Não haverá Mundial como o de 1994
O primeiro nunca se esquece e tem o poder de ser romantizado para sempre mesmo que não tenha sido bom. Felizmente, ao contrário do Itália-1990, o Mundial de 1994 foi espetacular, trouxe grandes histórias, seleções surpreendentes e uma final, apesar de mal jogada, marcante. Esta é a minha história do Mundial-1994.
O encanto da ingenuidade
Cais do Sodré, junho de 1994. Estava com o meu pai à espera do comboio quando comprámos uma revista do Mundial que ia acontecer nos Estados Unidos. Para mim, que tinha aprendido a ler numa revista de início de época, este tipo de especiais antes das provas tinha-se tornado obrigatório.
Enquanto esperava pelo comboio, folheei a revista e bloqueei na página com o historial dos vencedores de todas as provas. Só podia ser um erro, Portugal não estava ali. Mas como, se apenas três anos antes, em Lisboa, tinha visto Rui Costa, Figo, João Pinto e tantos outros derrotar o Brasil e erguer o troféu?
Confrontei o meu pai com o «erro», sem sucesso. No meio de tanta ingenuidade, ignorava que aquele Mundial de Lisboa tinha sido de sub-20 e não um «a sério». Era estranho: afinal, aquela seleção de 1991 tinha feito uma transição quase linear para a equipa sénior. Até Carlos Queiroz era o selecionador. Era tudo tão estranho e ao mesmo tempo tão mítico. Conformado, segui caminho.
O Mundial dos Estados Unidos foi mágico. Acredito mesmo que, tendo em conta que era uma criança de nove anos, não podia ter sido melhor. Foi o suficiente para conhecer o fenómeno Maradona numa fase final, para assistir à entrada na ribalta de seleções inesperadas, como Suécia, Bulgária, Roménia e Nigéria, e para ter pontos de partida suficientes que ajudavam a despertar o interesse e a conhecer melhor cada seleção.
Foi um Mundial de «portugueses». Logo no jogo de abertura, tivemos o Sánchez do Boavista pela Bolívia. Na surpreendente Nigéria, fomos logo brindados pelos festejos marcantes do Yekini do V. Setúbal. A Rússia tinha o Yuran do Benfica, a Suécia tinha o Schwarz, também do Benfica, e a Bulgária não só tinha o verde e o vermelho na bandeira como parecia promover um desfile de jogadores do campeonato nacional: Balakov e Yordanov do Sporting e Kostadinov do FC Porto.
Mas não ficamos por aqui. Ainda havia Valckx (Sporting) na Holanda e Hassan (Farense) em Marrocos. Todos juntos, eram como pontos de partida rumo à descoberta de um tesouro chamado Mundial. Serviam de pequenas pistas, destaques de interesse que nos provocavam o desejo de ver mais, saber mais, conhecer melhor.
Depois, claro, havia a elite. Mágicos como Hagi, Stoichkov e Baggio, figuras castiças como Valderrama e Alexi Lalas, episódios trágicos como o de Escobar, pedidos de casamento na bancada a Tony Meola, festejos de Romário e Bebeto, o fantástico Roménia-Argentina, as defesas de Ravelli, os festejos de Kenneth Anderson, a queda da Alemanha aos pés dos búlgaros, a dupla história no confronto Salenko-Milla, as defesas de Preud’Homme, o golo de Owairan…
Pode não ter sido o melhor Mundial mas foi o meu primeiro. E, 24 anos depois, as memórias continuam a iluminar o meu cérebro com a magia de quem viu história a acontecer, de quem se deixou fascinar pelas estrelas, viu tantos «portugueses» brilhar e conheceu outras figuras que viriam a marcar os anos seguintes, tanto em Portugal como no resto da Europa.
No meio disto tudo, a final entre Brasil e Itália desiludiu. Numa festa de aniversário com dezenas de pessoas em que eles, os homens, estavam pelo Brasil, e elas, as mulheres, estavam por Itália, o jogo foi fraco e só foi decidido por penáltis. Eu, enamorado por Baggio, estava pela Squadra Azzurra, e dificilmente poderia ter sido uma tarde mais difícil.
A imortalidade também se alcança assim. O italiano do rabicho, letal na finalização e nos lances de bola parada, desperdiçou o penálti mais famoso na história dos Mundiais. Faz parte.