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É Desporto

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25 de Fevereiro, 2017

Nii Aryee Ayi. O Viktor Navorski das Filipinas

Rui Pedro Silva

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Jovem ganês foi seduzido por proposta de equipa de Singapura mas tudo não passava de uma mentira. Espiral de obstáculos terminou após ter sido obrigado a permanecer num aeroporto das Filipinas durante 47 dias. Quando saiu, tornou-se um dos melhores futebolistas universitários do país. 

 

Uma oportunidade única

 

O futebol faz parte da vida de Nii Aryee Ayi. Começou a jogar com sete anos e com nove já acompanhava as seleções jovens para todo o lado no Gana, servindo de apanha-bolas e ajudando no que pudesse. Era dedicado, passava horas a testar novos truques e tinha o sonho de se tornar futebolista profissional.

 

Quando fez 18 anos, em 2006, recebeu uma proposta que era uma oportunidade de ouro. O Sporting Afrique, uma equipa composta por africanos a competir no campeonato de Singapura, tinha um contrato de mil dólares mensais à espera.

 

O campeonato asiático não era propriamente o sonho de Ayi mas a oferta era irrecusável e pôs-se a caminho, de Acra a Singapura, com escala nos Emirados Árabes Unidos. Quando chegou, contudo, percebeu que tinha sido enganado. A oferta era de 100 dólares e não de 1000. O clube não queria pagar mais do que isso.

 

O adolescente ficou num imbróglio. O sonho estava a cair por terra e, sem viagem de regresso marcada, tentou uma alternativa: pedir um visto de estudante que lhe permitisse passar algum tempo no país para poder renegociar ou mesmo encontrar outro clube.

 

Bola de pingue-pongue

 

Os responsáveis pela emissão do visto em Singapura disseram-lhe que, para ser processado o pedido, teria de sair do país e voltar a entrar. Nessa altura, aproveitando a presença de conhecidos nas Filipinas, decidiu passar alguns dias em Manila.

 

O regresso foi ainda mais amargo do que quando aterrou pela primeira vez. Foi detido à chegada e recambiado para as Filipinas. Aí, com o passaporte já expirado, ficou em terra de ninguém. Sem visto para entrar, sem dinheiro para comprar uma viagem de avião e sem consulado disponível para o representar, foi obrigado a permanecer no aeroporto.

 

«Queriam dinheiro, era esse o segredo. Mas eu fui teimoso. Fui um pouco arrogante. Tentei desafiá-los. Sabia que era inocente», recorda o ganês. Antes de melhorar, a situação ainda piorou. Com a promessa de trazer comida, um homem levou-lhe o dinheiro e nunca mais apareceu.

 

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Ayi parecia cada vez mais fraco. E foi nessa altura que começou a ganhar amigos, depois de ter sido deslocado para outro complexo, onde trabalhavam os bombeiros do aeroporto. Com uma camisola amarela da Juventus, voltou a sorrir. Os bombeiros ofereceram-lhe uma bola de basquetebol – o desporto rei nas Filipinas – e o ganês aproveitou para começar a treinar os dotes… futebolísticos.

 

Estava conformado. E estava preparado para continuar assim até ao dia em que um piloto da Malásia lhe disse que tinha de fazer alguma coisa para mudar a situação. «Se não fizeres nada, vais apodrecer aqui», disse-lhe.

 

O futebol como escape

 

Ayi decidiu escrever uma carta aos jornais que contasse a sua história. Quem era, onde estava, como tinha ido lá parar. O Philippine Star pegou no tema, a situação ficou famosa e chegou aos ouvidos de vários jogadores e equipas.

 

«Havia um homem chamado Rafael Rodríguez. E outro que era Dominic Samson. Leram a história e foram ao aeroporto falar comigo. Até me trouxeram uma bola de futebol», contou. Estava dado o primeiro passo.

 

A promessa de ajuda estava implícita. «Disseram-me que poderia jogar no clube deles, mas sem dinheiro, só por diversão. Sabiam que a minha ambição também era estudar, por isso disseram que iam tentar colocar-me numa universidade também», continuou.

 

Os dois homens mantiveram o contacto e, depois de quatro visitas, tinham tratado de tudo. Mas era preciso que voltasse ao Gana antes de poder entrar no país. «Não foram muito encorajadores, pensaram que eu nunca voltaria», reconheceu.

 

Mas Ayi cumpriu a palavra. Rafael e Dominic tinham-lhe dado o bilhete para ir e para voltar e o ganês fez questão de não faltar à promessa. A primeira proposta que teve foi para uma universidade em que teria de estudar Teologia. «Não queria ser pastor», atirou, justificando a escolha da Universidade das Filipinas, onde tirou Ciências do Desporto e jogou nos Fighting Maroons, tornando-se rapidamente um dos melhores futebolistas universitários do país.

 

Ayi ajudou os Fighting Maroons a vencer três títulos em quatro anos. «Este é um país magnífico. Toda a gente ajudou imenso desde o início. Naquele filme, a personagem do Tom Hanks não quer sair do terminal porque sabe que vai ser preso. Eu sei que serei livre. A minha vida está a voltar. Sei que vou voltar porque este é um grande país e porque nunca esquecerei do que esta gente fez por mim.»

 

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