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É Desporto

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03 de Agosto, 2016

Nigéria. Nunca as Águias foram tão Super

Rui Pedro Silva

Festa nigeriana no relvado/FIFA

Faz hoje 20 anos. A geração de luxo da Nigéria chegou aos Jogos Olímpicos de Atlanta de forma discreta e saiu com o título olímpico de futebol, o primeiro na história de uma seleção africana. Na memória, ficam as reviravoltas épicas contra Brasil e Argentina num ano que tinha começado de forma difícil. 

 

Cartaz de luxo terminou com surpresa

O torneio olímpico de futebol de 1996 viu Portugal chegar às meias-finais. E viu Brasil, Espanha e Itália levarem três adolescentes que iam mudar o futebol moderno: Ronaldo e Raúl com 19 anos, Gianluigi Buffon com 18. Mas as estrelas não se ficavam por aí, havia ainda Zanetti, Simeone, Makelele, Mendieta, Nesta, Cannavaro, Nakata e os experientes Roberto Carlos, Rivaldo e Bebeto.

O cartaz era de luxo mas o que fez história foi o título, inédito até então, de uma seleção africana. Dois anos depois de ter assustado a Itália nos oitavos de final do Mundial-1994, a Nigéria voltou a fazer das suas nos Estados Unidos com um grupo de enorme qualidade treinado pelo holandês Jo Bonfrere.

Com apenas uma derrota (Brasil na fase de grupos), as Super Águias chegaram ao título deixando para trás Hungria, Japão, México, Brasil (reencontro nas meias-finais) e Argentina. A campanha foi sensacional, nunca dando um jogo por perdido, e Sunday Oliseh, uma das figuras, recorda ao SuperSport as mais-valias da equipa.

«Esta equipa tinha de ganhar alguma coisa. Era demasiado boa para não ganhar nada», afirma.

Luxo em todas as posições

 Onze da Nigéria

O título da Nigéria foi uma tempestade perfeita. «Tínhamos um guarda-redes de classe mundial, que infelizmente teve um acidente um ano depois e deixou de jogar», arranca Oliseh, falando de Joseph Dosu.

«No centro da defesa, o Taribo West e o Uche Okechukwu estavam nas melhores das suas capacidades. Era inacreditável. No lado esquerdo da defesa, o melhor lateral que alguma vez jogou pela Nigéria: Celestine Babayaro (17 anos)», continua, com pequenas pausas para refrescar a memória.

«O meio-campo era eu e o Okocha. O que mais há a dizer sobre ele? Tecnicamente, é dos mais dotados com quem joguei. Ajudou-nos imenso a ter a bola quando precisávamos. E no ataque havia o Kanu, alguém que jogava o seu melhor futebol quando importava mais», destaca.

A terminar, Sunday Oliseh fala ainda de um suplente: Wilson Oruma: «A equipa estava faminta de vitórias e um dos jogadores que vi como, provavelmente, o mais importante foi ele. De cada vez que entrava, trazia algo de novo. Ia para o banco por causa do Okocha, e não gostava. Por isso queria sempre mostrar-se quando entrava».

E depois, claro, o treinador: «O responsável foi o Bonfrere. A forma como nos fazia acreditar foi muito boa para a equipa».

Sunday Oliseh não refere mais nomes mas esta também era a seleção que tinha Tijani Babangida, o então jogador do Sporting Emmanuel Amunike, Viktor Ikpeba e Daniel Amokachi.

 

Acreditar sempre até ao fim

Kanu com Roberto Carlos

A Nigéria passou facilmente pela fase de grupos: quando perdeu com o Brasil (golo de Ronaldo, o fenómeno), já tinha seis pontos conquistados, fruto do 1-0 com a Hungria (Kanu) e do 2-0 com o Japão (Babangida e Okocha).

