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É Desporto

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26 de Fevereiro, 2017

Nii Lamptey. Um talento precoce com uma vida infernal

Rui Pedro Silva

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Começou a dar nas vistas com 14 anos, superou a concorrência de Del Piero num Mundial sub-17, foi medalha olímpica e teve a Europa a seus pés. A partir dos 21 anos, nunca mais foi o mesmo. Nem mesmo na passagem por Leiria.

 

 

Entregue ao futebol

 

Se não tivesse talento para jogar à bola, muito possivelmente já não estaria vivo. Nii Lamptey, um ganês nascido em 1974, cresceu no meio de uma família disfuncional. O pai era alcoólico, violento e não perdia uma oportunidade para queimar o filho com as pontas dos cigarros. A mãe fugiu quando era novo.

 

Para as noites serem um pesadelo, Lamptey não precisava sequer de adormecer. Chegar a casa perspetivava um cenário tão mau que na maior parte das vezes preferia ficar a dormir na rua. Tinha frio, tinha medo, mas pelo menos evitava levar pancada do pai.

 

Quando a situação se tornou insustentável, decidiu encontrar abrigo numa equipa de futebol em Kumasi. O talento não era problema, mas tinha de cumprir um requisito: converter-se ao Islão. Era um detalhe na luta pela felicidade.

 

Dentro do campo, as queimaduras não importavam. Dentro do campo, ninguém queria saber se Lamptey tinha ou não aprendido a ler, se sabia ou não escrever. Dentro do campo, era uma estrela. Uma vedeta. Um jogador que prometia chegar mais longe do que um ganês alguma vez tinha chegado.

 

Da Escócia para o mundo

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Em 1989, com apenas 14 anos, marcou presença num Mundial sub-16 pela primeira vez. Não foi muito longe numa prova em que Portugal de Carlos Queiroz, Figo, Peixe e Abel Xavier também não fez diferença.

 

O talento precoce de Lamptey chamou a atenção do futebolista nigeriano Stephen Keshi. Reconhecendo-lhe futuro, arranjou forma de lhe apresentar o seu empresário, de Lagos, que viria a facilitar a transferência para o Anderlecht.

 

E facilitar é mesmo o termo certo, porque tudo se afigurava muito difícil. Primeiro, os dirigentes ganeses recusaram-se a aceitar a transferência e apreenderam o passaporte do futebolista. Reunindo todo o dinheiro que tinha amealhado nos jogos pela seleção, Lamptey arranjou forma de viajar de Acra até Lagos de táxi, passando pelo Togo e pelo Benim.

 

Aí, recebeu um passaporte falso com o nome de Stephen Keshi Júnior e viajou para Bruxelas na condição de filho do futebolista nigeriano. No Anderlecht também não foi simples. Lamptey parecia mais pequeno do que na televisão e os dirigentes não acreditaram.

 

«Quando cheguei ao centro de estágio não tinham a certeza de que era eu o Lamptey que eles andavam à procura. Discutiram com o Keshi, disseram que não era eu. Mas quando comecei a treinar, dois toques foram suficientes.»

 

Del Piero? Verón? Lamptey!

 

Em 1991, o Gana voltou a marcar presença no Mundial sub-16 e sagrou-se campeão pela primeira vez – 1-0 na final sobre a Espanha. Nii Lamptey foi considerado o melhor jogador do torneio, à frente de futuras vedetas como Del Piero, Marcelo Gallardo, Juan Sebastián Verón (ah, e o Brasil tinha Argel) e começou a assumir-se como um dos melhores jovens talentos a jogar na Europa.

 

O contrato com o Anderlecht era modesto. «Não me lembro de quanto dinheiro foi, porque era pouco. Mas não me importava. Queria jogar futebol. Só comecei a fazer dinheiro quando assinei contrato com a Adidas. Foi em 1991/1992, depois da primeira época com o Anderlecht. Foi uma época muito boa.»

