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É Desporto

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14 de Agosto, 2016

Mariya Koroleva. O objetivo era falar melhor inglês

Rui Pedro Silva

Mariya Koroleva

Nasceu na Rússia mas emigrou para os EUA, com nove anos, por causa do trabalho do pai. A vontade de se integrar levou-a para a natação sincronizada e hoje, 17 anos depois, está pela segunda vez nos Jogos Olímpicos. «Não é de quatro em quatro anos, é todos os dias.» 

 

Vale sempre a pena experimentar

 

Mariya vivia em Yaroslavl com o pai Nikolay, a mãe Svetlana e o irmão recém-nascido Ivan quando emigrou. Havia várias possibilidades, sobretudo na Europa, mas a família foi parar ao outro lado do mundo, na Califórnia.

 

Era um sonho. Habituada a ver séries norte-americanas na televisão, imaginou-se na pele das personagens depois de uma radical mudança de hábitos. Só havia um problema: era preciso integrar-se o mais rapidamente possível. E falar inglês, claro.

 

Os primeiros dias não foram fáceis e Mariya recorda um episódio curioso, quando a família saiu à rua para ir comprar comida ao supermercado. «Não tínhamos carro ainda, por isso fomos a pé. Quando chegámos a uma daquelas passadeiras com semáforo, ficámos à espera do sinal do homenzinho a andar. Ainda não tinham passado dois segundos com o sinal verde quando a mão vermelha começou a piscar. Entrámos em pânico e recuámos. E fizemos aquilo duas ou três vezes, sem saber como seria possível atravessar a estrada em tão pouco tempo. Não tenho bem a certeza, mas acho que nesse dia voltámos para trás sem compras.»

 

Na escola, Mariya Koroleva procurava novas oportunidades para aumentar a velocidade de adaptação à nova rotina. Incentivada pelos pais a encontrar atividades extracurriculares, a jovem de nove anos foi seduzida por um cartaz que publicitava uma sessão de natação sincronizada. «Decidi tentar. Duas semanas depois, entrei para a equipa e o resto é história», lembra.

 

A natação sincronizada foi, apesar de tudo, uma escolha natural: «Já tinha feito ginástica e natação pura na Rússia. Por isso, achei que era uma boa combinação. Os meus pais queriam que me envolvesse, que assimilasse a cultura, que aprendesse melhor a língua.» Não deixa de ser curioso, no entanto, que tenha escolhido uma atividade em que grande parte do tempo está debaixo de água a nadar.

 

Dificuldades normais

Mariya Koroleva com o par para o Rio

Como sempre, o início teve obstáculos. «Ainda não falava muito bem inglês e não entendia o que a treinadora me dizia. Às vezes dizia só que sim e abanava com a cabeça, mas não percebia nada. Mas eles facilitavam um pouco, ajudando com gestos ao mesmo tempo que falavam.»

 

Mariya Koroleva gostava do que fazia, mas não tinha grande ambição para o futuro. Lembra-se de ver as equipas dos Estados Unidos em Sydney e Atenas, mas com aquela idade não tinha o sonho olímpico na cabeça. Não era a melhor da equipa - era só razoável - e as colegas recebiam mais atenção.

 

Até ao dia em que tudo mudou. «Com 14 anos, entrei para a equipa principal. Muitas das outras tinham 20 anos e a minha treinadora disse-me que se me dedicasse, teria o potencial para chegar longe e estar nos Jogos Olímpicos. Foi a primeira vez que me disseram que tinha potencial. Até aí achava sempre que estava na sombra. A partir desse momento, todas as decisões que tomei foi para garantir que me podia concentrar na natação sincronizada e estar junto da escola onde treinava.»

 

Nadar pela Rússia nunca foi uma possibilidade, mesmo que Mariya Koroleva gostasse de provocar as treinadoras com essa hipótese. «Eles [os russos] gostam de criar e moldar as nadadoras como querem desde muito novas. Como comecei aqui, cresci com o sistema norte-americano», afirma.

 

A estreia em Londres

 

O caminho para os Jogos Olímpicos em 2012 foi muito difícil. Nos seis meses anteriores, foi operada às costas e sofreu uma concussão. A paragem atrasou ainda mais a coordenação com o par, Mary Killman, com quem só tinha começado a trabalhar em 2011.

 

«Ao mesmo tempo, a experiência foi muito satisfatória», confessa Mariya Koroleva num podcast da Sports Illustrated, antes de relembrar o nervosismo da entrada em prova.

 

«O sorteio ditou que éramos as primeiras a ir para a água, o que não é muito bom. Lembro-me de estar à espera com nós no estômago. O público estava eufórico, a fazer a contagem decrescente para o início da prova. Eu só tentava acalmar-me. Assim que saímos, ficou tudo em silêncio e senti um estado de calma inacreditável. Acho que nunca gostei tanto de nadar numa prova como naquele dia.»

 

Depois de conseguir a qualificação para a final, a dupla composta por Mariya Koroleva e Mary Killman concluiu a prestação na 11.ª posição.

 

A decisão de voltar

 

Mariya Koroleva em ação

Mariya Koroleva tinha 22 anos. Os Jogos Olímpicos eram um sonho alcançado e parecia estar na altura de seguir um novo rumo. «Sempre pensei que fosse só aquilo, mas depois dos Jogos sentia que tinha mais para dar e queria ver até onde conseguia forçar», recorda.

 

Não foi fácil. A norte-americana esteve um ano parada para acabar o curso depois de 2012 e quando tentou voltar foi criticada: «Disseram-me estava demasiado velha, que queriam um grupo novo. Diziam que não tinha nada para dar.»

 

A nega deu-lhe mais força. «Estava a chorar, a conduzir de volta para casa com os olhos inchados. Não conseguia acreditar, ouvir aquilo partiu-me o coração. Ao mesmo tempo, despertou-me a determinação para provar que estavam errados. Não queria acabar a carreira com alguém a dizer que não podia.»

 

Três anos depois, levou a melhor. Não só entrou para a equipa como garantiu a segunda presença nos Jogos Olímpicos, agora no Rio de Janeiro, onde entra hoje em prova. Desta vez, fará dupla com Anita Alvarez, seis anos mais nova.

 

«Tento ajudá-la a combater o stresse e a pressão. Quem me dera que há quatro anos houvesse alguém que me ajudasse dessa forma. Estou a tentar dar-lhe apoio.»

 

Futuro incógnito

 

O Rio de Janeiro vai marcar a despedida de Mariya Koroleva da alta competição. O que vem a seguir, não sabe. «Trabalho em part-time numa loja de roupa desportiva que tem um protocolo com a federação. Mas não temos muitos fundos. Não fazes milhões, nem sequer milhares, neste desporto. Sei que há outros desportos que treinam um terço do que fazemos e recebem milhões. Nós não temos a recompensa financeira.»

 

A paixão pelos Jogos Olímpicos faz com que Mariya esteja convencida, apesar da incerteza, que vai continuar «próxima do movimento olímpico».

 

Para já, poderá continuar a aplicar o lema que a acompanha para todo o lado: «Não é de quatro em quatro anos, é todos os dias.» 

RPS