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É Desporto

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23 de Março, 2018

Nigel Mansell. Um paranóico contra tudo e contra todos

Rui Pedro Silva

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Estreou-se em 1980 e só foi campeão em 1992, com 39 anos. Deixou o emprego e vendeu tudo o que tinha, até a casa, para financiar a carreira nos primeiros anos. Relação com colegas de equipa e donos nem sempre foi a melhor mas acabou por conseguir o que sempre quis: ser campeão e sair por cima. E numa época em que bateu recordes atrás de recordes. 

 

À procura de um sonho

 

Despediu-se de um trabalho como engenheiro aeroespacial para financiar a carreira na Fórmula Ford e três semanas depois partiu o pescoço durante uma corrida em Brands Hatch-1977 e evitou ficar tetraplégico por muito pouco. Mais tarde, vendeu a casa para garantir a passagem para a Fórmula 3 e reforçar a aposta numa carreira automobilística.

 

Nigel Mansell abdicou de tudo o que tinha à procura do que sonhava. E em 1979, durante uma sessão de testes da Lotus, captou a atenção de Colin Chapman e deu o passo definitivo rumo à Fórmula 1. Apesar de ter feito um peão logo na segunda volta no circuito de Paul Ricard, a velocidade que exibiu nas voltas seguintes garantiu-lhe a posição de piloto de testes.

 

O estatuto de Mansell era muito frágil. O contrato era uma ninharia e estava obrigado a pagar as despesas de deslocação e estadia para cada grande prémio. Quando finalmente entrou numa corrida, na Áustria, uma fuga de combustível no cockpit fez com que saísse da corrida com queimaduras de primeiro e segundo grau nas nádegas.

 

«Era motivado pela adversidade porque vivi com o ela o tempo todo. Acho que não voltará a haver um piloto que chegue à Fórmula 1 sem recursos ou sem financiamento. Cheguei sem nada. Mesmo nada. A única coisa que tinha era o compromisso. Era capaz de ir mais longe do que qualquer rival devido ao meu passado», recordou em declarações à Motor Sports Magazine.

 

Colin Chapman olhou além do que Mansell fazia em pista e decidiu apostar no britânico. «Acreditou em mim. Viu algo que gostou, não apenas como condutor mas também como pessoa», continuou.

 

Quando Mario Andretti deixou a equipa em 1981, o lugar estava reservado para Mansell. Durante duas temporadas, o britânico fez o que podia, misturando um estilo de condução de vai ou racha e de um monolugar com problemas de fiabilidade. Os pódios na Bélgica-1981 e no Brasil-1982 serviam apenas de aperitivos para o que poderia fazer com o talento se as condições fossem perfeitas.

 

Importância do dinheiro

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Nigel Mansell usou todo o dinheiro que tinha para chegar à Fórmula 1 e, quando lá chegou, o prejuízo continuava a ser avultado. O primeiro contrato a sério com a Lotus garantia-lhe 50 mil libras por temporada mas não era suficiente para começar a recuperar dinheiro. Por isso, quando lhe ofereceram dez mil libras para correr as 24 Horas de Le Mans em 1982 nem pensou duas vezes.

 

Colin Chapman interveio e não deixou. O homem-forte da Lotus achava que era demasiado arriscado e o historial de Mansell não era propriamente marcado pela segurança e ausência de acidentes. Por isso, decidiu dar-lhe 10 mil libras apenas para que não corresse a prova e renovou-lhe o contrato.

 

«Tínhamos uma relação fantástica, foi como um pai para mim», reconheceu o britânico, antes de abordar a sua morte por ataque cardíaco em dezembro de 1982. «Foi terrível. Parte de mim morreu com ele.»

 

Peter Warr assumiu o legado deixado por Colin Chapman mas a relação com Mansell não podia ter sido mais diferente. Os dois não se davam e as incompatibilidades sucediam-se. «Durante o tempo que esteve com a equipa, Mansell fez sempre parecer que todo o mundo estava contra ele», disse Warr num livro anos mais tarde.

 

A postura paranóica de Mansell, com ou sem razão para isso, estava apenas a dar os primeiros sinais de vida na Fórmula 1 e logo na altura, em 1984, Warr mostrou-se contra a abordagem do piloto. «Enquanto eu tiver um buraco no rabo, ele nunca ganhará um Grande Prémio», disse, com muito alarido, depois de Mansell se despistar no Mónaco.

 

A aventura na Lotus estava destinada ao fracasso. Em quatro temporadas, Mansell terminou apenas 24 de 59 corridas e ficou com o destino traçado quando a equipa chegou a acordo com Ayrton Senna para a temporada de 1985.

 

Ironia do destino

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Se a Lotus abriu caminho para a carreira de Nigel Mansell, foi a Williams que mostrou ao mundo que o britânico tinha talento para andar sempre nos lugares na frente. Logo na primeira temporada, em 1985, o piloto alançou a primeira vitória, em Brands Hatch, precisamente o circuito onde oito anos antes tinha fintado a tetraplegia.

 

A época estava a terminar mas Mansell parecia lançado. Na corrida seguinte, na África do Sul, voltou a vencer e lançou as bases para se assumir como um forte candidato ao título em 1986. O estilo de condução e a fiabilidade dos carros tinham deixado de ser um problema e o britânico chegou à última corrida, na Austrália, na liderança.

