendário.
Dificuldade inesperada
Não foi preciso esperar pelo dia do jogo para responsáveis mexicanos e helvéticos perceberem que ia haver um problema grande: as duas equipas equipavam de vermelho. À boa maneira de resolver problemas em cima do joelho, a Confederação Brasileira de Desportos reuniu com os responsáveis das duas seleções e realizou um sorteio (moeda ao ar) para definir quem poderia jogar com o seu equipamento tradicional.
Quem perdesse, teria de arranjar uma solução, muito provavelmente numa equipa da região. Na verdade, foi quem ganhou. A moeda sorriu aos mexicanos mas, embalados pela boa disposição, decidiram oferecer essa honra aos suíços e foram à procura de um equipamento diferente.
Havia duas opções: o do Internacional, com quem tinham estado numa grande churrascada dois dias antes, ou o do Cruzeiro (o do Rio Grande do Sul e não o mais famoso, de Belo Horizonte), com quem tinham passado a tarde da véspera a ouvir o relato do Brasil-Jugoslávia.
Na altura da decisão, o fator de desequilíbrio foi a proximidade. A sede do Cruzeiro estava mais próxima e seria mais fácil ir lá buscar os equipamentos com listas azuis, a fazer lembrar o FC Porto, para entrar em campo com a Suíça.
Um jogo com pouca história
A Suíça venceu 2-1. Bader (10’) e Antenen (44’) marcaram na primeira parte e de pouco valeu o golo dos mexicanos praticamente em cima do minuto final (89’). E se o facto de o México alinhar com as cores do Cruzeiro, clube que estava a menos de duas semanas de celebrar o 37.º aniversário, poderia ter sido visto como um chamariz curioso para os adeptos, a receita do encontro provou precisamente o contrário: os 94700… cruzeiros representaram o encaixe mais baixo de todos os 22 jogos da fase final.
O momento não foi o primeiro nem o último na história das fases finais. Em 1934, a Áustria entrou em campo com a camisola do Nápoles no jogo de atribuição do terceiro e quarto lugares contra a Alemanha Nazi. Perdeu. Já em 1978 foi a vez de a seleção francesa jogar com as cores do Kimberley no triunfo sobre a Hungria por 2-1.
Para o Cruzeiro, porém, esta é uma das histórias recordadas com mais carinho. Para um clube com um palmarés modesto – campeão gaúcho em 1929 – e que apenas em 2011 conseguiu regressar ao campeonato estadual depois de uma ausência de 32 anos, «jogar» um Mundial foi especial.
É uma das principais bandeiras do clube, a par com ter sido o primeiro a criar escalões de formação e o primeiro clube brasileiro a fazer uma digressão pela Europa, em 1953, onde defrontou equipas como o Real Madrid e a Lazio.