Nigel Mansell. Um paranóico contra tudo e contra todos
Estreou-se em 1980 e só foi campeão em 1992, com 39 anos. Deixou o emprego e vendeu tudo o que tinha, até a casa, para financiar a carreira nos primeiros anos. Relação com colegas de equipa e donos nem sempre foi a melhor mas acabou por conseguir o que sempre quis: ser campeão e sair por cima. E numa época em que bateu recordes atrás de recordes.
À procura de um sonho
Despediu-se de um trabalho como engenheiro aeroespacial para financiar a carreira na Fórmula Ford e três semanas depois partiu o pescoço durante uma corrida em Brands Hatch-1977 e evitou ficar tetraplégico por muito pouco. Mais tarde, vendeu a casa para garantir a passagem para a Fórmula 3 e reforçar a aposta numa carreira automobilística.
Nigel Mansell abdicou de tudo o que tinha à procura do que sonhava. E em 1979, durante uma sessão de testes da Lotus, captou a atenção de Colin Chapman e deu o passo definitivo rumo à Fórmula 1. Apesar de ter feito um peão logo na segunda volta no circuito de Paul Ricard, a velocidade que exibiu nas voltas seguintes garantiu-lhe a posição de piloto de testes.
O estatuto de Mansell era muito frágil. O contrato era uma ninharia e estava obrigado a pagar as despesas de deslocação e estadia para cada grande prémio. Quando finalmente entrou numa corrida, na Áustria, uma fuga de combustível no cockpit fez com que saísse da corrida com queimaduras de primeiro e segundo grau nas nádegas.
«Era motivado pela adversidade porque vivi com o ela o tempo todo. Acho que não voltará a haver um piloto que chegue à Fórmula 1 sem recursos ou sem financiamento. Cheguei sem nada. Mesmo nada. A única coisa que tinha era o compromisso. Era capaz de ir mais longe do que qualquer rival devido ao meu passado», recordou em declarações à Motor Sports Magazine.
Colin Chapman olhou além do que Mansell fazia em pista e decidiu apostar no britânico. «Acreditou em mim. Viu algo que gostou, não apenas como condutor mas também como pessoa», continuou.
Quando Mario Andretti deixou a equipa em 1981, o lugar estava reservado para Mansell. Durante duas temporadas, o britânico fez o que podia, misturando um estilo de condução de vai ou racha e de um monolugar com problemas de fiabilidade. Os pódios na Bélgica-1981 e no Brasil-1982 serviam apenas de aperitivos para o que poderia fazer com o talento se as condições fossem perfeitas.
Importância do dinheiro
Nigel Mansell usou todo o dinheiro que tinha para chegar à Fórmula 1 e, quando lá chegou, o prejuízo continuava a ser avultado. O primeiro contrato a sério com a Lotus garantia-lhe 50 mil libras por temporada mas não era suficiente para começar a recuperar dinheiro. Por isso, quando lhe ofereceram dez mil libras para correr as 24 Horas de Le Mans em 1982 nem pensou duas vezes.
Colin Chapman interveio e não deixou. O homem-forte da Lotus achava que era demasiado arriscado e o historial de Mansell não era propriamente marcado pela segurança e ausência de acidentes. Por isso, decidiu dar-lhe 10 mil libras apenas para que não corresse a prova e renovou-lhe o contrato.
«Tínhamos uma relação fantástica, foi como um pai para mim», reconheceu o britânico, antes de abordar a sua morte por ataque cardíaco em dezembro de 1982. «Foi terrível. Parte de mim morreu com ele.»
Peter Warr assumiu o legado deixado por Colin Chapman mas a relação com Mansell não podia ter sido mais diferente. Os dois não se davam e as incompatibilidades sucediam-se. «Durante o tempo que esteve com a equipa, Mansell fez sempre parecer que todo o mundo estava contra ele», disse Warr num livro anos mais tarde.
A postura paranóica de Mansell, com ou sem razão para isso, estava apenas a dar os primeiros sinais de vida na Fórmula 1 e logo na altura, em 1984, Warr mostrou-se contra a abordagem do piloto. «Enquanto eu tiver um buraco no rabo, ele nunca ganhará um Grande Prémio», disse, com muito alarido, depois de Mansell se despistar no Mónaco.
A aventura na Lotus estava destinada ao fracasso. Em quatro temporadas, Mansell terminou apenas 24 de 59 corridas e ficou com o destino traçado quando a equipa chegou a acordo com Ayrton Senna para a temporada de 1985.
Ironia do destino
Se a Lotus abriu caminho para a carreira de Nigel Mansell, foi a Williams que mostrou ao mundo que o britânico tinha talento para andar sempre nos lugares na frente. Logo na primeira temporada, em 1985, o piloto alançou a primeira vitória, em Brands Hatch, precisamente o circuito onde oito anos antes tinha fintado a tetraplegia.
A época estava a terminar mas Mansell parecia lançado. Na corrida seguinte, na África do Sul, voltou a vencer e lançou as bases para se assumir como um forte candidato ao título em 1986. O estilo de condução e a fiabilidade dos carros tinham deixado de ser um problema e o britânico chegou à última corrida, na Austrália, na liderança.
