O que vem trazer o vídeo-árbitro?
Decisão da Federação Portuguesa de Futebol deu o mote para que clubes portugueses apregoassem uma inovação agora consensual. Mas o que vai mudar exatamente no futebol nacional como o conhecemos?
Resistências à mudança
Não está em causa o Benfica, o FC Porto ou o Sporting nem mesmo o impacto real do vídeo-árbitro. Conta a tendência que equipas que estão há mais tempo sem ganhar estão sempre mais inclinadas para mudanças de fundo do que aquelas que gozam um período de triunfos.
As posições que se vão lendo podem ir ao encontro deste binómio mas o verdadeiro impacto do vídeo-árbitro e os argumentos a favor e contra não podem ser analisados unicamente por este prisma. Interessa mais perceber o que vem trazer exatamente a tecnologia e, ainda mais, o que não tem capacidade de trazer.
Durante os últimos meses, com maior incidência nos últimos dias, o Twitter tem sido uma nascente de argumentos, uns mais válidos do que outros, sobre o que será o vídeo-árbitro. A raiz mais importante, contudo, será sempre fazer uma real gestão de expetativas.
O vídeo-árbitro não vem diminuir a discussão no futebol. Os programas à segunda-feira – que só têm sucesso porque todos, de uma forma ou de outra, continuam a comentá-los – continuarão a ser debates acesos de infantilidades e guias de argumentos pensados ao pormenor para influenciar o saloio. A vontade de incendiar a polémica, de questionar o que esteve na origem das decisões da equipa de arbitragem e as teias conspirativas continuarão a estar presentes. Faz parte da chamada cultura e não se mudará num segundo.
Por outro lado, o vídeo-árbitro também não vem trazer mal ao futebol. Sim, é claro que o período de adaptação será duro, que teremos paragens às quais não estávamos habituados, que o jogo terá ritmos diferentes e que os próprios intervenientes terão de passar por uma fase inicial em que tudo parece estranho e mais demorado.
Mas, mesmo assim, é impossível pensar que não trará vantagens. O vídeo-árbitro não precisa de resolver tudo. O vídeo-árbitro não vem travar a discussão da intensidade, o vídeo-árbitro não vem trazer unanimidade se um lance no limite está fora-de-jogo ou não, se um contacto na área foi penálti ou não.
É importante perceber isto: o vídeo-árbitro não é uma ferramenta para erradicar os erros num jogo de futebol mas sim para diminuí-los, especialmente aqueles que nem os mais mal intencionados conseguem defender num programa de segunda à noite.
Vem garantir que a simulação no mais recente dérbi de Roma seja vista como tal e não dê lugar a penálti. Vem garantir que golos claramente com a mão sejam anulados. Vem garantir que guarda-redes que defendam a bola dentro da baliza não consigam sair impunes. Naturalmente, haverá um período de maior discussão sobre por que é que alguns lances não podem ser revistos, mas se um jogo tem dez erros sem vídeo-árbitro, não passará a ter mais com ele. A tendência será sempre para uma diminuição, sobretudo de erros com maior influência no jogo.
O vídeo-árbitro vai estranhar-se mas tem tudo para, mais tarde ou mais cedo, entranhar-se. E sim, as decisões do vídeo-árbitro também terão direito a discussão adicional. O certo é que estas decisões, polémicas ou não, estarão sempre no campo da interpretação e não da factualidade. Estaremos na fase do «não seria a minha decisão mas aceito». Ou pelo menos deveremos estar.
Tudo o resto que gravita em torno da discussão sobre o vídeo-árbitro é acessório. Prever que clubes e adeptos no futuro se virem também contra o vídeo-árbitro ou que hegemonias existentes possam sofrer consequências são apenas sinais de que muita da discussão no nosso futebol é uma merda. E essa não vale mais do que um parágrafo.
O futebol inova-se e perde romantismo. Sim, momentos icónicos como a mão de Deus perderão espaço mas dificilmente se consegue defender que a modalidade ganhou com esse dia. Os grandes erros de arbitragem são eternos mas devem sempre ser preteridos quando postos na mesma balança com grandes golos ou, simplesmente, a decisão certa. Deve ser este o farol.
RPS