O dia em que Boban pontapeou um polícia
Dizem que começou uma guerra. Naquele final de tarde de 13 de maio de 1990, o clássico entre o Dínamo Zagreb e o Estrela Vermelha ficou marcado pela violência num jogo que não chegou sequer a aquecer mas provocou a detenção de mais de 100 pessoas e com a contabilidade oficial de feridos a fixar-se nos 117 polícias, 39 adeptos da equipa de Belgrado e 37 da equipa de Zagreb. No meio, o então jovem Zvonimir Boban envolveu-se diretamente e pontapeou um polícia que estava a atacar um adepto croata.
A guerra só começou a 31 de março de 1991 mas não é preciso fazer um esforço muito grande para recuar até maio do ano anterior e encontrar dois sinais claros do que estava para acontecer. Primeiro, a 6 de maio, os croatas não deixaram dúvidas nas primeiras eleições com mais do que um partido e manifestaram uma tendência esmagadora pró-independentista. Depois, claro, o jogo.
Era a penúltima jornada do campeonato e, sem surpresa, os dois clubes estavam no topo da classificação. Do lado do Dínamo havia Zvonimir Boban e Davor Suker, do lado do Estrela Vermelha, a um ano do inédito título europeu, jogavam Robert Prosinecki, Dragan Stojkovic, Dejan Savicevic e Darko Pancev.
Mas ali, naquele dia, as atenções centraram-se sobre outros protagonistas. Os confrontos começaram um pouco por toda a cidade, com cerca de 3000 adeptos do Estrela Vermelha a fazer a viagem até à hoje capital da Croácia, mas só no estádio Maksimir é que escalou até um ponto sem retorno.
As versões são contraditórias. As provocações foram várias e, dependendo de quem se ouve, aprende-se que os apedrejamentos e agressões tiveram início do “outro lado”. O certo é que não demorou muito até os ultras do Estrela Vermelha (Delije) começarem a incendiar cartazes publicitários e a agredir adeptos croatas ou até os ultras do Dínamo Zagreb (Bad Blue Boys) romperem a vedação para se juntarem aos confrontos.
Quando isso aconteceu, a polícia interveio e atacou os adeptos croatas. Bruno Sirok era quem estava no relvado a ser agredido quando Boban aplicou o pontapé mais famoso da sua carreira. E nem precisou de ser numa bola.
«Enquanto aquecíamos os adeptos começaram a destruir o estádio e a polícia não fez nada. Por isso, os nossos adeptos decidiram romper a vedação para tentar parar a violência», explicou Boban num documentário. «A polícia virou-se contra os nossos adeptos. Perguntei-lhes, gritando, porque estavam a agir assim apenas com os nossos e não com os do Estrela Vermelha. Atacaram-me duas vezes com o bastão e reagi na mesma moeda», continuou.
Bruno Sirok ajudou a perceber por que é que Boban virou herói e símbolo do nacionalismo croata: «Os adeptos e os jogadores tinham uma ligação muito forte, por isso quando fomos apanhados pela polícia, ele viu e tentou ajudar. A polícia atacou-o também e Boban reagiu de uma maneira com a qual nos identificámos».
Boban recusa ter tido qualquer papel especial neste dia. «Não fui eu sozinho. Há muita gente que associa este momento histórico da Croácia comigo mas isso não é correto. Eu fui um de três mil, cinco mil jovens que fizeram o mesmo. Mas eu era o número 10, a estrela, o capitão do Dínamo Zagreb. Eu não fiz nada mais do que os outros. Foi uma revolta popular depois de termos vivido num regime muito pesado, um inferno. Isto sim. Era uma vontade de liberdade», contou em entrevista ao GloboEsporte.
O croata assumiu-se como uma figura pública para arriscar a vida e a carreira em favor da causa croata. Como resultado, a federação jugoslava de futebol suspendeu-o por seis meses e fez com que falhasse a oportunidade de jogar o Mundial-1990.
O historiador Neven Andjelic considera que este encontro foi o mais importante na história da Jugoslávia. «Teve implicações políticas e foi um sinal claro da violência e da guerra que estava para vir e da guerra. Foi o que este jogo mostrou à população».
Hoje, mais de 28 anos depois, resiste um monumento em homenagem aos soldados que combaterem na guerra. «Para os fãs do clube que começaram uma guerra com a Sérvia neste sítio a 13 de maio de 1990», pode ler-se.