Estava tudo feito para ser campeão. O título estava praticamente no bolso, à espera de ser conquistado. Mansell só precisava de terminar no terceiro lugar e seguia na primeira posição a 19 voltas do final. Mas ficou sem um pneu, despistou-se e viu Alain Prost festejar o campeonato.
«Foi uma grande desilusão. Mas a receção que tive quando cheguei a casa… parecia que tinha vencido dez vezes. Não se consegue comprar isso», assumiu.
Em 1987, mais do mesmo. Nigel Mansell venceu o dobro (seis) das provas de Nelson Piquet mas a propensão para não terminar corridas fez com que a regularidade do brasileiro fosse decisiva nas contas pelo título. Pelo segundo ano consecutivo, Mansell estava obrigado a contentar-se por ser o primeiro dos últimos.
Também na Williams, as relações com os engenheiros eram frágeis. «Pensa sempre que os outros o estão a tramar», disse Patrick Head, diretor técnico da equipa.
Mansell não se incomodava com o que diziam, não queria saber. Estava interessado em reunir as melhores condições para lutar pelo título – e conquistá-lo – e quando a Williams teve um ano menos competitivo em 1988, soube que estava na altura de sair.
O último piloto de Enzo Ferrari
A Ferrari foi o capítulo seguinte e o acordo ficou fechado durante a temporada de 1988, semanas antes da morte de Enzo Ferrari. «Fui o último a ser escolhido pessoalmente por ele. Morreu umas semanas depois da nossa reunião. Fui o último piloto a jantar com ele. Vou guardar isso para sempre», confessou Nigel Mansell.
A experiência na escuderia italiana foi agridoce. A vitória inesperada no Brasil, quando até já tinha um bilhete de regresso mais cedo, julgando que o carro não conseguiria terminar a corrida, fez com que caísse no goto dos adeptos da equipa, mas a partir daí nada mais resultou.
Quando acabava, terminava no pódio, mas eram mais as vezes em que o carro tinha problemas. Juntando a isso a rivalidade com Alain Prost, cedo se percebeu que o futuro na equipa italiana tinha prazo de validade.
A ajudar à festa houve um episódio de conflito aceso, ao perceber que os mecânicos tinham trocado o chassis dos dois carros para que o francês pudesse estar em vantagem. Foi a gota de água. Mansell julgou que tinha chegado ao final da carreira mas foi resgatado, em boa hora, por Frank Williams.
Rumo ao domínio avassalador
Nigel Mansell era um piloto escaldado. As más experiências passadas tornaram-no mais arrogante, mais exigente na hora de negociar um contrato. Por isso, quando a proposta da Williams surgiu para a temporada de 1991, o britânico fez questão de impor inúmeras condições para que tudo corresse de acordo com o que queria.
O britânico queria ganhar. Queria ser a prioridade da equipa. Queria ter todas as garantias de que teria tudo ao seu dispor, a toda a hora, para que pudesse chegar finalmente ao título. Frank Williams começou por não ceder mas, com a passagem dos dias, não resistiu.
A primeira época trouxe alguns dos dissabores do passado. Mansell venceu cinco provas num espaço de oito corridas mas a irregularidade não lhe permitiu fazer mais do que o segundo posto, atrás de Ayrton Senna.
Para 1992, no entanto, estava guardada a maior demonstração de supremacia na história da Fórmula 1, muito por culpa da suspensão ativa desenvolvida pela Williams. A época foi arrasadora e começou logo com cinco triunfos nas cinco primeiras corridas. À sexta, no Mónaco, um peão atrasou-o quando liderava e, mesmo assim, só não conseguiu voltar a ultrapassar Senna por uma questão de duas décimas.
A estatística diz tudo. Mansell bateu o recorde de mais vitórias num arranque (cinco), mais vitórias numa temporada (nove), mais pole positions (14), mais voltas mais rápidas (oito) e maior vantagem para o segundo classificado (52 pontos sobre o colega de equipa Riccardo Patrese).
Hora de dizer basta
Os rumores de que Alain Prost estaria de regresso fizeram com que Mansell decidisse acabar a carreira. Tinha 39 anos e acabara de se sagrar o campeão mundial mais velho da era moderna (apenas Farina, Fangio e Brabham conquistaram o título depois dos 40 anos).
E já não tinha paciência para passar por novos conflitos com Prost. «Tive a minha quota de desgostos e desilusões mas também tive muita satisfação. Limitei-me a conduzir como sabia», disse o piloto que mais corridas precisou de fazer para ser campeão (180), num recorde que só seria batido por Rosberg em 2016 (206).
A despedida não foi definitiva. Recebendo 900 mil libras por corrida, Mansell chegou a voltar em 1994, dividindo com David Coulthard a vaga deixada pela morte de Ayrton Senna. Seria sol de pouca dura, tal como na McLaren em 1995, num carro que não lhe oferecia garantias e pelo qual só fez duas provas.
A história de Nigel Mansell tinha chegado ao fim. A paranóia tinha deixado de ter razão de ser. Depois de 31 vitórias e 32 acidentes em 187 corridas, o britânico decidiu cruzar definitivamente a meta. Com uma curiosidade: nunca conseguiu vencer no Mónaco.