Quando as mulheres foram banidas do futebol em Inglaterra
O que começou por ser visto como engraçado e necessário para angariar dinheiro durante a Grande Guerra tornou-se rapidamente num fenómeno incontrolável sem precedentes. A equipa Dick, Kerr era a mais famosa de Inglaterra, chegando a atrair mais de 50 mil espetadores no Boxing Day de 1920, mas não passava da ponta do icebergue.
Por toda a Inglaterra, o futebol feminino ganhava forma, fãs e domínio próprio. Em 1921, a guerra já tinha acabado há três anos, as provas de futebol masculino estavam de regresso e a dinâmica imposta pelas mulheres era sentida mais como uma ameaça do que algo complementar.
A Federação Inglesa de Futebol (FA) sentiu o novo paradigma e, pressionada por vários quadrantes, precipitou-se numa decisão que arrasou o crescimento da modalidade nas ilhas britânicas. Com o fim da guerra, entenderam que já não havia motivo lógico para que mulheres continuassem a praticar um desporto que se via como masculino. Por isso, a 5 de dezembro, a direção decidiu banir qualquer prática de futebol feminino nos estádios.
A decisão era inexplicável e a tentativa de apresentar motivos caiu no ridículo. O futebol era visto como «assaz desadequado para mulheres» e era uma prática que não devia ser encorajada. Para validar o ponto de vista, a federação reuniu depoimentos de vários médicos que garantiam que a prática de futebol constituía um risco físico sério para as mulheres.
O cerne da questão era outro. Era o dinheiro. Afinal de contas, é sempre o dinheiro. No primeiro grande jogo de futebol feminino, no Natal de 1917, o objetivo foi angariar verbas para o apoio aos militares feridos em combate. E assim continuou a ser durante muito tempo. Com o passar dos anos, a guerra deixou de estar em causa mas o caráter de beneficência dos jogos de futebol feminino nunca se perdeu.
Futebol feminino era um desafio ao poder instalado
Não nos podemos esquecer de que as equipas eram constituídas por trabalhadoras de fábricas. O espírito corporativista estava assente e, sem um destino claro para dar ao dinheiro, as equipas começaram a jogar para reunir fundos para apoiar grevistas, sobretudo mineiros. Este desafio ao poder instalado gerou controvérsia e foi um motivo forte para pressionar a Federação Inglesa a tomar uma decisão.
«Uma proporção excessiva das receitas de bilheteira está dominada por despesas e uma percentagem desadequada é dirigida para fins de caridade», disseram. O destino do dinheiro era uma dupla afronta: não só ajudava a combater o poder patronal como retirava receita à própria federação.
A decisão foi automaticamente contestada pelas equipas prejudicadas mas não havia recurso possível. A Federação Inglesa foi acusada de estar «cem anos atrasada no tempo» e de estar a tomar uma decisão «puramente por preconceito sexista».
O futuro tinha acabado de ficar mais negro mas o impedimento não era total. O futebol feminino não era um crime, só não podia estar sob a alçada da Federação Inglesa nem utilizar os campos dos seus membros. Estas condições acabavam por ser um rude golpe a nível organizacional: havia pequenos campos onde podiam jogar, com fins recreativos, mas a possibilidade de reunir dezenas de milhares de espetadores ficava restrita às digressões.
Foi isso que aconteceu. As equipas mais famosas saíram da ilha e promoveram digressões na América e na Europa continental, provando o seu valor, mas percebendo que tinham os pés atados e não havia margem para evoluir a nível doméstico. O futebol feminino nacional tinha sido morto pouco tempo depois de nascer e seriam necessárias décadas para que pudesse reaparecer.