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É Desporto

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29 de Março, 2018

Mississippi State. Nada era mais importante do que o basquetebol

Rui Pedro Silva

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Governador fez de tudo para impedir que a equipa defrontasse um adversário com jogadores afro-americanos mas a coragem e a dedicação do presidente da universidade e do treinador foram essenciais para ludibriar o controlo e escapar a meio da noite. Mississippi State pode ter perdido com os futuros campeões (Loyola Chicago) mas deu um exemplo memorável contra o segregacionismo. Foi em 1963. 

 

Paixão pelo jogo

 

A equipa de James McCarthy era a melhor do estado do Mississippi. Tinha sido campeã da divisão (SEC) em 1959, 1961 e 1962, mas em nenhuma dessas ocasiões teve a oportunidade de lutar por um título nacional. Porquê? Racismo.

 

O estado era um dos que tinha imposições segregacionistas mais radicais naquela altura e o governador não autorizava a equipa de Mississippi State a defrontar adversários que integrassem jogadores afro-americanos nos seus plantéis.

 

Resultado? Ano após ano era Kentucky que aparecia a representar a divisão, para desespero dos adeptos, dos jogadores, dos treinadores, de todos aqueles que gostavam de basquetebol e queriam apenas ter a oportunidade de lutar por um título.

 

Em 1963, a gota de água chegou. Mississippi State integrou o torneio mas teve de enfrentar a resistência do governador e do quadro diretivo da universidade quando se percebeu que iria defrontar Loyola, uma equipa de Chicago com quatro jogadores afro-americanos no cinco inicial, na meia-final regional em East Lansing, no Michigan.

 

O governador Ross Barnett, um indefectível racista, fez tudo o que estava ao seu alcance. Ameaçou a universidade e, quando viu que não tinha conseguido provocar qualquer tipo de receio, partiu para uma batalha no tribunal para garantir que a equipa fosse formalmente impedida de abandonar o estado.

 

Plano criativo mas necessário

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O presidente da universidade, Dean Colvard, e o treinador, James McCarthy, tinham um plano para escapar à injunção temporária do tribunal. A meio da noite, Colvard saiu para uma conferência no Alabama, enquanto os treinadores foram para o Tennessee.

 

Os jogadores, porém, ficaram escondidos num hotel no Mississippi, junto à fronteira com o Tennessee, onde era menos provável que tentassem atravessar a fronteira. Os suplentes foram os primeiros a tentar cruzar a linha, usados como isco, garantindo que o plano não tinha falhas. Quando não houve problemas, o resto da equipa foi logo de seguida.

 

O ponto de encontro era em Nashville. «Estávamos todos muito nervosos. Não tínhamos o nosso treinador, não tínhamos metade da nossa equipa. Não sabíamos o que ia acontecer nem se seríamos capazes de chegar ao jogo», recordou o jogador Bobby Shows.

 

O pior ainda estava para vir. Tinham conseguido ludibriar o governador e a polícia estadual, mas as ameaças começaram a chover no hotel, entre cartas de membros do Ku Klux Klan ou insultos de outros racistas que não se conformavam com a atitude desafiante.

 

Jogo para a história

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O duelo entre Mississippi State e Loyola ficou conhecido como o The Game of Change. À hora marcada, o pavilhão estava cheio, as duas equipas estavam preparadas e não havia um único conflito. Apenas a partilha da paixão pelo basquetebol.

 

Antes da bola ao ar, Jerry Harkness de Loyola e Joe Dan Gold cumprimentaram-se no círculo do meio-campo e propiciaram uma explosão de flashes a disparar, com dezenas de fotógrafos a não quererem perder o momento histórico.

 

«Quando os flashes começaram a disparar, senti que estava a fazer história, mas acho que não há muita gente que saiba disso agora. Aquele jogo, se me perguntam, foi essencial. Acho que foi o início das mudanças no basquetebol universitário. Acredito mesmo nisso. Só não sei se os outros sabem tanto como eu», disse Harkness.

 

Em campo, a supremacia de Loyola, que viria a sagrar-se campeão, não foi posta em causa (71-61), mas para muitos o jogo era mais do que isso. Shows lembra até que a banda de Loyola chegou a tocar a música habitual de Mississippi State. «Nunca mais esquecerei isso», garante.

 

Do outro lado, Bobby Shows não via a luta pela igualdade como maior prioridade naquela noite. «Ninguém sabia bem o que aquilo representava na altura. Só queríamos calçar os ténis e ir jogar.»

 

«Loyola venceu o campeonato mas Mississippi State ajudou a que a vida se tornasse um pouco melhor. Tenho orgulho desta equipa e de toda a gente que ajudou o nosso estado a progredir, com muita coragem e convicção», disse o diretor atlético da universidade, Scott Stricklin, 50 anos depois.

 

Repercussões imediatas

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A iniciativa corajosa de Mississippi State mereceu elogios e o regresso a casa não foi tão duro como poderiam pensar. À chegada, no aeroporto, cerca de 500 adeptos fizeram questão de marcar presença para receber de forma eufórica os jogadores que tinham contornado todos os obstáculos para tentar oferecer um título à sua equipa, sem olhar ao preconceito.

 

O treinador McCarthy aproveitou para deixar um aviso: «Ou criam uma lei a impedir-nos ou vamos continuar a voltar para jogar sempre que for preciso».

 

No 50.º aniversário do jogo, Scott Stricklin deixou bem presente por que foi especial aquele momento: «Os campeões da SEC tiveram a oportunidade que muitas equipas anteriores da universidade não tinham tido: lutar pelo título nacional contra as melhores equipas do país».

 

A mensagem transmitida pela ida a jogo começou a abalar as estruturas obsoletas estabelecidas com base no racismo e em 1967 a SEC permitiu finalmente um jogador afro-americano nas suas equipas: Perry Wallace em Vanderbilt.

 

Em 2011, quando Joe Dan Gold morreu, a outra figura da fotografia histórica fez questão de marcar presença no funeral. «A família inteira dele veio ter comigo. E, junto ao caixão, havia a nossa famosa fotografia. Perdi a compostura ali e comecei a chorar», disse Harkness.

 

O campeão por Loyola voltou para casa, contou à família o que tinha acontecido e choraram todos em conjunto. «Não tinha como não ir ao funeral dele. Tenho a certeza de que ele também teria ido ao meu», garantiu.