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É Desporto

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11 de Setembro, 2018

O jogo de basebol que ajudou a reconstruir Nova Iorque

Rui Pedro Silva

Mets e Braves homenagearam as vítimas

Sexta-feira, 21 de setembro de 2001. Pela primeira vez em dez dias, Nova Iorque ia ter um evento aberto ao público. E não era um evento qualquer, era um jogo de basebol. Os New York Mets jogavam contra os Atlanta Braves com mais de 40 mil pessoas a assistir e, sem saber, Mike Piazza ia entrar na história e memória de milhões de pessoas. No final, percebeu-se que tinha sido mais do que um jogo: fora uma prova de vida e um exercício de resistência.

 

Nova Iorque estava de luto. Os Estados Unidos estavam de luto. As imagens dos ataques às Torres Gémeas continuavam frescas na memória e o futuro permanecia uma incógnita. Sabia-se que o mundo nunca mais seria o mesmo mas era difícil antecipar como viria a ser. Em Nova Iorque, o cheiro da destruição continuava a sobrepor-se ao ruído da azáfama tradicional.

 

A cidade não dormia, como o slogan tão orgulhosamente diz, mas os motivos eram outros. Bastante piores. Deixou de haver desporto, deixou de haver concertos, deixou de haver peças na Broadway. O regresso ao (estranho) conceito de normalidade foi progressivo e só dez dias depois, a 21 de setembro, voltou a haver um evento aberto ao público.

 

Era um jogo de basebol e os New York Mets iam defrontar os maiores rivais de divisão: os Atlanta Braves. A própria MLB tinha parado numa primeira fase – até 17 de setembro – e agora regressava finalmente a Nova Iorque. Na série anterior, os Mets deveriam ter recebido os Pirates mas o conjunto de três jogos foi transferido para Pittsburgh.

 

A incerteza era o sentimento dominante. Seria correto voltar a jogar tão cedo em Nova Iorque? Poderia haver novo ataque? Como reagiriam os espetadores? John Franco era um dos lançadores de apoio dos New York Mets, era natural da cidade e sentia este conflito interno: «Só a viagem para o estádio já me fez pensar se estaríamos a fazer a coisa certa. Assim que entrei no parque de estacionamento, tive a brigada de minas e armadilhas com cães a farejarem o meu carro...».

 

Sinal de união e resistência

Bobby Valentine era o treinador dos Mets

A rivalidade entre Mets e Braves não é muito diferente, para os parâmetros norte-americanos, de uma que opõe Benfica a FC Porto. Mas naquele dia, 21 de setembro, o panorama era diferente e as equipas souberam representar esse papel.

 

Os dois treinadores, Bobby Valentine e Bobby Cox, não eram flor que se cheirasse e tinham uma relação atribulada, mas falaram antes do jogo para garantir que as equipas em campo iam conseguir passar uma imagem de união: de quem é adversário em campo mas sabe perfeitamente que o inimigo está bem identificado e não surge associado ao desporto.

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Nada podia faltar. A ótica seria sempre fundamental. A cerimónia antes do jogo envolveu elementos das forças de segurança e dos bombeiros que atuaram após os ataques, familiares das vítimas, o mayor de Nova Iorque, Liza Minelli e Diana Ross. Os jogadores dos Mets não esconderam a emoção – Mike Piazza foi um dos que chorou – e surgiram em campo com os chapéus das várias forças que tinham estado em ação no ground zero.

 

Os elementos das duas equipas cumprimentaram-se, um a um, no centro do diamante de jogo, e a equipa técnica e os jogadores dos New York Mets anunciaram que iam doar o salário do dia do jogo (cerca de 450 mil dólares no total) às vítimas e familiares do ataque.

 

O Shea Stadium, que no início da semana ainda servia como ponto de triagem após o ataque, estava agora preparado para um jogo de basebol com mais de 40 mil pessoas nas bancadas. As bandeiras dos Estados Unidos quase cobriam por completo alguns setores e, apesar de a dor não se poder esquecer, sentia-se orgulho pela prova de resiliência da cidade.

 

O home run memorável

 

Nova Iorque precisava de um momento impactante que a ajudasse a reconstruir. A crónica do jogo da Associated Press do dia seguinte talvez explique mais eficazmente o que iria acabar por acontecer: «Esqueçam o medo, a dor, o sofrimento, a morte, a destruição. Por um momento, talvez uma fração de segundo, talvez um minuto inteiro de pura e irracional alegria».

 

Este momento chegou mesmo, na segunda metade do oitavo inning. Os Mets estavam a perder (1-2) mas Mike Piazza, o símbolo perfeito do sonho americano com uma história de superação contra todas as previsões, foi chamado a bater já com um colega de equipa nas bases.

 

Resultado: home run que catapultou os Mets para a vantagem no marcador (3-2). John Franco explica o que aconteceu: «Antes do home run, tudo estava quieto e sombrio. Era apenas o barulho normal da multidão. Mas assim que o Piazza fez o home run, o estádio entrou em erupção. Ainda tenho pele de galinha quando penso nisso. Quando olhei para as bancadas, os fãs estavam a abraçar-se e a chorar enquanto cantavam “U-S-A! U-S-A!”». 

Mike Piazza sentiu o impacto daquele momento, decisivo no triunfo. «Estou tão feliz por ter dado às pessoas um motivo para celebrar. Houve muita emoção, foi uma descarga de energia surreal. Estou orgulhoso por ter feito parte disto esta noite. Esta gente é fantástica. Nova Iorque tem sido fortíssima no meio disto tudo [...] Mas também me sinto muito triste. Hoje conheci duas crianças que perderam os pais», disse.

 

As feridas continuavam abertas e quiçá impossíveis de sarar mas ali, naquela noite, naquele momento, Mike Piazza demonstrou a Nova Iorque que era possível voltar a sorrir, que era possível voltar a sentir alegria. Primeiro por uma fração de segundo, depois por um minuto inteiro. E assim progressivamente.