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É Desporto

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13 de Fevereiro, 2019

Major Taylor. O afro-americano que foi rei no ciclismo

Rui Pedro Silva

Major Taylor

A génese do talento de jogador de futebol no Brasil – e um pouco por todo o mundo - está muito associada à falta de condições e pobreza. Desde crianças, o cérebro percebe que a bola de futebol é a sua melhor amiga e é a partir dela que poderá conhecer o mundo e deixá-lo caído a seus pés.

 

A técnica é uma batalha diária. Mais do que contra os outros, a criança joga contra si mesma, tentando ser melhor do que no dia anterior. Mais toques sem cair, mais toques alternados entre pé direito e pé esquerdo, mais truques atrás de truques para ludibriar quem quer que lhe apareça à frente.

 

O futebol é um desporto único para propiciar este fenómeno mas houve, noutros tempos, quem o tenha feito com uma bicicleta. Marshall Walter Taylor, nascido em 1878, era uma entre oito crianças de uma família afro-americana do Indiana que tinha pouco dinheiro no final do século XIX. A amizade com uma família branca, porém, lançou as sementes daquilo que seria o futuro.

 

Amigo inseparável de um dos filhos, foi brindado com uma bicicleta. O seu mundo mudou. A partir daquele momento, o dia era feito para o que conseguia fazer montado no novo brinquedo. Mais do que andar de um sítio para o outro, Marshall tornou-se um génio talentoso. Não havia nada que não conseguisse fazer.

 

Tom Hay tinha uma loja de bicicletas e viu no talento de Marshall uma oportunidade para fazer crescer o seu negócio. A troco de seis dólares semanais – e recebendo uma nova bicicleta avaliada em 35 dólares – Marshall começou a servir de empregado de limpeza. Mas, mais importante ainda, era a tarefa na qual tinha de ir para a rua, em frente à loja, exibir as suas acrobacias a quem quer que passasse.

 

Foi também aqui que ganhou a alcunha de Major. Para tornar o momento mais fascinante, completava as suas acrobacias vestido com um uniforme militar. Marshall tinha ficado para trás: daqui em diante seria Major Taylor à conquista do mundo.

 

O início no ciclismo acompanhado de racismo

Major Taylor

O sucesso com Tom Hay proporcionou uma mudança de carreira rápida. Quando tinha 13 anos, foi inscrito pelo patrão numa corrida de dez milhas. Ganhou com seis segundos de vantagem e deu início a uma carreira brilhante. Depois de dar nas vistas, mudou de loja e foi usado para ensinar outras pessoas a andar de bicicleta. Foi também aí que conheceu Louis Munger, o homem que o convenceu a sair do Indiana.

 

O racismo e o preconceito tinham atingido novos níveis. Ninguém aceitava competir contra o Major Taylor numa prova e os organizadores começaram a bani-lo das competições. Quando conseguia participar, estava sujeito a ataques do público e dos adversários. Viam-no como uma ameaça, alguém que não devia estar ali, mas o então ainda adolescente só se preocupava com o ciclismo e reagiu sempre com desportivismo. «A vida é demasiado curta para guardar rancor no coração», escreveu na sua autobiografia, publicada em 1928.

 

A solução sugerida por Munger implicava ir viver para Worcester, no Massachusetts. À primeira vista, foi perfeito. «Não precisei de estar em Worcester muito tempo até perceber que não havia o mesmo preconceito entre ciclistas como havia em Indianápolis», disse, ignorando os problemas que continuou a sentir para competir nacionalmente e, sobretudo, dos obstáculos que os próprios vizinhos representaram.

 

Quando competia, o sucesso era irrefutável. A 30 de junho de 1895 foi o único atleta a completar uma corrida de 121 quilómetros. Mais tarde, depois de fazer 18 anos, abraçou o ciclismo profissional e foi o único afro-americano a participar na corrida de seis dias no Madison Square Garden, em Nova Iorque.

 

O esforço exigido era épico: à antiga, o único objetivo era completar o máximo número de voltas durante as 24 horas de seis dias. Taylor desistiu no quinto dia, cansado física e mentalmente, queixando-se da falta de segurança. Mesmo assim, chegou para terminar na oitava posição.

 

Um título mundial inédito

Major Taylor

A experiência numa prova de seis dias foi marcante o suficiente para perceber que provas longas não eram para ele. Concentrou-se em distâncias mais curtas e a recompensa chegou no Mundial realizado em Montreal, no Canadá, em 1899.

 

Na prova da milha, Major Taylor foi o mais rápido e conquistou o primeiro título mundial de um afro-americano no ciclismo. Em todas as modalidades, foi apenas o segundo, sucedendo ao pugilista George Dixon, que conquistou o cinturão de campeão em pesos-penas em três ocasiões diferentes durante a década de 90.

 

A morte da mãe acabou por afetar a carreira de forma irreparável. Tornou-se um católico devoto e deixou de competir aos domingos, dias em que a maior parte das provas – sobretudo finais de Mundiais – eram realizadas. Quando voltou a disputar um título, em 1909, em Copenhaga, já não era o mesmo. Competir na Europa também foi um problema mas os organizadores renderam-se à fama deste militar e alguns alteraram a calendarização dos seus eventos apenas para ter Major Taylor em pista.

 

Um fim de vida em queda vertiginosa

 

Quando acabou a carreira, em 1910, teria angariado cerca de cem mil dólares em prémios. De muito famoso passou a alguém ignorado e passou a viver nos intervalos da chuva. Não esbanjou o dinheiro mas foi vítima natural do crash da bolsa em 1929, deixando apenas de pé o investimento que tinha feito para publicar sua própria biografia no ano anterior.

 

Sem ter onde viver ou como resistir, foi para Chicago, arrendou um quarto na YMCA e dedicou-se à venda ambulante do seu livro. Por esta altura já ninguém queria saber. Quando morreu em 1932, vítima de ataque cardíaco, ninguém reclamou o corpo na morgue. Não foi notícia. Não teve família. A ex-mulher e a filha faziam parte do passado.

 

Agora, em declarações ao New York Times, a sua bisneta lamenta que tudo tenha acontecido desta forma. «Foi um acontecimento trágico para alguém que foi tão aclamado em vida. A minha avó sempre odiou que ele tivesse morrido desta forma», disse.

 

O obituário publicado no New York Times este mês, enquadrado num trabalho que pretende homenagear afro-americanos que não mereceram o devido destaque no jornal no século passado não tem dúvidas: «Major Taylor foi, simultaneamente, o LeBron James e o Jackie Robinson da sua era».