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É Desporto

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16 de Abril, 2021

Mayweather Jr. vs. Pacquiao. O combate que chegou demasiado tarde

Rui Pedro Silva

Mayweather Jr. vs. Pacquiao

A espera tinha chegado ao fim. O combate que se chegou a pensar que não teria margem para acontecer disputou-se mesmo. Num canto do ringue, Floyd Mayweather Jr., o favorito, o campeão sem derrotas em 47 combates, o excêntrico que não olha à conta bancária quando lhe apetece gastar dinheiro; no outro canto, Manny Pacquiao, o filipino que não se esquece de onde vem e se preocupa mais com garantir que outras crianças não sejam obrigadas a passar o mesmo que ele teve de ultrapassar que com viver num mundo de gastos e luxo.

O frente-a-frente entre os dois melhores pugilistas da atualidade tinha sido prometido pela primeira vez em 2009 – com data marcada para 13 de março de 2010 –, mas era apenas o começo de uma longa maratona que para muitos críticos, visionários, teria uma meta demasiado tardia.

Entre março de 2010 e maio de 2015, Mayweather Jr. manteve-se imbatível, mas Pacquiao somou duas derrotas e chegou a considerar o abandono do boxe por falta de motivação e por, alegadamente, já não se sentir bem a magoar outras pessoas.

Na data agendada para o combate, um tinha 38 anos, o outro 36. Estavam na fase descendente da carreira e deixaram-se levar pela expectativa que nunca esmoreceu o suficiente para se desistir de ver o combate que toda a gente desejava. O problema é que havia sempre algo a encravar a engrenagem.

As críticas iam para os dois lados: Mayweather Jr. era considerado um homem calculista, que temia demasiado o efeito de uma derrota no seu legado, Pacquiao demasiado reticente em relação à logística do plano antidoping. E depois, claro, houve sempre o dinheiro e a distribuição de receitas pelo meio.

Em 2009, Mayweather Jr. e Pacquiao eram os dois pugilistas mais empolgantes da modalidade. O norte-americano tinha regressado de uma pausa sabática para derrotar Juan Manuel Márquez como se nunca tivesse parado, enquanto o filipino bateu Ricky Hatton e Miguel Cotto com uma absoluta sensação de superioridade. O boxe estava em queda e desesperava por um confronto entre os dois, mas foi preciso esperar cinco anos repletos de avanços, recuos e críticas nem sempre justificáveis.

A calma antes da tempestade

Os controlos antidoping foram a primeira grande barreira: Pacquiao estava disposto a análises à urina sempre que necessário mas temia as sanguíneas. Não com medo do resultado dos testes mas das consequências no seu desempenho: acredita que perde força depois de tirar sangue e recusava-se a qualquer tipo de controlo nas duas semanas imediatamente anteriores ao combate. E Mayweather Jr. ia aproveitando para ser igual a si mesmo: «Pacquiao é um estúpido amarelo», afirmou em setembro de 2010.

«Um jovem e anão estúpido. Quando o derrotar, vou fazer com que esse gay me faça rolos de sushi e que me cozinhe arroz. Vou cozinhá-lo com cães e gatos.» Os comentários despropositados não caíram bem e o pedido de desculpa surgiu no dia seguinte. «Sentiram que o meu comentário foi racista mas eu não tenho um único osso racista no corpo. Amo toda a gente, vocês sabem disso. Só estava a divertir-me, não queria que me levassem a sério.»

Não havia dúvidas: o combate entre os dois seria sempre o mais lucrativo da história do boxe. Fosse em 2010 fosse em 2015, em Las Vegas. Mas as negociações financeiras também tiveram vários entraves, com Pacquiao a exigir uma distribuição idêntica numa primeira fase que provocou a recusa de Mayweather Jr. «O que lhe disse é que faria mais dinheiro a combater contra mim do que tinha feito na carreira inteira.»

