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É Desporto

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14 de Fevereiro, 2017

Marrocos. O caminho tortuoso do primeiro apuramento

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Houve uma eliminatória decidida num jogo de desempate e outra em que foi necessário recorrer à moeda ao ar. Tudo para fazer dos Leões do Atlas a primeira seleção africana a conseguir um verdadeiro apuramento para um Mundial de futebol. 

 

E no início havia as candidaturas

 

O Mundial estava numa fase preliminar e em 1930 nem sequer tinha havido apuramento. Quatro anos depois, após a fase final disputada no Uruguai, houve mais federações disponíveis para entrar numa fase embrionária da competição futebolística mais importante do mundo.

 

O Egipto foi uma das 32 interessadas. No final, apenas 16 viajariam para Itália. Fazendo parte de um grupo com a Turquia e a Palestina, a campanha de apuramento quase não se pode chamar isso. Os turcos desistiram mesmo antes de disputar qualquer jogo, enquanto os palestinianos não tiveram hipóteses frente aos Faraós: derrotas por 1-7 em Cairo e 1-4 em Jerusalém.

 

Os anos que se seguiram trouxeram um enorme hiato para o continente africano. Para 1938 e 1950, não houve sequer seleções africanas a disputar jogos de apuramento. O Egipto continuou a liderar a armada nas edições seguintes, mas a FIFA não facilitava nas condições de acesso, pensadas para favorecer seleções europeias e sul-americanas.

 

Em 1966, por exemplo, só havia uma vaga a sair da África, Ásia e Oceania. A Coreia do Norte fez a diferença e até surpreendeu em Inglaterra, derrotando a Itália na fase de grupos e estando a ganhar por 3-0 nos quartos de final contra Portugal até… Eusébio acontecer.

 

Finalmente uma vaga

 

 

 

O Mundial do México iria ter uma seleção africana. Estava garantido. Depois do boicote que as seleções africanas tinham promovido quatro anos antes, 1970 tinha reservada uma seleção para o continente.

 

Houve 13 países interessados mas a FIFA rejeitou as candidaturas da Guiné-Conacri e do Zaire (atual República Democrática do Congo). Feitas as contas, entre Gana, Zâmbia, Sudão, Marrocos, Senegal, Argélia, Tunísia, Nigéria, Camarões, Líbia e Etiópia, sairia o representante continental.

 

O brinde saiu a Marrocos. Mas esteve longe de ser um caminho fácil. Na primeira ronda de apuramento, contra o Senegal, dois jogos não foram suficientes. Depois de uma vitória (1-0) em Casablanca e uma derrota (1-2) em Dakar, os Leões do Atlas foram obrigados a disputar um encontro de desempate em Las Palmas. Aí, Bamous e Hefnaoui marcaram e garantiram o passaporte para a ronda seguinte.

 

A Tunísia revelou-se um adversário ainda mais complicado. Depois de dois nulos em Tunis e em Casablanca, Marrocos foi obrigado a disputar mais um encontro de desempate, desta vez marcado para Marselha, em França.

 

Houve golos, ao contrário do sucedido nos dois jogos anteriores, mas 120 minutos não foram suficientes para desfazer a igualdade a dois golos. Como na altura não havia ainda o desempate por grandes penalidades, o árbitro francês Michel Kitabadjian foi forçado a atirar uma moeda ao ar. A sorte sorriu aos marroquinos.

 

Último obstáculo

 

Faltava a terceira e última ronda de apuramento, mas o pior estava para trás. Marrocos, Nigéria e Sudão disputaram o lugar para o México-1970 mas, ao contrário das fases anteriores, nem foi preciso esperar pelo último jogo para fazer as contas.

 

A 26 de outubro de 1969, ainda antes do Nigéria-Marrocos, já os Leões do Atlas estavam apurados, graças ao triunfo confortável sobre o Sudão por 3-0. Em Ibadan, duas semanas depois, a Nigéria até venceu (2-0), mas não fez mais do que garantir o segundo lugar, com quatro pontos, a um do líder Marrocos.

 

Com duas vitórias e um empate nos primeiros três jogos, os Leões do Atlas beneficiaram de os dois adversários se terem anulado mutuamente nos jogos entre si, por culpa de dois empates.

 

«Foi uma sensação ótima porque foi o primeiro apuramento de Marrocos. Foi fantástico», disse o guarda-redes Allal Ben-Kassou.

 

Mundial do México

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Marrocos não surpreendeu no Mundial. Não teve capacidade para isso, mais não seja porque o sorteio não ajudou, colocando-o no grupo 4 ao lado da RFA, do Peru e da Bulgária.

 

«Se não tens a confiança e o crer, não deves ir. Nós estávamos confiantes e não tínhamos medo, apesar de o jogo inaugural ser difícil», continuou Ben-Kassou, falando da partida com a RFA, finalista do Mundial quatro anos antes e com uma equipa com Beckenbauer, Müller e Maier.

 

«No que nos dizia respeito, estávamos a representar Marrocos e o continente inteiro. O jogo tinha de ser encarado com a maior seriedade possível. Iria ser difícil, mas faríamos todos os possíveis para alcançar um resultado que agradasse», disse.

 

A história foi feita. Ainda na primeira parte, Houmane Jarir adiantou os marroquinos em León, batendo Sepp Maier aos 21 minutos. «Honestamente, não achávamos que tínhamos hipótese. Eles estavam a atacar-nos desde o início e estávamos a ter alguma sorte. Depois de alguma sorte, a nossa confiança fragiliza-se», explicou Ben-Kassou.

 

O guarda-redes tinha razão. Na segunda parte, Uwe Seeler marcou logo aos 56 minutos e Gerd Müller garantiu o triunfo a dez minutos do fim. Marrocos caía, mas de pé, de cabeça erguida e com a sensação de que também merecia aquele palco.

 

A derrota por 3-0 com o Peru no segundo jogo ditou a eliminação, mas os Leões do Atlas só saíram do México depois de conquistar um ponto, empatando com a Bulgária. Pela primeira vez na história, uma equipa africana não saía derrotada de uma fase final do Mundial.