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É Desporto

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31 de Julho, 2016

Mike Piazza. A improvável cunha que fez história na MLB

Rui Pedro Silva

Mike Piazza

Foi a 1390.ª escolha do draft de 1988 porque o pai era amigo de infância do treinador dos LA Dodgers e pediu um favor inofensivo. Fruto de uma obsessão do pai pelo basebol, protagonizou uma das histórias mais improváveis no desporto norte-americano. Depois de 15 épocas, uma final e 427 home runs, tornou-se a escolha mais tardia de um draft a ser eleita para o hall of fame.

 

A obsessão do pai

«Se tivesse feito ao meu filho mais novo o que fiz ao Mike, provavelmente teria sido acusado de abuso de crianças». A declaração de Vince Piazza, no final da década de 90, diz tudo sobre a importância que o milionário do ramo dos automóveis em segunda mão deu ao desejo de ter o filho como jogador profissional de basebol.

Com cinco anos, ofereceu-lhe pela primeira vez uma mola de mão. «Tentei fazer com que começasse a trabalhar os braços o mais cedo possível para depois não estranhar», contou Vince, confessando que depois foi mais longe com várias marretas (cada vez mais pesadas de acordo com a idade).

«Ele balouçava a marreta 200 vezes por dia como se fosse um taco de basebol. Todos os pais querem que os filhos joguem na Little League, mas eu era um bocado mais fanático. Acho que vi a habilidade que ele tinha e percebi que não havia nada de basebol que não lhe pudesse dar», continuou.

Mike não se queixava. E adorava basebol. A amizade do pai com Tommy Lasorda, treinador de terceira base dos Los Angeles Dodgers em 1977, ajudou. Na altura, era apenas uma criança de nove anos mas festejou no balneário da equipa o título da National League.

No quintal, tinha uma estrutura pronta para treinar e chegava a bater 200 a 300 bolas por dia, atiradas pelo pai. Numa dessas vezes, recebeu uma visita de luxo: Ted Williams. O histórico jogador dos Boston Red Sox (1939 a 1942 e de 1946 a 1960) ficou impressionado com o que viu num miúdo de 12 ano.

«Bate melhor do que eu com a idade dele», disse, deixando depois um conselho sussurrado ao jovem sonhador: «Nunca deixes alguém mudar-te o swing». Mike Piazza estava nas nuvens e não descansou enquanto não teve o seu livro autografado. Aí, Ted Williams foi visionário: «Um dia vou precisar de bilhetes, não te esqueças de mim».

Mike não tinha problema com a vida que o pai queria para ele. «Tudo o que queria era jogar basebol, era um rapaz invulgar para a idade. Não socializava muito nem ia para os bailes com as raparigas. Vinha do jogo e ia diretamente para o quintal», garante o pai.

 

Um favor de luxo

Tommy Lasorda

Mike Piazza tinha todas as peças em movimento e em 1988 entrou no draft. Por essa altura, Tommy Lasorda já era o treinador principal dos Dodgers e recebeu um pedido do amigo de infância. Vince pedia-lhe para escolher o miúdo, fosse quando fosse, só para cumprir um sonho.

Foi preciso esperar 62 rondas. Num draft com 1401 escolhas, o jogador de Miami-Dade só ouviu o seu nome depois de outros 1389. Isso mesmo, foi o 1390.º a ser escolhido.

As probabilidades de sucesso daquele primeira base eram diminutas. Mas Mike nunca descansou e Tommy fez o que pôde por ele. Primeiro, aconselhou-o a mudar de posição. Disse-lhe que teria mais hipóteses de sucesso de chegar à Major League se passasse a ser catcher.

Como a mudança não se faz do dia para noite, Lasorda enviou-o para um estágio na República Dominicana, onde seria o único elemento a falar inglês. Habituado a noites ao relento, com muito frio, Piazza não se sentiu incomodado com as dificuldades. Estava a perseguir um sonho.

 

Quatro anos de espera

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A noção de cunha associada a Mike Piazza demorou muito tempo a desaparecer. A ligação a Lasorda era inevitável por isso o jogador foi obrigado a calar os críticos no único local onde podia: dentro de campo.

Quatro anos depois do draft, a estreia chegou finalmente, a 1 de setembro de 1992, já perto do final da época. Em 1993, explodiu. Sem nunca ter sido visto como grande jogador no aspeto defensivo, as horas a fio passadas com molas de mão e marretas deram resultado.

A potência e capacidade de bater de Mike Piazza tornavam-no único. Em 1993, ajudaram-no a conseguir 35 home runs e a ser distinguido com o prémio de rookie do ano. A carreira estava à espera e já poucos se lembravam que tinha sido escolhido apenas por favor e depois de outros 1389 jogadores que, na sua maioria, nunca chegaram a ter sequer um vislumbre do que é jogar na Major League.

 

As trocas e o 11 de setembro

Mike Piazza jogou nos Dodgers até 1998, altura em que foi trocado para os Florida Marlins mas onde só durou uma semana, seguindo para os New York Mets depois de cinco jogos.

Em Nova Iorque, encontrou a sua verdadeira casa. Foi lá que alcançou a única World Series da carreira, perdida para os vizinhos Yankees em 2000, e onde, em 2001, teve um dos momentos mais emocionantes do basebol.

Os atentados do 11 de setembro estavam vivos na memória de todos e os Mets recebiam os Braves no primeiro evento desportivo disputado na cidade desde o ataque às Torres Gémeas. A equipa de Atlanta vencia por 2-1 na segunda metade do oitavo inning mas um home run de Piazza virou a partida para 3-2, o resultado com que chegou ao fim.

 

Balanço de estrela

 Os dois últimos «reforços» do hall of fame

A carreira chegou ao fim a 30 de setembro de 2007, depois de duas épocas na Califórnia (uma nos San Diego Padres e outra nos Oakland Athletics). Para trás, ficaram 427 home runs e 12 viagens ao all star.

«Que vida fantástica tive um no basebol. Quase que consigo agarrar todas as memórias. É uma verdadeira bênção e estou muito, muito grato», afirmou na altura.

Faltava mais um passo: chegar ao hall of fame. Depois de três anos em que constou nas votações mas sem alcançar os 75% necessários, Mike Piazza fez finalmente história.

Com 365 votos em 440 possíveis (83%), o atual dono do Reggiana tornou-se este mês na escolha mais tardia da história do draft a alcançar o hall of fame.

Com ele, foi eleito também Ken Griffey Jr, primeira escolha do draft de 1987. Curiosamente, também ele fez história: nunca um jogador nessa posição tinha chegado à elite. 

RPS