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É Desporto

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06 de Junho, 2017

Não devíamos mas precisamos do Sporting. E do Benfica e do FC Porto

Rui Pedro Silva

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Sucesso do Sporting no futebol feminino e regresso do voleibol masculino a Alvalade são boas notícias que dão mais projeção aos respetivos campeonatos mas, enquanto país, deveríamos ser capazes de mostrar interesse por patinhos-feios mesmo quando não há um dos três clubes mais populares envolvido.

 

Quando o clube vale mais do que a modalidade

 

O 1.º Dezembro foi campeão nacional de futebol feminino onze vezes consecutivas, entre 2002 e 2012. Durante este período, andou quase sempre escondido na escuridão, sem destaque e com fraco reconhecimento. Tirando as habituais notas de rodapé no final de cada temporada com a notícia do título, só merecia destaque no verão, quando organizava a fase de apuramento para a Liga dos Campeões ou… quando perdia.

 

O próprio clube estava organizado de forma a dar pouca importância ao futebol feminino. Com a equipa sénior a dar cartas e apenas um escalão de formação, os horários de treino durante a semana não deixavam espaço para dúvida: a equipa tantas vezes campeã nacional ficava com os restos, com as sobras, e só treinava quando seniores e juniores masculinos abandonavam o campo, prolongando sempre os treinos para depois das 22h00.

 

A assistência nos jogos era residual: familiares, amigos e adeptos de ocasião. Pouco interessava se duas das melhores internacionais portuguesas de sempre, Carla Cristina e Carla Couto, faziam parte do plantel. E assim foi praticamente sempre até a Federação Portuguesa de Futebol ter lançado um desafio aos clubes da I Liga na época passada: criarem uma secção feminina.

 

O Sporting não foi o único mas conseguiu provocar o maior impacto. Um ano depois, a dobradinha nas seniores e os títulos conquistados nos escalões de formação demonstram que a aposta foi ganha. Mas sê-lo-ia de qualquer forma, mesmo sem os títulos.

 

A decisão veio dar uma projeção inaudita a um patinho-feio do desporto nacional. Num país em que o clube vale sempre mais do que a modalidade (mesmo quando é o futebol masculino), o futebol feminino do Sporting ajudou a bater recordes. O público pode não estar preparado para gostar de futebol feminino por si só mas houve largos milhares a surfarem na onda de verem o seu clube a ter sucesso.

 

A sucessão de recordes

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Alvalade recebeu dois jogos: a receção ao Valadares teve cerca de 6500 espetadores e o encontro com o Sp. Braga, decisivo para o título, estabeleceu um novo recorde do campeonato, com 9263 espetadores, tornando-se na altura a segunda maior assistência de sempre num jogo de futebol feminino disputado em Portugal.

 

O recorde, da final da Liga dos Campeões de 2014 (11217 no Tyresö-Wolfsburgo disputado no Restelo), só foi batido este fim-de-semana, no Jamor, na final da Taça de Portugal entre Sporting e Sp. Braga – outra equipa que aceitou o repto da federação e criou uma equipa com muito bons resultados.

 

A RTP transmitiu, com soluços, a final e pode ter ajudado a retirar alguns curiosos da assistência presencial, mas o registo foi mesmo batido, com o número oficial a atingir os 12213 espetadores.

 

No futebol masculino, apenas sete equipas acolheram jogos com mais espetadores esta época: Benfica, FC Porto, Sporting, V. Guimarães, Sp. Braga, Boavista e Belenenses. Feitas as contas, o número de 12213 espetadores ficaria a apenas a 23 espetadores do Belenenses-Benfica, que foi a 81.ª maior assistência da temporada 2016/17.

 

Precisamos do Sporting. E do Benfica e do FC Porto

 

O balanço no final da primeira época com a nova estrutura traduz claramente que fazia falta um clube assim ao futebol feminino. Foi o Sporting mas poderia ter sido igualmente o Benfica ou o FC Porto. Um clube capaz de movimentar massas, não só ao nível de adeptos mas também na capacidade de provocar o interesse nas mais jovens e ajudar à formação de mais e melhores gerações no futuro.

 

O Sporting foi um primeiro passo. O aparecimento de Benfica e FC Porto poderá ajudar a elevar ainda mais a bitola, mesmo que essa competição traga automaticamente as desvantagens das facetas mais doentes das rivalidades entre os três grandes.

 

Na promoção e desenvolvimento de modalidades menos mediáticas, clubes como estes poderão ter um contributo de serviço público e, gradualmente, tornar o desporto mais cativante e com condições para que as crianças não se sintam tão limitadas na altura de escolher uma modalidade.

 

A notícia do regresso do voleibol do Sporting a partir da próxima época foi outra boa notícia, praticamente com base nas mesmas premissas. Com cinco títulos no historial – três deles de forma consecutiva na década de 90 -, os leões trarão obrigatoriamente um fator de interesse adicional nos seus próprios adeptos. Mas não ficamos por aí. A rivalidade com o Benfica poderá reflorescer e provocar um aumento de projeção e mediatismo ao voleibol.

 

Três andorinhas não fazem a primavera

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Hóquei em patins e andebol são as únicas modalidades coletivas de maior expressão, excetuando o futebol masculino, em que Sporting, Benfica e FC Porto competem semanalmente. O futsal não tem o FC Porto, o basquetebol não tem o Sporting e o voleibol não tem o FC Porto.

 

O sucesso destas modalidades não está dependente – nem nunca deverá estar – da presença de qualquer um dos três grandes, mas todos os números apontam para que o interesse cresça dessa forma. Por muito sucesso que tenham, a tradição aponta para outra perspetiva.

 

Equipas como a Ovarense, o ABC, o Óquei de Barcelos e o Sp. Espinho parecem carregar o verdadeiro espírito de cada uma das modalidades a que dizem respeito. Está-lhes no ADN. Enquanto Sporting, Benfica e FC Porto foram desaparecendo e reaparecendo do panorama, dependendo de decisões presidenciais, os quatro carregaram o estatuto de símbolo da modalidade.

 

Hoje, as dificuldades financeiras e as apostas mais sérias dos grandes fazem com que se torne mais difícil conquistar títulos. No basquetebol, a Ovarense não ganha desde 2008, enquanto o último campeonato do Óquei de Barcelos foi em 2001. No andebol, o ABC vive uma boa fase (campeão na época passada e vencedor da Taça Challenge) e o voleibol é o único caso em que a equipa-bandeira é também a mais titulada na história da modalidade: o Sp. Espinho foi campeão em 2012 e lidera o palmarés com 18 campeonatos.

 

Não há solução à vista

 

Ter os três grandes numa competição é bom. Aumenta as assistências e faz com que haja mais gente interessada e a acompanhar os resultados, mas o lote de desvantagens também pode ser arrasador.

 

Sporting, Benfica e FC Porto têm hoje uma capacidade para financiar modalidades que não está ao alcance dos «clubes-bandeira». Os grandes vão surgindo cada vez mais como eucaliptos que sugam o talento das mais importantes escolas de formação do país (a região de Espinho é o maior exemplo no voleibol) e inclinam cada vez mais o tabuleiro, agravando as assimetrias.

 

As pequenas empresas são incapazes de patrocinar os clubes locais como faziam no passado e o jogo parece estar viciado à partida. Não há um caminho óbvio para aumentar a cultura desportiva e o número de praticantes sem pôr em causa o futuro dos pequenos clubes.

 

Não devíamos mas precisamos do Sporting. E do Benfica e do FC Porto. Falta saber se conseguimos elevar o nível em Portugal sem provocar o lento definhamento dos outros.

 

RPS