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É Desporto

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15 de Maio, 2018

O bisneto de D. Maria II que levou a Roménia ao Mundial

Rui Pedro Silva

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Foi coroado em junho de 1930 e fez tudo o que podia para que a Roménia fosse uma das estreantes na fase final do Uruguai. Garantiu emprego aos jogadores que estariam três meses ausentes, assumiu um papel ativo na convocatória e treinou com a equipa durante a viagem de barco. 

 

Um capricho premonitório

 

Carlos era um cocktail à espera de explodir. Bisneto de Maria II, rainha de Portugal, e neto da Infanta Antónia (casada com Leopoldo de Hohenzollern, irmão do primeiro rei da Roménia), ficou famoso pela sua faceta de bon-vivant, pouco dado ao rigor e disciplina das famílias monárquicas e facilmente levado pelas paixões.

 

Foi por viver intensamente um amor fora do casamento que abdicou do privilégio de sucessão e abandonou a Roménia durante a década de 20, abrindo caminho a que o filho Miguel se tornasse rei do país com apenas cinco anos. Em 1930, porém, foi convencido a voltar e, na sequência de um golpe de estado, foi coroado rei a 8 de junho de 1930.

 

A Roménia vivia um momento delicado. As ideologias extremistas estavam a ganhar espaço na Europa Central e havia muito espaço para melhorar a situação do país. Mas a prioridade de Carlos II foi outra: garantir a presença da seleção no Mundial-1930.

 

Não era simples e foi uma tarefa em contrarrelógio. Afinal, o jogo de abertura estava agendado para 13 de julho… no Uruguai. Não havia aviões e a viagem de barco demoraria sempre mais do que duas semanas. Por outro lado, a renitência de outras seleções europeias, cujos jogadores seriam obrigados a falhar os compromissos dos clubes durante três meses, abriu caminho para a participação romena.

 

Mediador de interesses

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A Roménia estava a dar apenas os primeiros passos no futebol. A seleção tinha feito o jogo de estreia em 1922 e não havia o conceito de jogadores experientes. A sua participação no Uruguai não seria necessariamente um cartão de visita para Jules Rimet e para a FIFA mas o interesse de Carlos II era genuíno e não haveria obstáculo que o travasse.

 

Foi preciso ultrapassar vários passos até garantir uma vaga. Arranjar uma equipa tornou-se, claramente, a maior dificuldade. Para o fazer, o rei assumiu uma responsabilidade ativa nos indultos a jogadores que estavam suspensos e, mais importante ainda, na negociação com uma empresa petrolífera britânica que empregava grande parte dos futebolistas.

 

Numa primeira fase, esta tinha ameaçado com o despedimento caso estes abandonassem o posto de trabalho para participar no Mundial. Com a entrada de Carlos II em cena, ficou decidido que não só a empresa não os despediria como ainda pagaria uma verba por cada dia que estivessem ausentes.

 

A criação da convocatória é um mito pouco esclarecido e incapaz de ser resolvido com uma pesquisa na internet. Os mais românticos e exagerados garantem que foi Carlos II a decidir a lista de 19 jogadores que seguiu para o Uruguai, os mais frios e céticos esclarecem que essa foi a responsabilidade do treinador, Constantin Radulescu.

 

Plantel de 19+1… o rei

 

Carlos II não queria apenas a participação romena no Mundial-1930, queria que o evento tivesse o maior sucesso possível. Foi por isso que fez os possíveis para convencer os jugoslavos a apresentarem uma equipa. Para o rei, este era um desígnio do qual não podia fugir. Propenso a paixões fortes, o futebol e a fase final rapidamente se tornaram numa obsessão.

 

O rei fez questão de fazer a viagem com a equipa, a bordo do SS Conte Verde. Monarca ou não, quando a equipa treinava no convés, Carlos II não se coibia de mostrar os seus dotes e fazia questão de fazer exatamente os mesmos exercícios do resto da equipa, especialmente quando estes incluíam bola.

 

O desempenho esperado

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A Roménia não encantou o mundo do futebol no Uruguai. A fase final até começou com um triunfo sobre o Peru (3-1) mas a equipa não teve argumentos contra os bicampeões olímpicos do Uruguai no último jogo do grupo 3. O segundo lugar foi insuficiente para seguir em frente e os romenos despediram-se da sua primeira participação após dois jogos.

 

Carlos II cumpriu o seu objetivo mas, por esta altura, havia preocupações maiores a formarem-se em casa. Dez anos depois de ter sido coroado, foi deposto na sequência da afirmação do fascismo na Roménia, cada vez mais um pilar da Alemanha de Hitler.

 

Forçado ao exílio, Carlos II acabou por morrer em Portugal, no Estoril, em 1953, vítima de um ataque cardíaco. Para a história, tanto como o seu estilo de vida faustoso e dominado pelas paixões, ficou a dedicação ao Mundial do Uruguai.