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É Desporto

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25 de Julho, 2017

«Pode não ser mau jogador mas já nasceu muito velho»

Rui Pedro Silva

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A idade de um futebolista tornou-se uma obsessão analítica na altura de comentar um eventual reforço. Numa era em que vivemos reféns dos efeitos da geração Championship Manager e do «comprar para rentabilizar», a idade aceitável para uma contratação que exija investimento está a ser cada vez mais sufocada por gestores de encomenda. Não há como negar a evolução do futebol mas o mais importante continua - tal como deve - a ser a vitória.   

 

O peso do bilhete de identidade

 

O futebol é um jogo que opõe onze jogadores de cada lado e que no final de 90 minutos vence a equipa com mais golos marcados. Não é essencial ter os melhores jogadores para cada posição para conseguir ganhar - a sorte, a inspiração, o momento de forma são alguns dos principais fatores capazes de influenciar o resultado - mas ajuda.

 

A idade não entra nestas contas. O peso crescente da idade nos jogadores do plantel é aquilo a que se pode chamar de modernice. Consequência de uma fase em que as equipas já não são apenas equipas, construídas para ser o mais fortes possível e durante a maior período de tempo. Agora, mais importante do que contratar, é contratar jovem para potenciar a capacidade de rentabilização do talento e vender alguns anos depois, ou mesmo nos meses seguintes, por mais caro.

 

A prioridade «ganhar» está a ser substituída lentamente pela prioridade «rentabilizar». Contratar um jogador com 26 ou 27 anos consegue ser criticado exatamente por a janela de rentabilização parecer diminuta. Pouco interessa se esse mesmo jogador é capaz de fazer a diferença dentro de campo e assumir-se como pedra essencial nos objetivos da equipa.

 

Para alguns dirigentes, e muitos adeptos, a era do Championship Manager aliou-se às mudanças estruturais provocadas pela Lei Bosman e pelo atenuar das limitações de extracomunitários (consequência da União Europeia), alterando radicalmente a forma como os plantéis são construídos e o ataque ao mercado é feito.

 

Uma obsessão moderna

 

A obsessão começou por nascer de uma necessidade. É difícil contrariar a ideia de que a melhor forma de garantir sustentatibilidade a um clube passa por contratar jovens de qualidade que consigam contribuir nos dois lados da balança: desportivamente, durante o período em que atuam pela equipa, e financeiramente, quando são vendidos.

 

É mais fácil entrar na lógica de entreposto de compra e venda do que diminuir essa relação e ficar mais dependente das receitas que chegam através do sucesso desportivo, sobretudo das competições europeias. O problema deste raciocínio, como em tudo o resto, é a moderação. Da mesma forma que um clube não pode ver a aposta na formação como único ingrediente para chegar aos triunfos também não pode entrar numa lógica inflexível de contratar apenas jovens.

 

Há não muito tempo, os 27 ou 28 anos eram vistos como o período áureo da carreira de um futebolista. Em Itália, o valor até podia ser mais elevado. Hoje, qualquer contratação à dimensão portuguesa acima dos 23 anos começa a ser vista com desconfiança. Por que terá chegado o jogador tão tarde? Não seria melhor contratar um jogador idêntico mas mais jovem?

 

Os 23 são os novos 28 mas a queda não vai ficar por aqui. Estamos a caminhar perigosamente para uma era obsessiva em que os próprios jogadores já terão nascidos muito velhos. Não na era errada, como se costuma dizer, mas mesmo muito velhos. 

 

Dificuldades financeiras

 

Há atenuantes neste raciocínio. É possível contratar um Ronaldo aos 18 anos mas cinco anos depois o recrutamento do mesmo jogador já só está ao alcance da elite. Mesmo os tubarões do futebol europeu começam a pescar os principais talentos cada vez mais jovens. Só assim conseguem estabelecer verdadeiramente a diferença entre pares.

 

Em Portugal, não há desafogo financeiro para entrar na mesma luta. A ponte aérea com Brasil e Argentina tem dado historicamente resultado e parece estar para continuar. Mas, ao contrário de Real Madrid, Barcelona, Manchester City e companhia, Benfica, FC Porto e Sporting não precisam de ter os melhores jogadores do mundo para serem campeões.

 

Precisam, isso sim, de bons jogadores. Jogadores capazes de desequilibrar nos momentos-chave, jogadores com o talento, a experiência ou os dois juntos que façam a diferença. E, para isso, pouco importa se têm 18 ou 36 anos. Os exemplos estão à vista: por cada Renato Sanches, haverá sempre um Jonas a mostrar-se igualmente essencial.

 

A obsessão com a rentabilização não pode toldar a mente de quem emite opiniões e, sobretudo, de quem toma decisões. Nomes como André Cruz, Jardel, Júlio César, Jonas, entre outros, mostraram no passado que a idade pouco importa para assumir um papel preponderante nos objetivos da equipa.

 

Os 26, 27, 28 anos entram num meio-termo. A mais-valia desportiva que geram não só se pode prolongar durante mais anos a um nível alto como, a alastrar a tendência de contratar jovem, poderá garantir que o interesse de outras equipas seja menor.

 

Para ganhar um campeonato, a idade é irrelevante. E, apesar de haver raras exceções, como a do ASEC Mimosas, são muito mais as equipas que vencem com experiência do que com juventude.

RPS