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É Desporto

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11 de Setembro, 2016

Melissa Stockwell. Perder a perna no Iraque, ganhar uma medalha no Rio?

Rui Pedro Silva

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Norte-americana foi a primeira mulher militar a sofrer uma amputação durante a guerra do Iraque. Patriota desde pequena (decorava o quarto com as cores da bandeira dos Estados Unidos), representar o país nos Jogos Paralímpicos é um sonho concretizado. Em Pequim, ficou desiludida com o desempenho na natação mas no Rio de Janeiro vai à procura de uma medalha no triatlo.

 

«Sempre quis ser militar, sempre quis fazer parte do exército»

 

Melissa Stockwell é patriota desde que se lembra. Quando era nova, decorava o quarto com as cores da bandeira dos Estados Unidos e ficava vidrada a olhar para a televisão na altura dos Jogos Olímpicos, sonhando com a oportunidade de um dia poder estar ali, com o mesmo papel.

 

Nunca se proporcionou. Melissa praticou ginástica artística mas não tinha o talento para chegar à prova. A rota do desporto foi esquecida e dedicou-se aos estudos. Quando as Torres Gémeas caíram em 2001, estava a arrancar para o último ano do curso de Comunicações.

 

Naquele momento, não teve dúvidas e alistou-se para poder defender o país das ameaças externas. Com ela, levou o namorado (Dick), que conheceu na faculdade e que é hoje o seu marido e pai do filho de dois anos.

 

«Sempre quis ser militar, sempre quis fazer parte do exército», garante, reforçando o orgulho que sente em ser norte-americana.

 

Azar em Bagdade

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A militar foi enviada para o Iraque em março de 2004, um dia antes de Dick seguir o mesmo caminho. Fazia parte da primeira divisão de cavalaria e numa viagem de rotina em Bagdade, a 13 de abril, a sua vida mudou para sempre.

 

Na caravana de reconhecimento, seguia sentada atrás do condutor no primeiro veículo, quando este passou por cima de uma bomba. Melissa ficou imediatamente sem a perna esquerda.

 

Foi a primeira mulher militar a perder um membro na guerra do Iraque e acabou condecorada com uma Estrela de Bronze e um Coração Púrpura pelos serviços prestados.

 

O choque poderia ter sido maior, sobretudo quando se viu rodeada de outros militares amputados. «Lembro-me de pensar que ia correr tudo bem e de ficar agradecida por não ter acontecido a um outro soldado. Não tenho nada de que me queixar, considero-me uma sortuda», disse, lembrando que outros tinham ficado sem as duas pernas, ou sem os braços.

 

Caminho de recuperação

 

Melissa Stockwell garante que sempre foi uma pessoa otimista mas os primeiros meses após a amputação foram complicados. Com sucessivas infeções, foi submetida a 15 intervenções cirúrgicas até se poder concentrar em começar uma nova vida.

 

No total, foram 52 dias até testar uma prótese para a perna esquerda. No centro de reabilitação fez natação, por ser mais fácil e por não precisar de uma prótese, e foi aí que começou a pensar em dedicar-se novamente ao desporto.

 

O início foi delicado. «Quando me juntei a uma equipa, senti-me intimidada. Não tenho uma perna e não há como esconder isso de fato de banho», explica, garantindo que depois sentiu força para levar tudo em frente, mesmo que houvesse pessoas a estranhar e a perguntar o que se tinha passado.

 

«Sempre fui uma pessoa muito otimista. Aproveito a vida agora ainda mais do que antes. Dou muito valor às pequenas coisas, aquelas em que as pessoas raramente pensam», esclarece.

 

Trabalho e desporto

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O curso em Comunicações acabou por ter pouca utilidade, uma vez que foi tirar um certificado para poder trabalhar como protesista. «Ajudas literalmente as pessoas a voltarem a pôr-se de pé. É uma recompensa muito grande», explica a atleta que entre 2005 e 2014 também fez parte da direção de uma organização de apoio a soldados feridos.

 

O desporto tornou-se num recurso fundamental. «Sabia que não voltaria a ser igual a mim mesma até voltar [a praticar]. Pode parecer foleiro, mas no dia em que consegui o tempo para participar nos Paralímpicos, o meu sonho concretizou-se», confessa.

 

Em 2004, ainda estava longe. Depois de correr a maratona de Nova Iorque em 2005, numa cadeira de rodas, foi melhorando cada vez mais os tempos na natação.

 

Quando ouviu uma palestra sobre os Paralímpicos – altura em que soube pela primeira vez o que era o evento -, estabeleceu o objetivo: «Quando era nova, sempre sonhei em ir aos Olímpicos como ginasta. Isto foi como uma segunda oportunidade para me transformar numa atleta. Foi um objetivo imediato, um sonho.»

 

Pequim-2008

 

Na China, Melissa Stockwell tornou-se a primeira veterana da guerra do Iraque a participar em Jogos Paralímpicos. Na natação, competiu nos 100 metros mariposa, nos 100 metros livres e nos 400 metros livres.

 

«Não tive sucesso, infelizmente. Não cheguei a nenhuma final nem consegui fazer os meus melhores tempos. Mas ter representado os Estados Unidos e ter sido porta-estandarte na cerimónia de encerramento fizeram de Pequim uma experiência que nunca esquecerei.»

 

A natação fez parte do processo. Quando se começou a sentir mais confortável com a prótese, percebeu que podia diversificar. E escolheu o triatlo. O resultado não podia ter sido melhor, tendo já conquistado o Mundial na categoria TRI2 (para amputados acima do joelho) três vezes: Budapeste-2010, Pequim-2011 e Auckland-2012.

 

No Rio de Janeiro, edição que terá pela primeira vez uma prova de triatlo, volta a estar nos Paralímpicos. «Antes fui à procura da experiência só. Agora, não há palavras para descrever o que é repetir», confessa, acrescentando que vive para cruzar a linha de meta.

 

«É isso que me faz sentir realizada.»

 

RPS