 

Estava tudo feito para ser campeão. O título estava praticamente no bolso, à espera de ser conquistado. Mansell só precisava de terminar no terceiro lugar e seguia na primeira posição a 19 voltas do final. Mas ficou sem um pneu, despistou-se e viu Alain Prost festejar o campeonato.

 

«Foi uma grande desilusão. Mas a receção que tive quando cheguei a casa… parecia que tinha vencido dez vezes. Não se consegue comprar isso», assumiu.

 

Em 1987, mais do mesmo. Nigel Mansell venceu o dobro (seis) das provas de Nelson Piquet mas a propensão para não terminar corridas fez com que a regularidade do brasileiro fosse decisiva nas contas pelo título. Pelo segundo ano consecutivo, Mansell estava obrigado a contentar-se por ser o primeiro dos últimos.

 

Também na Williams, as relações com os engenheiros eram frágeis. «Pensa sempre que os outros o estão a tramar», disse Patrick Head, diretor técnico da equipa.

 

Mansell não se incomodava com o que diziam, não queria saber. Estava interessado em reunir as melhores condições para lutar pelo título – e conquistá-lo – e quando a Williams teve um ano menos competitivo em 1988, soube que estava na altura de sair.

 

O último piloto de Enzo Ferrari

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A Ferrari foi o capítulo seguinte e o acordo ficou fechado durante a temporada de 1988, semanas antes da morte de Enzo Ferrari. «Fui o último a ser escolhido pessoalmente por ele. Morreu umas semanas depois da nossa reunião. Fui o último piloto a jantar com ele. Vou guardar isso para sempre», confessou Nigel Mansell.

 

A experiência na escuderia italiana foi agridoce. A vitória inesperada no Brasil, quando até já tinha um bilhete de regresso mais cedo, julgando que o carro não conseguiria terminar a corrida, fez com que caísse no goto dos adeptos da equipa, mas a partir daí nada mais resultou.

 

Quando acabava, terminava no pódio, mas eram mais as vezes em que o carro tinha problemas. Juntando a isso a rivalidade com Alain Prost, cedo se percebeu que o futuro na equipa italiana tinha prazo de validade.

 

A ajudar à festa houve um episódio de conflito aceso, ao perceber que os mecânicos tinham trocado o chassis dos dois carros para que o francês pudesse estar em vantagem. Foi a gota de água. Mansell julgou que tinha chegado ao final da carreira mas foi resgatado, em boa hora, por Frank Williams.

 

Rumo ao domínio avassalador

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Nigel Mansell era um piloto escaldado. As más experiências passadas tornaram-no mais arrogante, mais exigente na hora de negociar um contrato. Por isso, quando a proposta da Williams surgiu para a temporada de 1991, o britânico fez questão de impor inúmeras condições para que tudo corresse de acordo com o que queria.

 

O britânico queria ganhar. Queria ser a prioridade da equipa. Queria ter todas as garantias de que teria tudo ao seu dispor, a toda a hora, para que pudesse chegar finalmente ao título. Frank Williams começou por não ceder mas, com a passagem dos dias, não resistiu.

 

A primeira época trouxe alguns dos dissabores do passado. Mansell venceu cinco provas num espaço de oito corridas mas a irregularidade não lhe permitiu fazer mais do que o segundo posto, atrás de Ayrton Senna.

 

Para 1992, no entanto, estava guardada a maior demonstração de supremacia na história da Fórmula 1, muito por culpa da suspensão ativa desenvolvida pela Williams. A época foi arrasadora e começou logo com cinco triunfos nas cinco primeiras corridas. À sexta, no Mónaco, um peão atrasou-o quando liderava e, mesmo assim, só não conseguiu voltar a ultrapassar Senna por uma questão de duas décimas.

 

A estatística diz tudo. Mansell bateu o recorde de mais vitórias num arranque (cinco), mais vitórias numa temporada (nove), mais pole positions (14), mais voltas mais rápidas (oito) e maior vantagem para o segundo classificado (52 pontos sobre o colega de equipa Riccardo Patrese).

 

Hora de dizer basta

 

Os rumores de que Alain Prost estaria de regresso fizeram com que Mansell decidisse acabar a carreira. Tinha 39 anos e acabara de se sagrar o campeão mundial mais velho da era moderna (apenas Farina, Fangio e Brabham conquistaram o título depois dos 40 anos).

 

E já não tinha paciência para passar por novos conflitos com Prost. «Tive a minha quota de desgostos e desilusões mas também tive muita satisfação. Limitei-me a conduzir como sabia», disse o piloto que mais corridas precisou de fazer para ser campeão (180), num recorde que só seria batido por Rosberg em 2016 (206).

 

A despedida não foi definitiva. Recebendo 900 mil libras por corrida, Mansell chegou a voltar em 1994, dividindo com David Coulthard a vaga deixada pela morte de Ayrton Senna. Seria sol de pouca dura, tal como na McLaren em 1995, num carro que não lhe oferecia garantias e pelo qual só fez duas provas.

 

A história de Nigel Mansell tinha chegado ao fim. A paranóia tinha deixado de ter razão de ser. Depois de 31 vitórias e 32 acidentes em 187 corridas, o britânico decidiu cruzar definitivamente a meta. Com uma curiosidade: nunca conseguiu vencer no Mónaco.