 

Na seleção, os feitos também se pareciam suceder. Em 1992, em Barcelona, foi medalha de bronze nos jogos Olímpicos de Barcelona, atrás da Espanha de Guardiola e Luis Enrique e da Polónia de Juskowiak e Mielcarski. No ano seguinte, já no Mundial sub-20, o Gana perdeu a final com o Brasil.

 

Nem Romário nem Ronaldo

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A qualidade demonstrada no Anderlecht valeu-lhe o salto para o PSV. Romário tinha acabado de sair para o Barcelona e Ronaldo só chegaria do Cruzeiro na época seguinte mas ainda assim jogou ao lado de Van Breukelen, Popescu, Van der Gaag, Kalusha Bwalya, Erwin Koeman e Wim Kieft. Em 22 jogos, marcou dez golos. Estava a correr bem.

 

Mas tudo se complicou. Um empresário italiano, Antonio Caliendo, ligado a jogadores como Roberto Baggio e Dunga, surgiu no horizonte e começou a representar Lamptey. Para trás, contava com uma suspensão em Itália por corrupção, mas isso não o impediu de continuar a trabalhar no mundo do futebol, estabelecendo relações de quase escravatura.

 

O ganês só durou uma época no PSV. A paragem seguinte foi em Birmingham, para jogar no Aston Villa. «Nem sabia que havia algo chamado prémio de assinatura. O treinador do Aston Villa, Ron Atkinson, disse-me e o clube pagou-me diretamente. Duas semanas depois, o empresário foi lá falar do dinheiro. Disseram-lhe que me tinham dado e ficou chateado comigo.»

 

«Estava a acontecer tanta coisa comigo desde os 16 anos. Era demasiado novo para assinar papéis, por isso um agente foi até Acra para recolher uma assinatura dos meus pais. Era gente que só queria enriquecer comigo», queixou-se mais tarde.

 

Inglaterra foi o princípio do fim. Depois do Aston Villa, seguiu Ron Atkinson para o Coventry e foi nesse ano, em 1996, que jogou pela última vez na seleção. Tinha 21 anos.

 

Espiral negativa

 

Nii Lamptey nunca mais se encontrou como jogador. E nunca mais teve sorte. Enquanto uns agradecem-lhe por ter aberto as portas da Europa para os jogadores ganeses, outros veem-no como um símbolo de exploração.

 

Os clubes mudavam praticamente todos os anos. Depois de Inglaterra, surgiu o Veneza e logo a seguir o Boca Juniors. Foi na Argentina, emprestado ao Unión de Santa Fe devido ao limite de estrangeiros, que Lamptey perdeu o jovem filho Diego, com problemas pulmonares.

 

Em 1998/1999, passou por Leiria, numa passagem tímida que só incluiu sete jogos num total de 165 minutos. Era o Leiria de Mário Reis, com jogadores como Miroslav Zidnjak (o guarda-redes goleador), Bilro, Paulo Duarte, Dinda, Ahinful e Duah. Era uma boa geração, que terminou no sexto lugar, mas Lamptey nunca conseguiu acrescentar algo.

 

Na viragem do milénio, tinha mudado de empresário. E foi um alemão que o levou para o Greuther Fürth, onde estava para acontecer nova tragédia. Desta vez foi a filha Lisa a morrer exatamente dos mesmos problemas pulmonares que lhe tinham levado Diego.

 

«Passei pelo inferno, por tanta dor. Se pudesse escrever um livro sobre isso, seria qualquer coisa, garanto. Mas como consigo fazer isso, se nem uma carta consigo escrever?», disse em 2008. Para Lamptey, é tudo uma questão de educação.

 

Foi por isso, pelo que não teve e pelo que quer proporcionar aos outros, que decidiu abrir uma escola em Acra, não de futebol, mas no verdadeiro sentido da palavra, capaz de receber mais de 400 crianças. «Foi aqui que quis investir o meu dinheiro. Esta escola deixa-me feliz.»

 

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