A contraproposta também não agradou, explicou o filipino: «Ofereceu-me 40 milhões de dólares pelo combate mas sem divisão de receita. Não me falou de pay-per-views. Eu disse-lhe que aceitaria uma distribuição de 55/45.»

Os anos passaram e o acordo não foi desbloqueado. Manny Pacquiao perdeu alguma influência negocial com as duas derrotas em 2012 frente a Timothy Bradley e Juan Manuel Márquez mas Mayweather Jr. continuou a ser visto como o vilão, como o pugilista que não queria arriscar uma derrota num combate que toda a gente continuava a desejar, apesar de tudo. E quando acusou Pacquiao de ser um oportunista à procura de dinheiro, a resposta deixou-o sem palavras. Disse Pacquiao: «Desafio-o a fazermos um combate em que a receita vá toda para a caridade. Se ele for um verdadeiro homem vai lutar contra mim. Vamos fazê-lo pelo amor que temos pelo boxe e pelos fãs. Não o temos de fazer pelo dinheiro. Vamos deixar os adeptos felizes.»

Um dos poucos golpes do combate

«Soco mole em teimosia dura tanto bate até que fura.» Mayweather Jr. e Pacquiao estavam mais fracos em 2015 do que eram em 2010 mas a pressão para haver combate não diminuiu. E a 20 de fevereiro de 2015 deixou de haver dúvidas: havia acordo e o combate era oficial, com data marcada para 2 de maio no MGM Grand em Las Vegas. Os diferendos do passado tinham sido ultrapassados: Mayweather Jr. ficou com 60% das receitas e ambos aceitaram o modelo olímpico antidoping que foi posto em prática pela Agência Norte-Americana de Antidopagem (USADA).

Dessa forma, poderiam ser feitas análises de sangue e urina sem aviso, com os dois a estarem obrigados de informarem ao pormenor onde estavam a cada momento. Além disso, foram também testados imediatamente a seguir ao combate. Se alguns dos controlos fosse positivo, o infrator seria banido do boxe por um período de quatro anos.

O dinheiro começou a movimentar- se assim que o acordo foi oficializado. O pay-per-view nos Estados Unidos teve um valor mínimo de 79 euros e previa-se que gerasse pelo menos 266 milhões de euros (o valor não atingiu sequer os 160 milhões de euros) e a assistência de 16800 espectadores ao vivo gerou uma receita de quase 64 milhões de euros.

Só Manny Pacquiao terá contribuído com 3,5 milhões de euros para garantir um bilhete para cada um dos 900 elementos da sua comitiva. Do outro lado do mundo, nas Filipinas, a preocupação era outra. O responsável pela companhia elétrica apelou à população para desligar o máximo de aparelhos durante o combate para evitar quebras de energia.

«Esperámos tanto tempo por isto e agora que vai acontecer seria inaceitável se não tivéssemos a oportunidade de ver», afirmou. Se Mayweather Jr. queria dar entusiasmo ao «maior combate na história do boxe», Pacquiao trouxe as origens à conversa: «Costumava dormir nas ruas, faminto. Depois o Senhor pegou em mim e abençoou-me. Foi ele que me deu esta vida e quero partilhá-la com toda a gente. No final do combate, espero poder partilhar a minha fé com o Mayweather Jr. para que possamos inspirar mais gente. Espero que este combate sirva de inspiração para que pessoas de todos os cantos do mundo possam perceber que Deus pode transformar um nada em alguém.»

Quando a hora da verdade chegou, a inspiração foi muito escassa. O combate foi hiperdefensivo, Floyd Mayweather Jr. limitou-se a controlar os assaltos e beneficiou da postura inofensiva de Pacquiao que, uns dias mais tarde, apontou uma lesão no manguito para justificar o comportamento no ringue.

O público teve aquilo que esperava, um duelo entre Pacquiao e Mayweather Jr, mas a verdade é que foi impossível esconder a desilusão. A montanha pariu um rato. Foi um soco nas esperanças de milhões de adeptos espalhados por todo o mundo.