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É Desporto

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07 de Novembro, 2016

Magic Johnson. O dia em que os jornalistas choraram

Rui Pedro Silva

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Ninguém estava preparado para o que se ia passar. A 7 de novembro de 1991, um dos melhores jogadores da NBA revelou que tinha VIH e que ia terminar a carreira. Numa era de desconhecimento, pensou-se que ia morrer em breve, mas hoje Magic faz dessa data uma celebração. 

 

O dia da mudança

 

Eram dez da noite em Portugal de uma quinta-feira como tantas outras. O FC Porto estava nas Antas a empatar 0-0 com o Tottenham na Taça das Taças; na véspera, o Benfica ter conseguido uma épica vitória em Londres frente ao Arsenal (3-1), enquanto o Boavista caíra aos pés do Torino depois de ter feito história como equipa das camisolas esquisitas ao eliminar o Inter na ronda anterior.

 

Em Los Angeles eram apenas duas da tarde e estava marcada a conferência de imprensa mais importante na vida dos Lakers e de Magic Johnson. Os jornalistas não faziam ideia do que se estava a passar mas receberam um aviso: «Às duas da tarde no Forum [pavilhão da equipa na altura]. Sobre o Magic. Anúncio importante.»

 

Tudo começara semanas antes, quando o proprietário dos Lakers, Jerry Buss, decidiu oferecer a Magic Johnson um empréstimo de três milhões de dólares para complementar o salário. Antes disso, porém, foi aconselhado a fazer um seguro de vida. Para tal, o jogador cinco vezes campeão da NBA tinha de fazer exames médicos.

 

Os resultados revelaram que o jogador era portador do vírus de imunodeficiência humana (VIH). Magic não quis acreditar e pediu para que os exames fossem repetidos. Pensou na saúde da mulher, que estava grávida, e teve medo. O diagnóstico foi novamente o mesmo. Incrédulo, insistiu em novos testes. Nada mudou.

 

Deixou de jogar na pré-temporada mas os jornalistas foram deixados na ignorância. Diziam-lhes que tinha um vírus, que tinha perdido peso, que estava fraco, e que regressaria assim que possível. Dois dias antes do anúncio, era uma gripe que estava praticamente debelada.

 

Conferência de imprensa

Os jornalistas somaram um mais um e perceberam que a paragem ia ser mais prolongada. Mas nenhum desconfiou o que sairia da boca do jogador. Até às duas da tarde, apenas os Lakers, a família do jogador e os principais adversários – Magic fez questão de ligar a jogadores como Larry Bird, Isiah Thomas, Michael Jordan ou Pat Riley – sabiam o que se ia passar.

 

A conferência dura dez minutos. «O silêncio na sala era ensurdecedor. Nem consigo explicar», recorda o jornalista Jim Hill.

 

De fato e gravata, Magic Johnson profere a frase que ficará para sempre marcada na história do desporto: «Por causa do vírus que contraí, terei de terminar a minha carreira com os Lakers.»

 

As lágrimas começam a escorrer pelos olhos de todos os presentes. Estão estupefactos. Vive-se uma era em que ter VIH é sinónimo de morte a curto prazo. Momentos antes, o agente de Magic insiste para que o jogador seja o mais claro possível: tem VIH e não SIDA. Apesar de tudo, o basquetebolista está calmo e garante que vai lutar «contra esta doença mortífera».

 

Promete tornar-se o porta-voz do combate à doença, realçar a importância de sexo seguro, especialmente entre jovens, e fazer perceber, de uma vez por todas, que não é uma doença de gays. «Estou aqui para dizer que pode acontecer a toda a gente, até a mim, Magic Johnson.»

 

Na mente dos jornalistas, no entanto, a pergunta é outra: quando vai morrer? «Não tem nenhum efeito imediato na sua vida, apesar de o termos aconselhado a evitar atividades que possam pôr em risco o seu sistema imunitário», esclarece o médico dos Lakers, Michael Mellman.

 

Magic Johnson faz questão de garantir que não desistirá de viver: «Isto não é como se a minha vida tivesse acabado, porque não acabou. Vou continuar a viver. Tudo continua igual. Vou ter de ser medicado a partir daqui. É outro desafio na minha vida, como se tivesse com as costas encostadas à parede. Vou sentir falta das batalhas e das guerras, vou sentir a vossa falta. Mas a vida continua…»

 

Vida depois do choque

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Magic Johnson tinha razão. Em 1992 foi escolhido para o cinco inicial do Oeste no jogo de estrelas da NBA e meses depois, em Barcelona, liderou a Dream Team ao título olímpico. Pensou em regressar à liga mas a ideia não foi bem recebida.

 

Ninguém conseguia esquecer o que estava em causa. Karl Malone foi uma das vozes da preocupação: «Olhem para isto: feridas e cortes por todo o lado. Faço isto todas as noites, em todos os jogos. Não podem dizer-me que não estou em risco e não me convencem se me disserem que nenhum jogador da NBA pensou nisto.»

 

Para Magic, declarações como esta foram como um soco no estômago. «Não percebia como é que era suficientemente bom para jogar com eles nos Jogos Olímpicos, mas de repente tinha deixado de ser suficientemente bom para estar com eles na NBA. Magoou-me mesmo», disse depois.

 

Em 1995/96 ainda teve um regresso curto à NBA mas fez apenas 36 jogos, quatro deles nos playoffs, com médias de 14,6 pontos, 6,9 assistências e 5,7 ressaltos.

 

Hoje, 25 anos depois, Magic Johnson está vivo e considera a data uma «celebração da vida». «Uma celebração do que algumas pessoas pensaram que era uma sentença de morte há 25 anos. É uma celebração de tudo o que passei até agora», escreveu no seu site, The Playbook.

 

«O 7 de novembro de 1991 foi um dia que mudou a minha vida de uma forma que nunca tinha esperado. Até então, pensava que o mais difícil que tinha feito era lutar contra o Michael Jordan ou o Larry Bird, mas a partir desse momento comecei a lutar pela minha vida.»

 

RPS