Pita Taufatofua. Do taekwondo no Rio ao cross country em PyeongChang
Nunca tinha esquiado quando decidiu ir aos Jogos Olímpicos de Inverno há pouco mais de um ano, mas isso não o impediu de se lançar numa aventura rumo à Coreia do Sul. O tonganês será o primeiro atleta na história a conjugar as duas modalidades olímpicas.
O tronco nu que correu mundo
A imagem de Taufatofua a entrar em tronco nu na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 tornou-se viral, mas a história que estava por trás era ainda mais impressionante.
O tonganês que vivia na Austrália trabalhava com crianças sem-abrigo em Brisbane e já evitara vários suicídios. Para chegar aos Jogos Olímpicos no Brasil, partiu seis ossos, fez três roturas de ligamentos, andou três meses de cadeira de rodas, um ano e meio de canadianas e passou centenas de horas em fisioterapia. «Valeu a pena», garantiu na altura.
«A verdade nem sempre é glamorosa, nem sempre é brilhante. A verdade é que tive mais lesões do que consigo contar, que perdi mais combates do que ganhei, que passei por graves problemas financeiros e que perdi grandes amizades ao perseguir este sonho.»
«Se há coisa de que me posso orgulhar é de nunca ter desistido, nunca ter parado. O desafio é o meu campo de batalha. O que me orgulha não é a minha habilidade, há muitos melhores do que eu, o que me orgulha é a minha persistência», disse, numa altura em que ainda nem sequer fazia ideia o que o futuro lhe reservava.
Quatro meses depois, os Jogos Olímpicos de Inverno surgiram-lhe na mente e nunca mais desapareceram. «Vou levar o meu sonho olímpico ainda mais longe. O meu objetivo é fazer com que as pessoas vejam que se eu consigo, elas também podem conseguir. Quero lutar por uma medalha olímpica em 2018», anunciou a 5 de dezembro de 2016.
Lema de vida
Há uma diferença abismal entre chegar à prova de karaté nos Jogos Olímpicos no Verão e ao cross country nos de Inverno. Pita era mesmo karateca. Praticava a modalidade há vinte anos e estava no seu habitat natural, apesar de forçado a competir no taekwondo [karaté só se estreou em Tóquio]. Mas, já na altura, demonstrava que o seu lema de vida apregoava que o hábito pouco importante: «Não te sentes a um canto, não deixes que o mundo dite o que podes ou não fazer».
Pita Taufatofua escolheu uma modalidade de Inverno como uma pessoa faminta escolhe o que quer jantar a olhar para o menu de um restaurante. Depois de olhar para uma lista, decidiu-se pelo cross country. Nunca tinha esquiado na vida, não estava habituado ao frio e não tinha dinheiro nem para comprar um par de esquis, mas sentia-se alimentado pelo desafio.
Em janeiro de 2017 voou até à Alemanha para conhecer o treinador que o ia ensinar a esquiar. Foi também aí que teve um contacto mais intenso na neve. «Esta é uma história louca até para mim. Só penso “O que estou a fazer aqui? Tenho o rabo gelado!”», disse já este ano, na Áustria, em declarações ao The Wall Street Journal.
Pita aprendeu o básico mas não podia estar na Europa para sempre. E foi a voltar para a Austrália que percebeu que tinha de explorar uma alternativa à neve. Foi aqui que a mudança nos critérios de qualificação para os Jogos Olímpicos entrou: para facilitar o apuramento de atletas de países mais quentes e sem neve, a Federação Internacional de Esqui decidiu que as corridas de patins em linha poderiam ser contabilizadas para o apuramento.
Apuramento repleto de peripécias
O caminho era simples de perceber: até 21 de janeiro, Pita Taufatofua tinha de conseguir terminar cinco provas com uma classificação inferior a 300 pontos. Na primeira prova que fez, em Perisher Value na Austrália, a 22 de julho de 2017, por exemplo, terminou com 799 pontos.
Com o passar do tempo, o tonganês foi treinando cada vez mais e começou a assimilar da melhor forma o que era necessário para participar de forma competitiva nas provas de patins em linha. E foi assim que entre 30 de novembro e 2 de dezembro conseguiu quatro resultados consecutivos com menos de 300 pontos. Ali, num abri e fechar de olhos, Pita estava a apenas uma prova de cumprir o sonho.
O calendário estava contra ele. O circuito de competição de patins em linha chegou ao fim e agora era mesmo preciso ir para a neve para completar o processo de apuramento. Fez seis provas na Turquia e… nada. Fez uma na Polónia e foi uma desgraça. Tentou até na Arménia, apenas para terminar com 584 pontos. Chegou a inscrever-se para uma excelente oportunidade na Croácia mas foi barrado na porta de embarque na Turquia durante a viagem por chegar uns minutos atrasado.
À boa maneira de Hollywood, restava apenas uma oportunidade. A janela de apuramento fechava a 21 de janeiro e Pita Taufatofua estava de olho numa prova em Isafjordur, na Islândia, marcada para dia 20. Tinha boas perspetivas mas chegar lá foi um pesadelo, tendo sido obrigado a ultrapassar um forte nevão que o deixou com uma visibilidade praticamente nula enquanto conduzia.
A verdade é que, já diz o ditado, depois da tempestade chegou a bonança. O tonganês terminou na sexta posição e somou 282 pontos, cumprindo a quinta prova que lhe faltava para garantir a qualificação.
PyeongChang-2018 é agora uma realidade. Pita Taufatofua está falido, a página que criou para angariar donativos não foi suficiente e chegar à Coreia do Sul poderá ser difícil. Mas, aconteça o que acontecer, não será agora que vai desistir. Além do mais, à boa maneira de Pita, já tem uma surpresa reservada para a cerimónia de abertura.
O lugar na história será dele. Já houve 99 atletas que conseguiram acumular participações olímpicas de Verão e Inverno mas nenhum o fez com esta combinação karaté-cross country. Se atletismo e bobsleigh (34) e ciclismo e patinagem de velocidade (18) até são muito comuns, o que Pita Taufatofua acabou de conseguir é único. Tudo para conseguir inspirar os outros.
RPS