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É Desporto

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10 de Maio, 2019

Mundial-1999. A explosão mediática do futebol feminino

Rui Pedro Silva

EUA-1999 foi um palco de festa

A experiência que os Estados Unidos angariaram com a organização do Mundial-1994 (futebol masculino) foi decisiva para que a fase final de 1999 se assumisse como um sucesso estrondoso. Em nenhum outro país o futebol feminino roubava a atenção dada aos homens e o sucesso alcançado pela seleção foi o mote imediato para que os estádios se enchessem de curiosos.

 

Sim, podia não ser futebol americano. Sim, podia não ser basebol, basquetebol ou hóquei no gelo. Mas o «soccer» estava na moda e ter uma seleção forte, capaz de conquistar o título, era razão mais do que suficiente para que os enormes estádios norte-americanos registassem lotações esgotadas.

 

Se dúvidas existissem, as cerca de 79 mil pessoas que presenciaram o jogo de abertura (Estados Unidos-Dinamarca, 3-0) dissiparam qualquer incerteza. Os números do Mundial-1999 seriam esmagadores. Quatro anos antes, a Suécia havia registado uma lotação total a rondar os 112 mil espetadores e excedera as expectativas dos organizadores. Agora, nem mesmo o meio milhão de espectadores do China-1991 servia como meta. Ia ser uma fase final em grande… com tudo a que tinham direito.

 

Este foi o primeiro Mundial feminino organizado durante a presidência de Sepp Blatter. Uma década antes, tinha sido o suíço a aceitar o mandato de João Havelange para tratar de incluir uma prova feminino no calendário da FIFA. Mais de dez anos depois, o futebol feminino estava em franca expansão e o balanço era positivo.

 

Blatter reconhecia não só o sucesso deste projeto mas também o papel que os Estados Unidos tinham desempenhado no crescimento da modalidade. «O futebol feminino tinha uma grande dívida para com os Estados Unidos, mesmo antes da organização deste Mundial, tendo em conta o trabalho pioneiro no futebol feminino, reconhecendo o seu potencial como força social e o seu valor para a prática de uma atividade saudável para um enorme setor da comunidade.»

 

O novo presidente também não perdia tempo em puxar o mérito da FIFA, que viu no futebol feminino a área de maior crescimento do novo século. «Para o conseguir, é emular o exemplo americano em países de todos os continentes», escreveu no relatório técnico da competição.

Espetáculo chegou às balizas

Os elogios aos Estados Unidos eram transversais. Mais do que uma competição, a fase final foi também um exemplo de sucesso mediático, seja a nível de publicidade ou de transmissão televisiva. Até Portugal parou com as transmissões frequentes de jogos do Mundial.

 

O presidente do Comité de Futebol Feminino da FIFA, Ravn Omdal, salientou também a forma como a competição se tornou mais equilibrada. A ideia pode ter sido pura mas os números não confirmam necessariamente a ideia de que «os resultados de cada jogo estiveram sempre em dúvida sem uma diferença embaraçosa de qualidade entre as equipas mais fortes e as mais fracas».

 

O que dizem os números? Quatro anos antes, na Suécia, tinham-se registado quatro jogos com diferença igual ou superior a cinco golos: Dinamarca-Austrália (5-0), Alemanha-Brasil (6-1), Noruega-Canadá (7-0) e Noruega-Nigéria (8-0). Em 1999 houve sete: China-Noruega (5-0 numa meia-final), Rússia-Japão (5-0), Alemanha-México (6-0), Noruega-Canadá (7-1), Brasil-México (7-1), EUA-Nigéria (7-1) e China-Gana (7-0). Por outro lado, este fenómeno foi acompanhado pelo aumento do número de equipas: de 12 para 16 seleções.

 

Analisando as estatísticas, é possível defender que o equilíbrio aumentou, sobretudo ao perceber que seleções outrora sem hipóteses, como Brasil e Nigéria, superaram a fase de grupos pela primeira vez.

 

Omdal focou-se ainda mais nas características positivas de evolução nas fases finais: «Quando comparamos o Mundial de 1999 com o de 1991, o desenvolvimento provavelmente mais gratificante é o aumento da profundidade, tanto a nível individual numa equipa, bem como a nível de seleções, com o fortalecimento de algumas que noutras edições serviriam como carne para canhão».

 

«O futuro do futebol é feminino. E o futuro é promissor», garantia.

 

Sucesso estrondoso em todas as análises

Estados Unidos somaram segundo título mundial

As estatísticas do Mundial-1999 confirmaram as expectativas. A média de espectadores por jogo subiu de 4316 para 37944 e a final, entre Estados Unidos e China, registou 90 mil pessoas na bancada. Nem o presidente norte-americano, Bill Clinton, quis faltar.

 

Não foi apenas um espetáculo, no verdadeiro sentido da palavra, bem promovido. O futebol era de grande qualidade e as pessoas gostavam do que viam. A média de golos por jogo subiu de 3,81 para 3,84, com os números absolutos a aumentarem de 99 para 123 golos.

 

E podia ter sido ainda melhor. Até aos dois últimos jogos da competição, não tinha havido um único nulo, nem uma vitória por apenas 1-0. Os jogos tinham sempre golos, alterações de tendência e emoções vibrantes. Mas depois, na fase mais decisiva da prova, chegou a seca. Tanto o jogo de atribuição do terceiro lugar (Brasil-Noruega) como o da final (EUA-China) foram decididos no desempate por grandes penalidades após um 0-0. Estes foram também os primeiros nulos na história das fases finais de Mundiais femininos.

 

A ausência de golos pode ter sido um problema na altura mas hoje, olhando para trás, a final de 1999 protagonizou um dos momentos mais memoráveis do Mundial, quando Brandi Chastain despiu a camisola e festejou o título ao marcar a grande penalidade decisiva para os Estados Unidos.

 

As norte-americanos celebraram o seu segundo título e as contas finais confirmaram que a assistência total superou o milhão de espectadores, mais do que o dobro do que havia sido registado na China, oito anos antes.

 

Portugal, uma vez mais, ficou de fora desta festa, ao terminar o grupo de qualificação no terceiro lugar, atrás da Dinamarca (a grande desilusão na fase final) e da Rússia. Somou apenas dois triunfos, ambos contra a Bélgica.

 

O Brasil foi a surpresa mais agradável da prova – não só garantiu o terceiro lugar como apresentou Sissi ao mundo (segunda melhor jogadora e vencedora do troféu de melhor marcadora, apesar de ter marcado tantos golos como a chinesa Sun Yen, que foi considerada a melhor jogadora da prova).