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É Desporto

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10 de Fevereiro, 2022

Nicole Silveira. Uma brasileira na história do skeleton

Rui Pedro Silva

 

Nicole Silveira

Miriam Blasco sagrou-se campeã olímpica nos Jogos de Barcelona em 1992. A espanhola atingiu a final do judo na categoria de 57 quilos e bateu a concorrência de Nicola Fairbrother. A adversária britânica não teve argumentos para evitar a derrota e levou demasiado a peito o ditado «se não a podes vencer, junta-te a ela».

Foi precisamente isso que aconteceu, 23 anos depois. Miriam Blasco e Nicola Fairbrother estão casadas desde 2015. Se em 1992, Miriam competia em homenagem ao treinador, que tinha morrido pouco antes do evento num acidente, e tinha o marido a aplaudir nas bancadas, os anos seguintes marcaram uma revolução na vida da judoca.

E qual é a relevância deste detalhe para falar de Nicole Silveira? A brasileira vai marcar a estreia do país no skeleton esta madrugada e uma das adversárias que terá na pista será precisamente a sua namorada, a belga Kim Meylemans.

Se a residência Blasco-Fairbrother tem hoje a medalha de ouro e a medalha de prata da mesma prova de uma competição dos Jogos Olímpicos, esta dupla belgo-brasileira entrará em pista com o mesmo objetivo em mente, por muito que pareça impossível.

As sessões de preparação demonstraram que tanto Nicole como Kim estão longe das principais candidatas mas nem por isso deixará de ser insólito – talvez mesmo inédito – ter duas mulheres, de países diferentes, namoradas, a competir por um título na mesma prova de uma edição de Jogos Olímpicos, sejam de verão ou de inverno.

As duas estão a ter a sua dose de protagonismo em Pequim-2022. Kim Meylemans chamou os holofotes para si em vésperas da cerimónia de abertura por ter partilhado um vídeo em pânico perante o comportamento da organização. A belga tinha acusado positivo a Covid-19 e estava a cumprir vários dias de isolamento sem grande informação por parte dos chineses.

Se Kim Meylemans esteve infetada em janeiro e continuava a apresentar um teste positivo, Nicole Silveira sabe perfeitamente como lidar com isso. Afinal, a brasileira vive no Canadá desde criança, licenciou-se em Enfermaria e esteve durante o verão de 2020 a combater a pandemia na linha da frente.

O Brasil tem pouca ou nenhuma tradição nos Jogos Olímpicos de Inverno e surge na China com dez atletas, seis homens e quatro mulheres, divididos por esqui alpino, bobsleigh, esqui cross-country, esqui estilo livre e skeleton.

Dentro da escassa tradição, o skeleton surge em destaque por ser a primeira vez que o Brasil surge representado. A estreia não será patrocinada por um sonho de longa data de Nicole, mas mais por uma oportunidade que surgiu e decidiu agarrar.

Nicole já dançou, fez ginástica, jogou râguebi e voleibol. Decidiu ir para o futebol, fez culturismo e só em 2017 começou a olhar para os desportos de inverno. A primeira ambição foi garantir a qualificação com o Brasil numa equipa de bobsleigh e só depois de falhado o apuramento para PyeongChang-2018 é que o presidente dos desportos de inverno do Brasil desafiou Nicole a fazer história no skeleton.

A brasileira foi incapaz de virar a cara à luta e apaixonou-se pela modalidade. «Gosto de estar em controlo e no bobsleigh era apenas um elemento de uma equipa e estava responsável por travar. Queria continuar mas na minha mente já germinava a ideia de fazer a transição para o skeleton», confessou.

Competir numa modalidade em que rasga o ar a uma velocidade digna de multa numa autoestrada portuguesa não podia ser algo mais desfasado da personalidade de Nicole. «Nunca gostei muito de adrenalina mas, por alguma razão, adoro a sensação que este desporto me dá. Também nunca gostei do frio e vim aqui parar», afirmou.

Se para 2026 Nicole até ambiciona a um eventual lugar no top-10, para já está mais preocupada em representar bem o papel de pioneira brasileira do skeleton. «É uma grande responsabilidade. Assumi um compromisso para abrir as portas ao meu país neste novo desporto. Só isso já é uma grande pressão, mas este contexto traz valor acrescentado à minha vida e torna-me mais forte, resiliente e ciente das adversidades que vão acabar por aparecer», acrescentou

Nicole treinou, garantiu a qualificação e está pronta para competir. Mesmo que não alcance um resultado satisfatório, sabe que a vida continuará a seguir. E terá o apoio de Kim Meylemans in loco. Literalmente ali ao lado quando a prova terminar.