O Europeu feminino e a representatividade
Não jogo futebol há tanto tempo que preciso de pensar um pouco para me lembrar de quando foi a última vez. Por mais que pense, nem sequer consigo ter a certeza, mas acho que consigo dizer com bastante segurança que foi há mais de quatro anos.
Quando me perguntam sobre isto, ficam ainda mais chocados quando lhes respondo que nem sequer tenho tido vontade de jogar, que não tenho sentido falta. No fundo, tenho medo. Se até depois de corridas tranquilas ou caminhadas mais longas, fico com os tendões de Aquiles inflamados que me fazem temer o momento de colocar o pé no chão pela primeira vez de manhã, o que não poderia acontecer com sprints intervalados com mudanças de direção, toques na bola e tanto mais?
Ontem foi a última vez que respondi com «não sinto a falta» quando me perguntaram sobre isso. Ao final do dia já tinha mudado de opinião. Na verdade, quero jogar. Quero tentar. Mesmo que tenha de me controlar ainda mais do que nos últimos anos, sinto que vai compensar mesmo que depois passe três, cinco, sete dias a esperar que a inflamação reduza.
O que provocou esta mudança? Foi por ter visto amigos, com quem me cruzei durante toda a adolescência, com quem e contra os quais joguei durante anos, com disputas no onze titular pelo meio, a jogar. Ali, naquele momento, quis voltar atrás, regressar àquele mundo de quatro treinos por semana mais um jogo ao sábado ou ao domingo. As mazelas estão presentes em todos: há quem se queixe das costas, quem tenha de sair por causa dos joelhos, quem nem tente fazer um sprint com medo da consequência. Mas resistem.
De certa maneira, vi-me representado. E aquilo que sentimos quando vemos um jogo continua a ser o mais importante. Não há nada mais mágico do que os olhos de uma criança quando começa a ver futebol. O cérebro é invadido de desejos: cada gesto técnico, cada execução é absorvida e, se for preciso, passa horas a tentar imitar no quintal, na rua, no recreio. O passe, o remate, a trivela, o cabeceamento, a receção, a desmarcação, tudo conta.
Com o passar dos anos, o inalcançável muda de dimensão. A criança dá lugar ao adolescente, o adolescente é superado pelo adulto e, rapidamente, o «um dia serei capaz de fazer isto» é substituído por um «agora já nem isto consigo fazer».
Ver gente da minha idade, com quem cresci, com quem joguei, com quem tenho lidado anualmente, a jogar, fez-me pensar que não há razão para deixar de ter sido possível. Ver que é possível é completamente diferente de nos dizerem que é possível. Acontece em todo o lado.
Com raparigas, a história sempre foi diferente. Eram crianças como nós, mas a mentalidade era outra. Não só não conseguiam ver que era possível (tirando o Mundial-1999 nos Estados Unidos, nunca houve grande espaço para o futebol feminino na televisão), como ainda lhes diziam que não era.
Os últimos anos, com o aparecimento do Sporting e do Sp. Braga primeiro e do Benfica depois, ajudaram a catapultar o movimento feminino no futebol de um modo que não parece ter volta a dar. As grandes provas internacionais começaram a ter transmissão televisiva e a presença de Portugal, ainda mais este ano do que em 2017, dá o mediatismo necessário para chegar às jogadoras do amanhã espalhadas pelos cantos mais remotos do país.
Um empate e duas derrotas não chegam para camuflar a maior importância desta fase final. O raciocínio é o mesmo: tivemos crianças a absorver cada passe, cada remate, cada trivela, cada cabeceamento, cada receção, cada desmarcação. E se é verdade que jogadores como Messi, Ronaldo ou Mbappé podem servir de inspiração, não há nada como ver mulheres, portuguesas, muitas delas bastante jovens, que passaram pelas mesmas dificuldades e que agora estão a viver um sonho que parecia inalcançável há tão pouco tempo.
A ideia-base aplica-se a cada canto da sociedade: a representatividade é fundamental. Sem ela, a evolução fica muito mais difícil. Esta geração pode não ser verdadeiramente pioneira no futebol em Portugal mas está a construir um legado impossível de apagar. Lemas de grandes marcas como «Impossible is Nothing» and «Just do It» deixaram de ser apenas «31 de boca». Continua a ser difícil mas tornou-se possível, tornou-se real. O futuro será brilhante.