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É Desporto

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05 de Fevereiro, 2018

O melhor do desporto é isto. A marca que deixa nas pessoas

Rui Pedro Silva

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Os Philadelphia Eagles venceram a sua primeira Super Bowl da história e ofereceram uma experiência de emoções fortes a milhões de adeptos. São momentos assim que constroem e embelezam a ligação a uma equipa. São estes que devem ser valorizados. 

 

Não há título como o primeiro

 

Jayson Stark é um jornalista norte-americano especializado em basebol e grande adepto dos Philadelphia Eagles. Esta madrugada, pouco depois de a equipa ter derrubado os New England Patriots na Super Bowl, Jayson veio para o Twitter explicar na perfeição, em poucas palavras, o impacto que um momento como este tem.

 

«De vez em quando no desporto, há algo que acontece que deixa uma marca nas pessoas e que vai ficar com elas para o resto das suas vidas. Ao ver a cara dos meus filhos esta noite, acho que um desses jogos acabou de acontecer para milhões de habitantes de Filadélfia. O desporto é fantástico», escreveu.

 

O momento foi especial e será único, mesmo que os Eagles partam agora para uma dinastia a fazer lembrar os Patriots. Ninguém consegue esquecer o primeiro título, muito menos quando já se tem idade para ter passado por inúmeras desilusões e jogos capazes de despedaçar qualquer coração.

 

Os norte-americanos são feitos para isso. Como na Europa, sobretudo em Portugal, têm adeptos de ocasião que gostam de cavalgar a onda que vai na frente, mas são muito mais fiéis à tradição, à história, à ligação que têm desde pequenos à cidade que os viu nascer e ao cube que herdaram dos pais.

 

Foi o que aconteceu em 2016 quando os Chicago Cubs venceram a World Series pela primeira vez em 108 anos. Foi um triunfo dos vivos e uma homenagem a duas ou três gerações de mortos, que não conseguiram ter a sorte de viver tempo suficiente para assistir ao momento histórico.

 

Mas nem por isso desistiram. Nem por isso olharam para cima do ombro e decidiram que estava na hora de dizer basta e seguir por outro caminho, mais vitorioso. A verdade é essa: ninguém deve condenar quem quer que seja pelos motivos na origem da escolha de uma equipa, mas escolher o que ganha, apenas porque ganha mais vezes e durante mais tempo, é um pouco fraco.

 

Da mesma forma que quem é adepto de uma equipa que pouco ou nada ganha não deve ser constantemente gozado por isso. Ser adepto de uma equipa não é ser adepto da vitória. A razão no desporto não passa de uma miragem e a emoção ninguém explica. Pode ser uma cor, um jogador, a proximidade geográfica, uma herança familiar. Pode ser um rol completo de razões que dificilmente se deixam afetar pelo argumento “mas olha que esta equipa ganha mais vezes, devias mudar”. 

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E aqui o saber perder torna-se quase tão importante como o saber ganhar. Os New England Patriots estavam na décima Super Bowl, à conquista do sexto título. São vistos como o clube dinástico do século XXI, dominador desde que Tom Brady e Bill Belichick se juntaram como quarterback e treinador. Ganhar tornou-se um hábito tão forte que o estranho é quando se perde. Por isso é que quando se perde é necessário olhar para o panorama geral e entender que uma vitória dos Eagles tem um impacto social e emocional muito mais forte do que um eventual sexto título dos Patriots teria.

 

Quando era pequeno, perdi a conta ao número de vezes que o meu pai, um fiel adepto do Atlético, me chamou à razão sempre que acabava um jogo frustrado por o meu clube ter perdido ou extasiado depois de uma goleada robusta. «Sabes, Rui, tens de te lembrar que também há meninos dos outros clubes. E que não podem ser sempre os mesmos a ficar contentes», dizia-me, cultivando-me uma filosofia de saber olhar cada vez mais para o desporto pelos motivos bons e não como uma constante arma de arremesso de discussão irracional ou ferramenta de autossatisfação.

 

São momentos como este que marcam a história do desporto. A Dinamarca campeã europeia em 1992, o Boavista campeão em 2001, a Taça de Portugal do Beira-Mar em 1999, uma qualquer inédita festa de subida ao escalão principal ou apuramento para competição europeia, o fim dos jejuns de Red Sox e Cubs ou o primeiro triunfo dos Cavaliers na NBA. O título dos Eagles é o último a entrar nesta vitrina de momentos especiais.

 

E ainda bem. A sensação do primeiro festejo é tão boa, tão melhor do que as que vêm a seguir, que todos deviam ter a sorte de poder passar por isso. Ou, voltando a roubar as palavras de Jayson Stark, desta vez ainda antes da final: «Os Eagles já fizeram 837 jogos desde a invenção da Super Bowl e venceram… zero finais. O que é que esta Super Bowl significa para os cidadãos de Filadélfia? Perguntem aos adeptos dos Cubs, dos Indians ou dos Browns. Por uma vez na vida, gostariam que um dos seus sonhos se concretizassem».

RPS