Paulinho e a arte da sedução da baliza
Não sou especialista em comédias românticas e os três anos que passei no ensino secundário não foram suficientes para fazer de mim um grande analista de emoções adolescentes, até porque naquelas idades estamos demasiado ocupados a tentar perceber-nos a nós próprios para conseguirmos trazer clareza ao ambiente que nos rodeia.
Confesso, contudo, que gosto do tipo de filme. Podem ser básicos mas trazem um ar descomplicado à rotina do dia-a-dia e chego a preferir rever um destes do que ver pela primeira vez uma película rotulada de grande sucesso pela generalidade dos órgãos de comunicação social e pela particularidade dos influencers hipsters. E, sim, passei três anos no ensino secundário, entre 2000 e 2003, numa altura em que as mensagens escritas eram um bem precioso, os e-mails começavam a aparecer e as redes sociais, como as conhecemos hoje, não eram mais do que uma nuvem num horizonte longínquo.
É esta experiência acumulada que me faz olhar para a nova vida de Paulinho no Sporting com especial atenção. Se há coisas que aprendemos rapidamente nos filmes e na vida é que as obsessões e os grandes interesses nem sempre são vistos da melhor forma, mesmo os mais saudáveis. Nas comédias românticas, como na adolescência, manifestar interesse torna-nos desinteressante ao mesmo nível que mostrar desinteresse aguça a curiosidade.
Quando Paulinho chegou ao Sporting, num capricho de Ruben Amorim que obrigou a um esforço muito relevante, o seu interesse de relação com as balizas era declarado. Paulinho vinha para marcar golos. Vinha para resolver. Era nele que os adeptos depositavam as esperanças de ganhar jogos e alcançar um título que, já nessa altura, se afigurava como provável. Paulinho vinha ser o nome e a figura que o treinador não via em Sporar e Tiago Tomás.
Talvez Paulinho não vivesse obcecado pelos golos, mas as defesas, os guarda-redes e as balizas sabiam dessa pressão. Sabiam desse rótulo. Sabiam da esperança redobrada dos adeptos que, progressivamente, começaram a ver em Paulinho mais um bode expiatório do que um amor para a vida.
O avançado pode até ter marcado o golo do título contra o Boavista, pode até ter-se tornado uma peça fundamental no modelo de Ruben Amorim e trabalhado sempre com afinco e sem birras, mas os golos, como eram esperados e talvez se exijam a avançados de um grande com um custo tão elevado, nunca foram muitos, sobretudo no campeonato.
Paulinho foi vendo Pedro Gonçalves, Sarabia, Trincão, Edwards e até Coates assumirem esse protagonismo enquanto o goleador de rótulo não era mais do que um corpo de marca branca no que dizia respeito às balizas.
A contratação de Gyökeres, o miúdo de intercâmbio que se torna popular instantaneamente, tirou os olhos de Paulinho. O português afastou-se das balizas, pisou outros terrenos, começou a olhar para outra relva e, subitamente, as balizas sofreram com esse aparente desinteresse. O peso estava agora nas prateleiras de um armário sueco demasiado robusto para ser do Ikea enquanto o corpo leve de Paulinho tornou-se subitamente irresistível.
Paulinho continuou a ser o mesmo mas, de algum modo, assumiu um desinteresse pelo golo, retirou pressão e… começou a mostrar os dentes. As balizas não caíram, derreteram-se com o sorriso que nunca tinham visto daquele ângulo.
O fenómeno Paulinho não é novo. É até uma espécie de decalque invertido do enredo da rapariga que é um rato de biblioteca numa noite e, no dia seguinte, se torna a aluna mais cobiçada do baile. Engalanar-se como avançado principal fez mal a Paulinho da mesma forma que afastar-se dos holofotes lhe dá agora outro brilho, mais especial, mais atraente.
Paulinho fingiu. Como um poeta. Virou as costas à dor apenas para regressar, por outros caminhos, de outros terrenos, mais forte e mais concretizador. Os versos que os adeptos lhe cantam deixaram de ser vistos por muitos, sobretudo adversários, de forma jocosa. Podem não cair mas começam a tremer.
Paulinho não é o primeiro a passar por esta evolução e a demonstrar que o contexto é quase tão importante como a qualidade do jogador. Um herói do passado, Acosta, chegou a meio de uma temporada e rapidamente foi apelidado de velho, barrete, ultrapassado e vítima da ciática. Entretanto, no verão, quando já ninguém dava nada por ele, mereceu a titularidade de Materazzi nos Açores e foi eleito o melhor jogador em campo do Sporting contra o Santa Clara.
Os comentadores viram aquela eleição como uma piada. Naturalmente, até. Mas os meses que se passaram mostraram um novo argentino. Às vezes pode ser pela adaptação. Outras pela pressão. Outras pelo modelo, ou dupla ou momento na vida. Como Paulinho e Acosta há muitos outros.
As balizas não se deixam enganar por qualquer um. Há predestinados que só precisam de um sorriso e de um piscar de olho para fazerem as redes corar e balançar com mais um golo. Com outros fazem-se de difíceis e não estão dispostas a qualquer manha. Com Paulinho, porém, parecem ter caído na manha mais antiga da sedução. Já não gosto de ti. Já não quero saber de ti. Sou o dono do meu destino. E, num instante, tudo muda.