Nos quartos-de-final, o México também não deu grande réplica, com Okocha e Babayaro a marcarem os golos no 2-0. Nesse momento, as Super Águias estavam no top-4, juntamente com Portugal, Brasil e Argentina. Para as meias-finais, o reencontro com o Brasil prometia ser uma tarefa árdua.

E mais ficou quando aos 38 minutos já perdia por 1-3: um autogolo de Roberto Carlos aos 20 minutos atenuava o peso dos golos de Flávio Conceição (1’ e 38’) e de Bebeto (28’).

A reviravolta épica estava guardada para depois. Mas antes, aos 64 minutos, a Nigéria ainda teve outro obstáculo. Depois de Flávio Conceição ter feito falta sobre Amokachi na área, Okocha permitiu a defesa do penálti a Dida. Tudo parecia perfeito para o Brasil.

Só que não foi. Os «16 piores minutos na história do Brasil», segundo o selecionador brasileiro Mário Zagallo, estavam a chegar, com o pontapé de saída a ser dado por uma perda de bola de Rivaldo a meio-campo. A Nigéria aproveitou e Ikpeba reduziu aos 78 minutos. Em cima dos 90, Kanu empatou e no prolongamento só precisou de quatro minutos para fazer o golo de ouro.

 

Repetir chave do sucesso

 Sunday Oliseh disputa a bola com Javier Zanetti

A Argentina, que tinha derrotado Portugal por 2-0, era o adversário da final. Mais uma vez, o sonho pareceu longe de ser realizado.

Ao golo inaugural de Claudio López aos três minutos, a Nigéria respondeu com o empate de Babayaro aos 28’. A abrir a segunda parte, Crespo marcou de penálti, assinalado pelo italiano Pierluigi Collina, e obrigou a Nigéria a repetir a chave do sucesso.

«Era nos últimos minutos que fazíamos a diferença. O espírito estava lá», garante Sunday Oliseh, recordando a tarde de 3 de agosto, há precisamente vinte anos.

Tal como contra o Brasil, 16 minutos bastaram. Primeiro, aos 74’, Amokachi empatou. Depois, praticamente em cima do minuto 90, foi Amunike a bater Pablo Cavallero e a garantir o ouro olímpico para a Nigéria.

 

Ponto alto de um país

«Foi o ponto alto da Nigéria. Foi o momento em que deixámos de ser apenas os melhores em África e nos tornámos os melhores do mundo. O ouro olímpico é das únicas coisas que se ganham e fica para a vida. Não é algo que é preciso devolver dois ou quatro anos depois. Assim que se ganha, é teu para sempre», conta Sunday Oliseh.

Para Jay Jay Okocha, após o jogo, aquele título significava «tudo para a Nigéria»: «O futebol é a única coisa que nos une. Para as pessoas em casa, este pode ter sido o dia mais feliz da vida deles».

Para os jogadores, o título chegou na melhor época. Muitos tinham tido épocas abaixo do esperado nos seus clubes e nem a seleção principal tinha ajudado. Na CAN-1996, na África do Sul, a então campeã Nigéria estava integrada no grupo C, juntamente com o Gabão, o Zaire e a Libéria, mas os responsáveis decidiram abdicar depois do conflito entre Nelson Mandela e o presidente nigeriano, o general Sani Abacha.

Oficialmente, Abacha alegou a falta de condições de segurança, mas os apelos de Mandela ao boicote ao petróleo nigeriano, na sequência da execução de nove dissidentes dois meses antes, foram vistos pela imprensa internacional como o rastilho do problema.

Impotentes, os jogadores tiveram de esperar até agosto para fazer história. «A nação estava com fome de títulos e os jogadores também», recorda Oliseh. E a história chegou.

A seleção foi para os Estados Unidos muito cedo, muito antes dos adversários. Treinava em Tallahassee, na Florida, de forma discreta e sem aparato. Oito semanas depois, saiu do país como a equipa mais apoiada dos Jogos Olímpicos de Atlanta. 

RPS