Miriam Blasco. Encontrar o amor numa final olímpica
Foi há 25 anos. Miriam Blasco estava de rastos depois de o seu treinador ter morrido num acidente com a moto que a espanhola tinha comprado para o marido após ser campeã do mundo. Pensou em desistir da carreira mas fez história ao tornar-se a primeira medalha de ouro do desporto feminino espanhol na história dos Jogos Olímpicos. Hoje, é casada com a adversária que derrotou nessa final.
Uma medalha com sentimento de culpa
Barcelona, julho de 1991. Os Jogos Olímpicos estavam a um ano de distância e Miriam Blasco surgia nos Mundiais de judo com o estatuto de campeã europeia. O trabalho estava a dar resultado e a espanhola de Alicante, nascida em dezembro de 1963, voltou a subir ao lugar mais alto do pódio.
Era o momento mais feliz da carreira, até porque tinha sido campeã europeia dois meses antes. A situação financeira estava mais desafogada e decidiu comprar uma moto ao marido, Alfonso Aracil. Menos de um ano depois, foi ao volante dessa moto que o treinador, Sergio Cardell, morreu num acidente em vésperas dos Jogos Olímpicos.
Miriam quis desistiu mas o marido não deixou. Não podia deitar tantos anos de trabalho por terra. A melhor forma de honrar Sergio era chegar à glória olímpica naquela tarde de 31 de julho de 1992.
O Palau Blaugrana estava à pinha a gritar o nome de Miriam e nem os reis de Espanha faltaram à festa. Ali, na final dos -56 quilos, a judoca poderia conquistar o primeiro título olímpico feminino para a Espanha. Do outro lado, estava uma atleta britânica. Chamava-se Nicola Fairbrother.
O combate foi equilibrado e um yuko foi suficiente para o desempate. Quando o cronómetro chegou ao zero, Miriam caiu de costas no tatami e levou as mãos à cara. Esteve assim uns quinze segundos até o árbitro lhe tocar no ombro e pedir-lhe para levantar-se. Depois de ser dada como vencedora, cumprimentou a rival e seguiu para as bancadas, que já gritavam em coro o nome de Sergio. Abraçou a mulher do treinador, depois o marido e, finalmente, os pais e sete dos seus oito irmãos.
Emoção impossível de conter
Miriam Blasco nunca esqueceu tudo o que tinha levado àquele momento. «O Sergio morreu com a moto que eu tinha comprado ao meu marido depois de ter sido campeã do mundo, por isso tinha um pouco de sentimento de culpa. Durante muitos anos senti-me culpada pelo que passou», confessou esta semana, 25 anos depois da inédita conquista.
Na altura, a emoção já era impossível de conter. «Sonhei com este momento muitas vezes e gostava de ter a oportunidade de dizer ao Sergio que o conseguimos finalmente», afirmou na conferência de imprensa entre lágrimas.
«Sinto uma mistura de sensações contraditórias. Estou feliz por ter conseguido o ouro mas sinto que me falta algo. É muito difícil explicar o que me vai na alma», acrescentava, entre desejos de não ser famosa e de poder ajudar a fazer crescer o judo espanhol com aquela medalha.
O futuro era uma incógnita. «Disse várias vezes que me retiraria depois de Barcelona mas agora não sei. Gosto demasiado de ganhar, gosto demasiado de competir e talvez esteja em Atlanta para voltar a sentir-me desta maneira», disse.
Vida mudada em Atlanta
Quatro anos depois, Miriam Blasco tinha uma vida diferente. Esteve em Atlanta, sim, mas como treinadora. Em 1994, despedira-se das grandes provas com uma medalha de bronze nos -61 quilos nos Europeus de Gdansk. Nos Estados Unidos, os festejos foram outros, uma vez que as suas pupilas Isabel Fernández e Yolanda Soler conseguiram ambas o terceiro lugar.
Por esta altura, Miriam Blasco já não era casada com Alfonso. A vida tinha-lhe trocado as voltas, divorciara-se e estava agora com uma antiga campeã europeia e jornalista desportiva chamada… Nicola Fairbrother. Essa mesmo, a britânica que havia derrotado na final olímpica de Barcelona.
Hoje a dupla continua junta e casou-se há praticamente dois anos. «A Nicola já me perdoou [pela final]. Estamos juntas há 22 anos. Às vezes, digo-lhe a brincar que não sei se esta relação seria igual se eu tivesse perdido», disse à televisão espanhola esta semana.
«A Nicola é a pessoa mais importante da minha vida agora», confessa, revelando que no casamento levou a medalha de prata de 1992 enquanto a futura mulher foi com a de ouro.
RPS